Mariana
Mortágua – Expresso, em Blogues
"Neste
sétimo Domingo seguido da viagem (...) vou mais contente a pensar que se os
deuses nos foram propícios estarei aí no próximo domingo e poderei matar as
saudades que já pesam no meu coração", escrevia Ricardo Espírito Santo
Silva, avô de Ricardo Salgado e, como ele, presidente do BES, a António de
Oliveira Salazar.
Longas
e sólidas são as relações da família e do seu banco ao poder, ou melhor, aos
poderes. Regimes mais ou menos despóticos, mais ou menos democráticos, mais ou
menos liberais, mas sempre corruptos. Para o provar estão as contas off-shore
de Pinochet no BES Miami.
O
BES é uma família e é uma instituição, talvez por isso a sucessão seja tão ou
mais sangrenta que em qualquer dinastia monárquica. Dois dos candidatos
eram José Maria Ricciardi (presidente do BES Investimento) e Amilcar Morais
Pires (diretor financeiro do BES), ambos constituídos arguidos num caso de
tráfico de influências e abuso de informação envolvendo ações da EDP e REN.
Esta investigação teve origem e faz parte do caso de branqueamento de capitais
e fuga ao fisco conhecido por operação Monte Branco.
De
acordo com o que é público, as operações de transação das ações da EDP e REN
terão sido efetuadas através de sociedades offshore ligadas à Akoya Asset
Management. A Akoya é uma empresa gestora de fortunas sediada na Suiça, que tem
como principal acionista o angolano Álvaro Madaleno Sobrinho, apontado como o
terceiro possível sucessor na liderança do BES.
Sobrinho
é detentor de participações do Sporting (24%), Bom Petisco (80%), Cofina
(Jornal de Negócios e Correio da Manhã, 15%), Impresa (3,2%), e ainda da
Espírito Santo International (3%), que controla a maior accionista do BES, a
Espírito Santo Financial Group; e do BES Angola (BESA, 5%). Sobrinho é, de
facto, um dos fundadores do banco angolano, detido na sua maioria por Ricardo
Salgado, tendo sido seu presidente executivo até Outubro de 2012.
O
Expresso deu a conhecer há dias o escândalo que envolve este banco, vencedor do
prémio "Best Bank in Angola", atribuído pela World Finance Magazine.
Foi revelado que o BESA terá na sua carteira 5700 milhões de dólares em
créditos cujo destinatários, motivos ou garantias são desconhecidos ou
insuficientes, e que estão em risco de não ser pagos. Desses, há 1624 milhões
que estão minimamente identificados: terão ido para 5 empresas com ligações a
Sobrinho. A partir delas, 40 milhões destinaram-se (alegadamente) à Pineview
Overseas, uma empresa offshore propriedade de Sobrinho, que detém a Newshold,
dona do jornal SOL. Adicionalmente, 913 milhões terão sido transferidos para
outras 10 empresas. Desses, 840 milhões seriam destinados ao negócio de compra
das Torres Sky à ESCOM sendo que, segundo o Expresso, só 360 milhões chegaram
ao seu destino, os restantes foram desviados. Um dos beneficiários destas
transferências terá sido Hélder Bataglia, na altura acionista e presidente
executivo da ESCOM (Grupo Espírito Santo), administrador executivo do BESA, e
imagine-se, accionista da Akoya Asset Management.
Vale
a pena lembrar ainda que, durante todo este período, era administrador
executivo do BESA Ricardo Abecassis, primo de Salgado, e seu (quarto) putativo
sucessor.
A
história vai longa, e nesta fase torna-se mais confusa, já que a própria venda
da ESCOM, também envolvida também na Operação Furacão, é outro capítulo da
Operação Monte Branco.
Segundo
notícias na imprensa nacional, o Grupo Espírito Santo afirma que a empresa
ESCOM foi vendida a capitais angolanos em 2010. O comprador conhecido era a
Sonangol, liderada por Manuel Vicente, vice-presidente da República de Angola.
O valor inicialmente proposto seria de 800 milhões. Como sinal, a Sonangol terá
pago 15 milhões de euros, mas acontece que, além desse valor, foram encontrados
mais 85 milhões (que estão a ser investigados pelo DIAP), depositados
diretamente numa conta do Crédit Suisse através da ... Akoya. A partir daí a
Sonangol ter-se-á recusado a fazer novas transferências, contestando até o
valor de venda da ESCOM. Na prática, a venda não se concretizou.
Qual
é a história de fundo? Bom, segundo a investigação apresentada no Donos
Angolanos de Portugal (Costa et al, 2014, p.80, Bertrand), o BES terá usado o
BESA para ir buscar 500 milhões de euros durante a crise de liquidez na Europa.
A operação deixou o próprio BESA com problemas financeiros, tendo o banco sido
salvo por uma injeção do Banco de Angola. Em troca, o governo Angolano terá
feito pressão para que o Grupo Espírito Santo vendesse a ESCOM, por um valor
que nunca conseguiu o acordo das duas partes.
A
introdução do Governo de José Eduardo dos Santos nesta teia ajuda, por fim, a
explicar por que razão o último resolveu garantir os créditos mal parados do
BESA com dinheiro dos contribuintes Angolanos.
A
serem confirmados, os relatos desta complexa rede deixam transparecer uma tendência
maior. São os pequenos passos de uma elite angolana, da qual Álvaro Sobrinho é
exemplo, que se constitui como grande interesse capitalista. A acumulação
faz-se através de fundos públicos, usados para cobrir os desfalques dentro do
sistema bancário luso-angolano, com a conivência e benefício das fortunas
portuguesas, como a dos Espírito Santo.
Ao
contrário da obra de George R. R. Martin, e salvo raras e até corajosas
exceções, esta história tem cativado pouco interesse mediático. É pena. Bem
vindos à Guerra dos Tronos do capitalismo moderno.
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