quarta-feira, 18 de junho de 2014

Oriente Médio: EUA VERSUS DEMOCRACIA




"O Acordo de Ta'if, de 1989,[1] que mudou a fórmula de partilha do poder no Líbano, e a Constituição do Iraque, escritos sob 'supervisão' das forças de ocupação norte-americanas, são bons exemplos de ferramentas políticas concebidas "sem contato com a realidade", e que absolutamente não deixam espaço para a emergência de governos eleitos pelo povo por vias realmente democráticas. Em vez disso, aquelas ferramentas só produzem regimes que dependem de apoiadores ou regionais ou internacionais."

Muitos governos ocidentais e alguns analistas têm argumentado que as eleições realizadas na Síria dia 3 de junho não seriam legítimas porque nem todos os sírios puderam (ou quiseram) votar, o país está em guerra e os sírios teriam sido coagidos a votar no atual presidente. Seriam argumentos aproveitáveis, se se aplicassem ao caso real da Síria e fossem mantidos sempre coerentes em todos os casos reais. Mas um rápido exame de outros casos e dos fatos relevantes caso a caso mostra que o argumento não se aplica à Síria nem é aplicado sempre coerentemente a todos os casos reais.

PRIMEIRO, governos norte-americanos acompanharam inúmeras eleições e produziram Constituições nacionais sob condições de guerra e em plena disputa sectária, por exemplo, no Afeganistão e no Iraque. Representantes do governo dos EUA várias vezes disseram que, mesmo nessas circunstâncias excepcionais, eleições e referendos são indispensáveis para ativar tradições democráticas sufocadas ou ignoradas, isolar os extremistas e dar legitimidade a novos governos. Por acaso esses 'usos' da democracia não se aplicariam também à Síria?

SEGUNDO, 56% dos eleitores egípcios não votam nas recentes eleições que oficializaram no poder o antigo chefe militar da ditadura egípcia, o general Abdul Fattah al-Sisi. Além do mais, al-Sisi chegou ao poder por golpe de estado que derrubou presidente legitimamente eleito com alta participação dos eleitores e no qual concorreu contra vários candidatos muito fortes.

Mesmo assim, o governo dos EUA, da Arábia Saudita e muitos governos ocidentais rapidamente abraçaram al-Sisi, apesar da legitimidade zero, dos eventos absolutamente irregulares que precederam as eleições e das medidas muito duras introduzidas sob suas ordens, que aprofundaram as divisões e criminalizaram membros da oposição e jornalistas.

TERCEIRO, pretender que os sírios teriam votado como votaram 'porque' foram intimidados e amedrontados é insulto contra todos os sírios, tanto aos que votaram como aos que não votaram. É apresenta-los como se fossem covardes, incapazes de tomar decisões autônomas, sem ajuda externa. A maioria dos sírios, que enfrentam condições dificílimas para viver já há mais de três anos, poderia ter preferido ficar em casa (como muitos fizeram), em vez de arriscar a vida para conseguir fazer uma pequena marca de tinta num pedaço de papel.

Afinal, muitos sírios sabiam que Bashar al-Assad seria eleito e que o ocidente não reconheceria os resultados eleitorais. Mesmo assim, a maioria dos sírios, por vasta quantidade de razões, quiseram votar e votaram em al-Assad. É importante não esquecer que estudos anteriores, encomendados pela OTAN e  outras organizações ocidentais, já previam que Assad venceria as eleições com cerca de 60% dos votos - o que explica por que os EUA e outros governos ocidentais absolutamente não se interessavam por incluir eleições em qualquer das 'soluções políticas' que indicavam para a Síria. Em vez de eleições, então, os EUA e aqueles governos ocidentais que acompanham cegamente o voto dos EUA pregavam uma 'transferência negociada de poder' a uma coalizão de oposição que representa menos de 4% da população síria!

Há muitas razões pelas quais os sírios acorreram entusiasticamente às urnas, dentro e fora da Síria, para eleger al-Assad, alguns usando literalmente o próprio sangue para votar, em vez de tinta. Com instabilidade, guerras civis e governos fracos que resultam da intromissão do ocidente e de seus 'estrategistas' de visão curta, é compreensível que tantos, no Oriente Médio, prefiram atropelar os EUA e seus ricos aliados árabes e eleger candidatos que, invariavelmente, são os que o ocidente menos deseja e prestigia.

Em vez de considerar os fatos realmente em campo e as motivações realmente ativas entre as populações, funcionários do governo dos EUA, da França, e governantes de alguns estados do Golfo continuam a ignorar e fazer pouco do desejo e do bem-estar do povo sírio - e absolutamente não têm nomes alternativos aproveitáveis a apresentar às eleições. Dizem que Bashar al-Assad perdeu contato com a realidade e perdeu legitimidade. Mas... Consideremos, então, alguns dados da específica realidade da qual se trata.

No mesmo dia em que o governo sírio anunciou os resultados das eleições presidenciais às quais compareceram 73% dos eleitores sírios, com 88% dos votos a favor de Bashar al-Assad, o secretário de Estado dos EUA, John Kerry, chegou ao Líbano. Falando de Beirute, disse que "as eleições na Síria são não eleições. Grande, enorme zero! Nada mudou entre a véspera das eleições e o dia seguinte."

Ironicamente, para quem dizia que o presidente Assad teria perdido contato com a realidade, Kerry falava em solo libanês, e o Líbano está já há duas semanas sem presidente (situação que pode persistir durante meses), não tem qualquer governo já há mais de dez meses, e os deputados libaneses decidiram prorrogar os próprios mandatos por outros 16 meses (agora parece que essa situação terminará em novembro de 2014).

Essa dissonância cognitiva desejante - que leva a apresentar como se fosse fato o que não passa de delírio-desejo formulado na cabeça do 'analista', sem correspondência na realidade - é sintoma do vastíssimo fracasso dos governos em nome dos quais Kerry fala, que absolutamente não conseguem apresentar alternativa aproveitável, por mais que critiquem governos e processos de governo de países dos quais os ocidente 'não gosta' [ou que não gostam do ocidente (NTs)]. Pior que isso: os países que Kerry e o governo dos EUA apresentam como se fossem modelos aceitáveis não são sequer funcionais! E nem se fala de serem estáveis ou democráticos, porque também não são.

Em primeiro lugar, o Iraque. Houve eleições recentes no Iraque, as primeiras eleições legislativas depois da ocupação pelos EUA; e o país continua sem encontrar saída para suas tragédias de segurança, econômicas e políticas. Por causa do estranhíssimo 'arranjo' para partilha de poder introduzido no Iraque sob supervisão das forças norte-americanas de ocupação, o Parlamento iraquiano resultou profundamente dividido em termos sectários, étnicos e ideológicos, o que torna impossível constituir qualquer governo que venha a ter alguma estabilidade no futuro de curto prazo.

Em segundo lugar, a Líbia - 'libertada' há três anos do poder de Muammar Gaddafi, por uma aliança entre o Qatar (que financiou e armou grupos rebeldes) e a OTAN (que entrou com o poder de fogo aéreo) - enfrenta também terrível guerra civil, em que generais seculares têm de disputar terreno palmo a palmo contra grupos islamistas armados, vários dos quais afiliados da al-Qaeda.

Além do mais, a instabilidade política e a disponibilidade de todos os tipos de armas, em mãos de todos os tipos de grupos armados, já ameaçam também a estabilidade de países vizinhos, como Tunísia, Egito e Argélia, três países com governos frágeis e forte presença de afiliados da al-Qaeda.

Em terceiro lugar, outros aliados árabes dos EUA são exemplos de tirania e autoritarismo, não de governo responsável. Esses aliados incluem países como o Bahrain, que continua a agredir manifestantes pacíficos; a Arábia Saudita, que criminaliza e encarcera ativistas que trabalham na defesa dos direitos humanos; e o Qatar, que encarcera poetas e violenta trabalhadores estrangeiros e imigrantes. Nenhum desses países jamais teve eleições - nem eleições-farsa, que fossem!

Esses três países, especificamente, não têm qualquer tradição de governo representativo, e algumas de suas autoridades religiosas decretaram que eleições são pecado, nos termos da interpretação pessoal, deles mesmos, da lei islâmica.

Historicamente, os EUA e seu principal aliado regional, a Arábia Saudita, promovem modelos de governo controlados de cima para baixo, no qual o 'equilíbrio' do poder só faz pender a favor de senhores-da-guerra e de facções étnicas e religiosas com ferramentas que paralisam o governo, em vez de lhe dar funcionalidade.

O Acordo de Ta'if, de 1989, que mudou a fórmula de partilha do poder no Líbano, e a Constituição do Iraque, escritos sob 'supervisão' das forças de ocupação norte-americanas, são bons exemplos de ferramentas políticas concebidas "sem contato com a realidade", e que absolutamente não deixam espaço para a emergência de governos eleitos por vias realmente democráticas, pelo povo. Em vez disso, aquelas ferramentas só produzem regimes que dependem de apoiadores ou regionais ou internacionais.

Tudo isso, afinal, mostra que os funcionários do governo dos EUA encarregados da política externa desejam realmente apoiar governos antidemocráticos e fundamentalmente instáveis, em ver de investir em democracias participativas e aceitar as consequências da democracia e da participação democrática

Por menos que os EUA apreciem as consequências de curto prazo do processo democrático em andamento no Oriente Médio e em outros pontos, é do interesse de todos, no longo prazo, pôr fim às ações norte-americanas deliberadas de boicote e sapa de processos democráticos, como as que se têm visto, com assustadora frequência, em vários pontos do mundo. ***


* Ahmed E Souaiaia leciona na Universidade de Iowa. Seu livro mais recente éAnatomy of Dissent in Islamic Societies [ http://www.amazon.com/Anatomy-Dissent-Islamic-Societies-Legitimacy/dp/1137371609 ], de análise histórica e teórica dos levantes populares desde o início do Islã.

[1] Acordo de Taif é a designação comum para um documento de nome oficial Carta Nacional de Reconciliação aprovado dia 22/10/1989, na cidade de Taif, na Arábia Saudita, com o objetivo de pôr fim à guerra civil no Líbano, que se desenrolava desde 1975 (mais em http://pt.wikipedia.org/wiki/Acordo_de_Taif) [NTs].

GENOCÍDIO NA EUROPA




O governo neo-nazi de Kiev deu, dia 12 de Junho, um novo passo na escalada genocida contra o seu próprio povo:   a utilização de bombas incendiárias de fósforo contra a população civil de Slavyansk . 

Os media corporativos, ditos de "referência", calam-se. Ocultam deliberadamente este novo acto de barbárie dos fascistas ucranianos patrocinados pelo governo Obama. E a União Europeia permanece de cócoras, também calada, subserviente aos EUA e conivente com os seus crimes.

Leia mais em Resistir.info
A NATO é a agressora , Associação Alemã de Livres-Pensadores

"Nós angolanos não fomos libertados, fomos aprisionados" - Pinto de Andrade




Em entrevista à DW África, Justino Pinto de Andade faz um balanço da independência de Angola, dos sonhos na luta pela libertação e dos 40 anos do 25 de abril. Também relembra a vida na prisão do Tarrafal, em Cabo Verde.

A Revolução dos Cravos pôs fim à ditadura em Portugal. Também para as colônias, o 25 de Abril de 1974 criou o caminho para a liberdade. Para Angola, foi a pólvora inicial de uma guerra civil, que duraria 30 anos.

À frente da Luta de Libertação estava Justino Pinto de Andrade, na época um estudante de medicina que trocou a universidade pela ideologia de viver numa nação independente. Depois de passar oito anos preso e ter vivido por dois anos como deportado político, ele é atualmente presidente do Bloco Democrático, partido na oposição, e professor da Universidade Católica de Angola.

Nesta entrevista concedida à DW África em Luanda, Justino Pinto de Andrade revela como deixou a universidade para se tornar um revolucionário, seus sonhos na juventude e o que pensa de seu país atualmente.

DW África: Onde estava no dia 25 de Abril de 1974?

Justino Pinto de Andrade: Eu estava em Cabo Verde como preso político. E já estava preso há cerca de cinco anos na cadeia do Tarrafal. Tomei conhecimento do 25 de Abril não propriamente no 25 de abril, mas uma semana depois. Durante aquela semana, fez-se completo silêncio sobre o que se estava a passar em Portugal. Foi apenas no dia 1 de maio que nós, os presos do Tarrafal, fomos avisados que tinha havido um golpe de Estado em Portugal, que ficou conhecido como a "Revolução dos Cravos". Foi neste dia também que nós saímos da cadeia.

DW África: Ainda se lembra do dia em que recebeu esta notícia, de que um golpe de Estado havia trocado o poder em Portugal?

JPA: Era a primeira vez, naqueles anos todos, que nós ouvíamos o barulho, as vozes da população do lado de fora do campo [do Tarrafal]. Nomeadamente: Viva a independência! Viva Angola! Viva Guiné! Viva Cabo Verde! Viva FRELIMO! Viva PAIGC! Viva MPLA! Então, percebemos que alguma coisa teria acontecido relativamente a nós.

DW África: A informação sobre a troca de poder foi dada pelo diretor do Tarrafal. Ainda se lembra do que ele disse?

JPA: Disse-nos que tinha havido uma mudança de Governo. “O professor Marcelo Caetano abdicou do cargo de presidente do Conselho de Ministros,” palavras dele, “e então uma junta militar assumiu o poder em Portugal.” Perguntei ao diretor do campo: “Foi uma passagem entre amigos, ou foi, como geralmente chamamos, golpe de Estado?” E então, a expressão que o diretor do campo usou foi: “Não, não, não, não. Golpe de Estado, não! Golpe de Estado, isso é em África!”

DW África: Conte-nos sobre como Justino Pinto de Andrade, na época um estudante de medicina, foi preso em Luanda e depois levado para a prisão do Tarrafal, em Cabo Verde!

JPA: Nós pertencíamos a um grupo clandestino. Chamávamos o Comité Regional de Luanda – CRL – do MPLA [Movimento Popular de Libertação de Angola], e nós éramos os líderes desse comité regional. Fomos presos pela PIDE [Polícia Internacional e de Defesa do Estado], ao fim de diversos atos de perseguição pela polícia política portuguesa. Eu fui condenado a oito anos de cadeia, com hipótese de prorrogação do prazo sob a forma de medidas de segurança. Fiquei cerca de cinco anos preso. Eu tinha 21 anos quando fui preso e tinha 22 anos quando fui para o Tarrafal.

DW África: Ouvi dizer que para se comunicarem, os presos criaram uma rádio dentro da prisão do Tarrafal. Como funcionava a troca clandestina de notícias?

JPA: Havia um buraco no banheiro. E era neste buraco que colocávamos a nossa correspondência e onde íamos recolher a correspondência deixada pelos outros companheiros. Era assim que nós nos informávamos sobre quem estava nas outras casernas, há quanto tempo estava, quantos anos tinha apanhado de cadeia, a que família pertencia, em que região de Angola tinha nascido. Portanto, essa correspondência permitia-nos nos conhecermos sem, contudo, termos uma relação pessoal e direta.

DW África: O que lhe marcou na vida do dia-a-dia na prisão do Tarrafal?

JPA: Eu, um jovem de 22 ou 23 anos, estudante universitário, filho de uma família considerada e respeitada, a ver aqueles homens de origem humilde, camponeses, homens que foram presos nas zonas rurais, que viram as suas aldeias serem incendiadas, eles contávam-me isso. Recordo-me deles sempre com muito carinho, com muita saudade. É a imagem mais simbólica que tenho é dos meus companheiros, que não iriam usufruir nada com a independência porque eles eram homens poucos, homens simples. Quando procuro saber o que era feito deles, e saber que o Fulano morreu assim, o Ciclano morreu assado e morreram todos assim, violentamente. Para mim é a imagem mais triste.

DW África: Na sua opinião, o que a Revolução dos Cravos significou para Angola?

JPA: A ideia que nós tínhamos, era de que a luta [de libertação] estava a desenvolver-se. Afinal, não era assim. Pelos vistos, os Movimentos de Libertação viviam momentos difíceis aqui em Angola durante a luta e o 25 de Abril permitiu uma viragem que depois conduziu à independência. É evidente que eu, durante aqueles anos, à medida em que os anos foram passando, fui percebendo que as coisas estavam difíceis. Tínhamos a ideia de que os companheiros continuavam a progredir no terreno, que a tropa portuguesa estava numa situação difícil e, depois, quando venho [para Angola], e começo a ouvir as pessoas falarem e a ler a informação que me é dada, digo, afinal nós estávamos numa situação difícil. Portanto, eu saísse de lá da cadeia com muitos anos de idade e não com 26 [anos] como saí.

DW África: Sr. Justino Pinto de Andrade, como avalia o seu próprio papel na luta de libertação em Angola?

JPA: O papel típico de um jovem naquela época que ambicionava não ser colonizado e, por isso mesmo, sentia a obrigação de contribuir para o derrube do regime colonial. Eu, pessoalmente, não me sentia em condições de continuar a viver na condição de colonizado. Eu achava que a condição de colonizado, para além de tudo, também era humilhante. Por isso mesmo, decidi envolver-me de forma séria no processo da luta de libertação nacional.

DW África: E hoje, quase 40 anos depois da independência, como olha para o seu país?

JPA: Olho com um misto de alegria, por um lado, porque fomos independentes. Por outro lado, com um misto de tristeza, porque não foi isso que nós pensamos que iria acontecer. Embora deva dizer que, quando estava na cadeia e convivia com presos angolanos provenientes de várias origens, percebi que o processo pós-independência iria ser complicado, que iríamos ter conflitos entre nós.

DW África: O que tinha sonhado para Angola que não vê acontecer no seu país?

JPA: Eu pensava num país que iria aproveitar todo o seu potencial material e humano, que iria desenvolver processos de solidariedade que permitisse um desenvolvimento para todos, mais equilibrado, mais abrangente. Hoje, sinto que, afinal, muitos dos nossos companheiros queriam apenas a independência. De tal maneira que quando viemos para Angola, o que aconteceu foi que nos matamos uns aos outros. Eu sou um sobrevivente, porque grande parte dos meus companheiros morreu.

DW África: Então se os ideais não se cumpriram, o que a independência trouxe para Angola?

JPA: Teoricamente trouxe o poder para os angolanos e isso já é uma boa conquista. Mas nós sentimos que este poder não foi bem usado, porque afinal temos angolanos que oprimem outros angolanos e de forma, às vezes, até mais violenta do que aquela que era feita pelos portugueses. A violência que eu assisti na cadeia pós-independência em nada se compara com aquilo que eu assisti no período colonial. E isso para mim é muito chocante. Sobretudo porque eu vi companheiros meus da luta de libertação a irem ser fuzilados e eles não mereciam ser fuzilados.

DW África: Na sua opinião, qual significado tem o fato de Angola ter sido a última colônia a se tornar independente?

JPA: O colonialismo português tinha um engajamento económico, social e também político maior do que aquele que tinha nas outras colónias portuguesas dada a extensão de Angola, dada também a riqueza potencial que Angola possuía. E isso fazia com que os portugueses não aceitassem entregar de mão beijada a sua jóia da coroa. Por outro lado também, deveu-se ao fato de o processo da luta de libertação em Angola ter sido um processo mais complexo e o poder colonial teria que dialogar, negociar com os diversos interlocutores que se apresentavam no terreno.

DW África: Em que medida a luta pela independência é instrumentalizada e usada para legitimar o poder de grupos e pessoas específicas em Angola?

JPA: Não têm outra forma de legitimar o poder. O único argumento que têm para legitimar o poder que têm é ter lutado pela independência. O processo de luta pela independência, no fundo, transformou os angolanos em prisioneiros deste poder. Nós não fomos libertados, fomos aprisionados. Aqueles que ganharam utilizam o país como se fosse uma conquista de guerra, um troféu. Sinto que há aqui uma pessoalização do poder. Uma pessoalização que depois querem transferir para os seus descendentes, ficando sempre no mesmo círculo.

DW África: Diante de todos os esforços que fez pela independência, seus ideias, sua luta, as dificuldades que enfrentou, valeu a pena?

JPA: Só o fato de nunca me sentir bem na condição de colonizado faz-me assumir como tendo valido a pena deixar de ser colonizado. Mas não me sinto bem como escravo de um poder totalitário como esse. Penso que nós merecíamos melhor. Eles portam-se selvaticamente contra as pessoas. Usam os órgãos de defesa e segurança sem qualquer limite e penso que este é o grande mal do pós-independência.

DW África: Ficou alguma ferida aberta?

JPA: Não é um ferida aberta verdadeiramente. É algum desencanto. Sobretudo, no fundo, o que me custa é saber que perdi, durante a luta, amigos e companheiros que sonharam como eu sonhei com um país melhor, deram a sua vida para nos libertarmos e hoje temos quem aprisionou o país.

Deutsche Welle - Autoria Cristiane Vieira Teixeira - Edição Johannes Beck

Angola: Nito Alves vai a julgamento esta quinta-feira




Manuel Bastista Chivonde Nito Alves foi preso por imprimir várias t-shirts com slogans contra o presidente, quando tinha apenas 17 anos.

Coque Mukuta – Voz da América

Manuel Bastista Chivonde Nito Alves é julgado num processo que vem desde o ano passado por acusação de crime contra os órgãos de soberania, ao ter mandado imprimir várias t-shirts com slogans contra o presidente José Eduardo dos  Santos.

O jovem que tem como nome de registo Manuel Bastista Chivonde Nito Alves foi preso por imprimir várias t-shirts com slogans contra o presidente, quando tinha apenas 17 anos.

Hoje, com 18 anos de idade, Nito Alves diz  não ter medo de enfrentar o tribunal e apelou ao presidente angolano José Eduardo dos Santos a rever as suas atitudes, caso contrário poderá ter de enfrentar o tribunal penal internacional.

“Eu Manuel Nito Alves o conselho que dou ao Eduardo dos Santos é que deve ser mais humano porque ele já passou de ditador a um ditador nojento, e se continuar assim pode ser levado ao tribunal internacional ou acabar como o Kadaf”, disse.

O activista disse ainda que as causas que defende tornaram-no mais forte para enfrentar o banco dos réus: "Estou sereno e frio, não temo as intimidações do Governo angolano, por isso amanha às 9 estarei no banco dos réus para ser julgado e ouvir a decisão do juiz”.

Nito Alves foi detido a 12 de Setembro de 2013 e solto  com Termo de  Identidade e Residência no dia 8 de Novembro do ano passado, depois de ter estado alguns dias em greve de fome.

Angola: Polícia destrói casas em Viana e populares vão processar autoridades




Adriano Tarsi, cidadão que viu a sua casa demolida, disse ter sido roubado pelos supostos agentes da polícia, que levaram um telemóvel e 7 mil kwanzas.

Coque Mukuta – Voz da América

O coordenador da associação cívica angolana SOS-Habitat foi ontem detido pelas autoridades angolanas quando intervia junto dos agentes que tencionavam demolir a sua residência na zona do Zango, no Município de Viana.

Os agentes do Posto Comando Unificando detiveram ontem o coordenador da SOS-Habitat Rafael de Morais por tentar protestar contra a tentativa de demolição da sua residência em Viana.

Rafael de Morais foi libertado, mas cerca de 10 casas foram demolidas.

O Posto Comando Unificando é uma unidade constituída por elementos das Forças Armadas angolanas, Polícia Nacional e da Fiscalização de Luanda, e foi criada há menos de um ano.

Esse comando, no entanto, tem sido muito críticado com denúncias do envolvimento de alguns dos seus membros em terrenos privados em troca de valores que vão dos 8 aos 12 mil dólares.

Rafael de Morais conta como tudo aconteceu:“Ontem recebi a ordem de detenção pelo chefe do comando Unificado que me colocou a sua viatura e fiquei mais de 30 minutos, só mais tarde quando ele começou a receber telefonemas foi quando decidiram me soltar”.

Várias outras casas foram demolidas, mas a de Rafael de Morais continua de pé.

Já Adriano Tarsi, cidadão que viu a sua casa demolida, disse ainda ter sido roubado pelos supostos agentes da polícia, que levaram um telemóvel e 7 mil kwanzas.

“Eles nos amarraram nós três e foram nos abandonar no capim; eles não nos bateram apenas nos amarrarraram, e a mim roubaram um telefone e 7 mil kwanzs” acrescentou.

Rafael de Morais, Adriano Tarsi e outros populares dizem que vão formalizar uma queixa junto das entidades competentes contra as autoridades.

MP denuncia Odebrecht por trabalho escravo e tráfico de pessoas



João Fellet - BBC Brasil em Brasília

O Ministério Público do Trabalho (MPT) denunciou o grupo empresarial Odebrecht por, segundo o órgão, manter 500 trabalhadores brasileiros em condições análogas à escravidão na construção de uma usina em Angola.

De acordo com a ação, iniciada após uma reportagem da BBC Brasil revelar denúncias de maus tratos na obra, a construtora teria praticado ainda tráfico de pessoas no transporte de operários até a usina Biocom, na província de Malanje.

A denúncia, entregue na sexta-feira à Justiça do Trabalho de Araraquara (SP) pelo procurador Rafael de Araújo Gomes, pede que a Odebrecht pague uma indenização de R$ 500 milhões por danos coletivos aos trabalhadores. O procurador notificou a Polícia Federal e o Ministério Público Federal para que dirigentes da empresa e de suas subcontratadas respondam criminalmente.

A Odebrecht disse à BBC Brasil que só pronunciaria sobre o caso após ser notificada judicialmente. Normalmente, a notificação judicial ocorre alguns dias úteis após o Ministério Público protocolar a ação. Mas, com as interrupções de serviços públicos ocorridas por conta dos jogos da Copa do Mundo, esse prazo pode vir a ser ampliado.

Três empresas do grupo Odebrecht são rés na ação, que tem 178 páginas e envolveu extensa investigação: a Construtora Norberto Odebrecht (CNO), a Olex Importação e Exportação e a Odebrecht Agroindustrial (antiga ETH Bioenergia).

Passaportes retidos

Em dezembro de 2013, a BBC Brasil publicou uma reportagem em que operários diziam ter sido submetidos a maus tratos na construção da usina Biocom, entre 2011 e 2012. Dezenas de fotos e vídeos cedidos à reportagem mostravam o que seriam péssimas condições de higiene no alojamento e refeitório usados pelos trabalhadores.

Os trabalhadores afirmaram ainda que funcionários que trabalhavam na segurança da empresa impediam que eles deixassem o alojamento e que tinham seus passaportes retidos por superiores após o desembarque em Angola. De acordo com os operários, muitos adoeciam – alguns gravemente – em consequência das más condições, e pediam para voltar ao Brasil. Alguns dizem ter esperado semanas até conseguir embarcar.

Segundo a ação do Ministério Público do Trabalho, braço do Ministério Público da União, "os trabalhadores, centenas deles, foram submetidos a condições degradantes de trabalho, incompatíveis com a dignidade humana, e tiveram sua liberdade cerceada, sendo podados em seu direito de ir e vir".

Os funcionários, diz a denúncia, "foram tratados como escravos modernos, com o agravante de tal violência ter sido cometida enquanto se encontravam isolados em país estrangeiro distante, sem qualquer capacidade de resistência".

Após voltar ao Brasil, dezenas de operários entraram na Justiça contra a Odebrecht e suas subcontratadas na obra. A Justiça tem reconhecido que eles foram submetidos a condições degradantes e ordenado que sejam indenizados.

O MPT diz que, embora os trabalhadores não fossem empregados da Odebrecht, mas de empresas subcontratadas pela construtora – entre as quais a Planusi, a W Líder e a Pirâmide –, a responsabilidade pelas condições na obra era inteiramente da Odebrecht, conforme definido nos contratos entre as companhias.

Tráfico de pessoas

A denúncia lista uma série de ilegalidades que, segundo o MPT, teriam sido cometidas pela Odebrecht no envio dos trabalhadores a Angola. De acordo com o órgão, as empresas subordinadas à companhia recorreram a agenciadores ilegais ("gatos") para recrutar operários em diferentes regiões do país, especialmente no Nordeste. A prática, diz a denúncia, constitui crime de aliciamento.

Após o recrutamento, segundo a denúncia, ocorria outra irregularidade: em vez de solicitar à embaixada de Angola vistos de trabalho aos operários, a Odebrecht pedia vistos ordinários, que não dão o direito de trabalhar.

Para obter os vistos, segundo o MPT, a Odebrecht "desavergonhadamente mentiu à embaixada de Angola", dizendo que os operários viajariam ao país para "tratar de negócios" e permaneceriam ali menos de 30 dias (limite de estadia do visto ordinário). No entanto, diz a Procuradoria, as passagens aéreas compradas pela Odebrecht previam a volta dos trabalhadores em prazos bem superiores a 30 dias.

Segundo o MPT, a empresa recorreu ao esquema para "contar com trabalhadores precários e inteiramente submetidos a seu jugo, incapazes de reagir ou de reclamar das condições suportadas, impossibilitados de procurar outro emprego, e que sequer pudessem sair do canteiro de obras".

A prática, segundo o MPT, sujeitou os trabalhadores a graves riscos em Angola, inclusive o de prisão, e violou tratados internacionais contra o tráfico humano.

Ratificado pelo Brasil em 2004, o Protocolo de Palermo engloba, entre as definições para a atividade de tráfico, o recrutamento e transporte de pessoas mediante fraude ou engano para fins de exploração em "práticas similares à escravatura".

Dinheiro público

Segundo a investigação do MPT, contratos celebrados entre a Odebrecht e suas subordinadas na obra mencionam que haveria empréstimos do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) à construção. O BNDES, porém, disse à BBC Brasil que jamais financiou a obra.

Em junho de 2012, o Ministério do Desenvolvimento e Comércio Exterior decretou sigilo sobre todas as operações de crédito do BNDES a Angola e Cuba.

Entre 2006 e 2012, quando os dados ainda eram públicos, o BNDES destinou US$ 3,2 bilhões (R$ 7,2 bilhões) a obras de empresas brasileiras em Angola. A Odebrecht, maior construtora brasileira e maior empregadora privada de Angola, onde opera desde 1984, abocanhou a metade desses financiamentos.

'Círculo íntimo'

Primeira indústria de açúcar, eletricidade e etanol de Angola, a Biocom é uma sociedade entre a Odebrecht, a estatal angolana Sonangol e a empresa Cochan. Segundo o jornal português Público, o dono da Cochan é o general angolano Leopoldino Fragoso do Nascimento, um dos homens mais próximos do presidente angolano, José Eduardo dos Santos, no poder desde 1979.

A usina, que custou cerca de R$ 1 bilhão, deve ser inaugurada até o fim deste ano.

Embora a Biocom tenha sócios angolanos, o MPT diz que, desde 2012, a Odebrecht tornou-se sócia majoritária da usina e "passou a administrá-la como dona". Segundo o órgão, ao se associar à Cochan, a Odebrecht buscou contemplar o "círculo íntimo" do presidente angolano no empreendimento e mascarar que a usina, anunciada à população local como angolana, é na verdade brasileira.

Como punição pelos atos, a Procuradoria pede que a Odebrecht seja multada caso mantenha práticas ilícitas, indenize os trabalhadores afetados em R$ 500 milhões e deixe de receber empréstimos de bancos públicos. A ação pede ainda que a companhia pague multa no valor de 0,1% a 20% do seu faturamento anual.

Segundo o MPT, o caso requer "uma punição absolutamente exemplar", para que a companhia não se sinta encorajada "a repetir as mesmas condutas no futuro".

Na foto: Operários brasileiros disseram ter sido submetidos a maus tratos na construção da usina Biocom

Portugal: Rumo à união nacional neoliberal



Alfredo Barroso – jornal i, opinião

Ao invés do que alguns ingenuamente supõem, o neoliberalismo não pretende suprimir o Estado. Pretende, isso sim, reconfigurar e reorientar as suas acções

Ao ouvir, no dia 10 de Junho, o lamentável ultimato lançado por Cavaco Silva aos partidos do arco da governação, intimando-os a realizar um pacto de união nacional, não pude deixar de pensar na enorme desconfiança que os teóricos do neoliberalismo alimentam, desde sempre, em relação à democracia. 

Pouco lhes importa o aumento contínuo das desigualdades, em consequência do seu projecto de redistribuição das riquezas baseado na acumulação por desapossamento, espoliação e esbulho das classes populares e boa parte das classes médias, reencaminhando essas riquezas da base para o topo da hierarquia social. 

Para o conseguir, instauram e impõem a financeirização da economia, a extensão da concorrência a praticamente todos os domínios da vida em sociedade - através da desregulação, das privatizações, do desmantelamento do Estado social, dos cortes brutais nos salários, pensões e prestações sociais de todo o tipo, e das políticas fiscais dos Estados que a plutocracia passou a controlar. 

Ao invés do que alguns ingenuamente supõem, o neoliberalismo não pretende suprimir o Estado. Pretende, isso sim, reconfigurar e reorientar as suas acções, tornando-o um instrumento privilegiado da defesa e da dominação do capital, intervindo continuamente para criar um ambiente institucional e um clima favoráveis ao lucro. 

Aos neoliberais não interessa o enriquecimento da colectividade, interessa apenas o enriquecimento de alguns. O neoliberalismo não é uma doutrina do bem comum, serve apenas os interesses de uma classe que hoje é dominante, e cujos privilégios foram restaurados a partir da contra-revolução iniciada na década de 1980. 

Como explica com clareza o geógrafo e antropólogo David Harvey, no seu livro "A Brief History of Neoliberalism" (Oxford University Press, 2005): "Menos que uma filosofia política (o pensamento porventura utópico de Hayek e dos seus discípulos), a neoliberalização deve ser analisada como a realização pragmática de um projecto político que visa restaurar o poder das elites económicas. Elites essas que viveram os anos 70 com angústia face à expansão dos movimentos sociais, e sobretudo face ao decréscimo dos rendimentos do capital." 

Os políticos e tecnocratas defensores da via neoliberal ocupam hoje posições que lhes permitem exercer uma influência considerável, tanto nas universidades e grupos de reflexão, como nos órgãos de comunicação social, nos conselhos de administração das empresas e das instituições financeiras. E quer em órgãos de Estado cruciais, como os ministérios das Finanças e os bancos centrais, quer em instituições internacionais, como o FMI, o Banco Mundial e a OMC, incumbidas de regular a finança e o comércio à escala mundial. E também, quer na Comissão Europeia quer no Banco Central Europeu, aliados fidelíssimos do Fundo Monetário Internacional. 

Perante este breve quadro explicativo da realidade actual, não será difícil perceber que Portugal é, sobretudo desde há três anos, um exemplo flagrante de aplicação, incontida e incontinente, das políticas neoliberais que empobrecem o país e milhões de cidadãos, e que apenas enriquecem algumas centenas de plutocratas. 

Valha-nos a incontinência verbal de alguns políticos, como o Presidente da República, Cavaco Silva, e uma vice- -presidente do PPD, Teresa Leal Coelho, que dizem ingenuamente em voz alta aquilo que os verdadeiros corifeus do poder político, visivelmente incomodados, não se atrevem sequer a dizer em voz baixa... 

OE2014. Tribunal Constitucional recusou esclarecer dúvidas do governo




O Tribunal Constitucional considerou que não existem ambiguidades ou obscuridades na decisão relativa ao Orçamento do Estado para 2014

O Tribunal Constitucional considerou que não existem ambiguidades ou obscuridades na decisão relativa ao Orçamento do Estado para 2014 e decidiu que não lhe cabe esclarecer as "dúvidas de ordem prática" suscitadas pela Assembleia da República, a pedido do Governo. 

"Os esclarecimentos que o requerente pretende obter não derivam de qualquer vício ou deficiência que seja imputável ao acórdão, mas resultam de dúvidas de ordem prática que respeitam ao cumprimento do julgado", lê-se no acórdão 468/2014, publicado hoje na página do TC. 

Nas conclusões, o TC assinalou que "não cabe ao Tribunal Constitucional esclarecer outros órgãos de soberania sobre os termos em que estes devem exercer as suas competências no plano administrativo ou legislativo". 

Lusa, em jornal i

"O Grupo Espírito Santo está para o BES como a SLN estava para o BPN"



Carlos Diogo Santos - jornal i

A eurodeputada Ana Gomes disse ontem que o BES recusou o financiamento da troika para "não ter de abrir as contas do banco à supervisão do Estado". BE defende que Salgado não tem idoneidade

A eurodeputada socialista Ana Gomes comparou ontem o Banco Espírito Santo (BES) ao BPN, afirmando que ambos são ou foram instrumentos de actividade criminosa. Ana Gomes disse ainda, em declarações à Antena 1, que "ninguém, chame-se Salgado ou Espírito Santo, pode ser demasiado Santo para ir preso". 

A reacção surge dias após ter sido tornado público que o antigo contabilista da Espírito Santo International (ESI) Francisco Machado da Cruz acusou o presidente executivo do BES, Ricardo Salgado, de ter autorizado a manipulação das contas daquela holding. Na prática, foi ocultado um passivo de 1,3 mil milhões de euros. 

A razão de ser do sistema A eurodeputada do PS fez um ataque violento a Ricardo Salgado aos microfones da Antena 1. "Estas revelações recentes sobre o Grupo Espírito Santo" (GES) "confirmam que a fraude e a criminalidade financeira não são a excepção. Eram e são a razão de ser do sistema de economia de casino em que continuamos a viver. Estas revelações confirmaram também o que toda a gente sabia: que o banqueiro Salgado não queria o financiamento do Estado para não ter de abrir as contas do banco e do grupo à supervisão do Estado", afirmou a ex-diplomata. 

Para a Ana Gomes, o Estado está "na mão de governantes tão atreitos a recorrer ao GES/BES para contratos ruinosos. Das PPP ao sobreiros, dos swaps aos submarinos e outros contratos de defesa corruptos. À conta de tudo isso e de mecenato suficiente para capturar políticos, Ricardo Salgado conseguiu o cognome de DDT - o Dono de Tudo Isto. E conseguiu paralisar as tentativas de investigação judicial sobre os casos submarinos, Furacão, Monte Branco e até recorrer às amnistias fiscais oferecidas pelo governo", concluiu.

O i noticiou ontem que o facto de a ESI estar a ser investigada no Luxemburgo não impede o Ministério Público de abrir um inquérito em Portugal para investigar a ocultação de parte do passivo desta holding de controlo do GES. 

Tal como o i noticiou em 2013, Ricardo Salgado foi obrigado a rectificar a sua declaração de IRS em 8,5 milhões de euros - valor recebido em Angola -, 11 dias antes de ir depor no inquérito do Monte Branco.

A eurodeputada lembra que perante tudo isto os reguladores, o Banco de Portugal (BdP) e a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, nem pestanejaram. Só "a mudança das regras e dos rácios bancários que foram determinados por pressão e co-decisão do Parlamento Europeu obrigaram o BdP a ter mesmo de ir analisar as contas do GES. A contragosto, claro, e com muito jeitinho", criticou a socialista. 

BE reafirma falta de idoneidade de Salgado Pedro Filipe Soares, líder parlamentar do Bloco de Esquerda, reafirmou ao i o que já tinha reafirmado a Carlos Costa, governador do Banco de Portugal, na última audição no parlamento ocorrida no final de Maio: "Ricardo Salgado não tem idoneidade para continuar à frente do BES." Uma crítica que ainda teve eco no regulador do sector bancário. 

Contactados igualmente pelo i, os restantes partidos parlamentares recusaram comentar o caso BES e as declarações de Machado da Cruz. 

ONDA LIBERAL A CRESCER



Carvalho da Silva – Jornal de Notícias, opinião

É uma praga! Qualquer político nacional ou europeu no poder aproveita todas as oportunidades discursivas e a definição de medidas políticas para apresentar a receita milagrosa com que pretensamente se resolve a "crise" em que o país e a União Europeia (UE) estão mergulhados: as reformas estruturais. Em nome dessas "indispensáveis" reformas estruturais é desestruturado o modelo social europeu - assumido durante décadas como a vantagem distintiva da UE perante o Mundo - as disponibilidades financeiras são canalizadas para setores especulativos e rentistas e não para investimento em atividades de produção de bens e serviços úteis e necessários ao desenvolvimento da sociedade.

Que reformas são essas que criam pobreza, que aprofundam injustiças e desigualdades, que secam as atividades culturais, que devoram direitos no trabalho e cilindram o direito do trabalho, que querem estigmatizar os emigrantes, que colocam em causa a soberania dos povos e a independência dos estados?

Estas reformas tratam os cidadãos como peças de uma engrenagem capazes de aguentar tudo - "ai aguentam, aguentam" - e atribuem aos mercados características e sentimentos humanos. Ao Estado, absolutamente capturado pelo poder financeiro e pelos grandes interesses económicos, é atribuído o papel de cobrador implacável de impostos a quem trabalha, e de canalizador desses recursos para os interesses privados desses poderes. Ao mesmo tempo, a sociedade é convidada a aplaudir todas as medidas apresentadas como adelgaçantes, como eliminadoras de gorduras: criou-se um ideal anorético de sociedade para o povo no que à dignidade, aos direitos universais e aos recursos materiais diz respeito. O comum dos cidadãos é convidado a desresponsabilizar-se pela coisa pública, a odiar a política, a deixar de sonhar com projetos de futuro, ou com uma vida minimamente estável depois de décadas de trabalho, de cumprimento de obrigações fiscais e de pagamento das contribuições para a Segurança Social.

As reformas estruturais são os instrumentos com que sacam aos povos os seus meios materiais e até a própria vida, para alimentar o animal insaciável que tanto dá pelo nome de "mercados", como de capitalismo neoliberal.

Como denunciou, no início do mês, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), entre 2007 e 2012, a pobreza infantil aumentou em 19 dos 28 países da UE, em resultado das chamadas políticas de austeridade, havendo em 2012 mais 800 mil crianças pobres. Hoje, infelizmente, serão bem mais. Foi também agora na Conferência Anual da OIT que se chamou a atenção para o facto de cerca de 40% da força do trabalho a nível mundial estar na economia informal, sem direito a trabalho digno. Isto numa sociedade onde os meios tecnológicos e comunicações disponíveis facilmente podiam ser utilizados para eliminar as fraudes e manipulações financeiras, fiscais e económicas.

Nada disto incomoda os que de forma ignóbil se apoderam da riqueza e os governantes de serviço, gente sem um pingo de vergonha, despudoradamente oportunistas e charlatães, perigosamente incultos e ambiciosos.

Para eles, umas cantinas sociais, uns patéticos apelos a sacrifícios redentores, um paleio vazio sobre empreendedorismo e capacidade criativa, é o quanto basta para construir a esperança e o futuro.

Em Portugal arrepia observar a destruição da escola, em curso, articulada com políticas que escorraçam os jovens do país, que despovoam e esvaziam grande parte do território. Na saúde, pelas limitações profundas a que está a ser submetido o Serviço Nacional de Saúde, a regressão é brutal, mas os negócios privados no setor continuam a florescer. Quando o dinheiro compra a vida, significa que está a ser ultrapassada a última barreira entre a barbárie e a civilização.

A tudo isto assiste o presidente da República, que se limita a convidar os partidos do centrão de interesse a instituírem-se como nova união nacional.

À esquerda há que tocar a reunir e a avançar, sob pena de termos um rápido e perigoso avanço da extrema-direita (e do fascismo em diversas formas), mesmo que com a direita a governar debaixo da tese de que é para "evitar mal maior".

Noruega proibiu mendicidade e quer expulsar pedintes




O Governo norueguês debateu, esta segunda-feira, medidas para proibir a mendicidade no país. A lei, apoiada pela maioria, deverá entrar em vigor já na próxima sexta-feira. Os que oferecerem resistência serão obrigados a pagar multas ou a cumprir três meses de prisão.

O ministro da Justiça, Anders Anundsen, defendeu a existência de uma ligação entre os mendigos e o aumento de crimes, particularmente os carteiristas. Segundo as autoridades, Oslo tem tantos roubos de carteiristas como Berlim, apesar de ter uma população sete vezes menor. A medida é contestada por muitos que acreditam que terá os efeitos contrários aos desejados. "Se os mendigos forem proibidos de pedir esmola, a criminalidade aumentará", diz Arild Knutsen, presidente de uma associação de toxicodependentes.As autoridades locais poderão começar a expulsar os mendigos já a partir de sexta-feira. Aqueles que oferecerem resistência serão obrigados a pagar multas ou a cumprir três meses de prisão. A proibição de mendigos em lugares públicos afetará especialmente os cidadãos romenos. De acordo com o Ministério da Justiça, dos 194 mendigos contabilizados em 2012 na cidade de Oslo, apenas sete eram noruegueses. Do total, 69 tinham antecedentes criminais no país.

Jornal de Notícias

Foto STOYAN NENOV/REUTERS

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FELIPE VI, O IMPOSTO. CONHO!



Bocas do Inferno

Mário Motta, Lisboa

Depois de tantos escândalos que envolvem corrupção, atitudes de escândalo e atropelos à transparência que deve existir sempre - ainda mais num estado de direito - Juan Carlos abdica a favor de seu filho. Como um smoking que lhe deixa de servir ou que não convém vestir o rei entrega ao filho o povo e o país. É isso a monarquia e ainda mais em Espanha. Juan Carlos, o herdeiro do ditador Franco, considerou por bem sair do trono e dar posse a seu filho como rei. E depois dizem que isto é democracia. Será, mas do faz de conta. Lembra aquele faz de conta da miudagem quando brincava aos médicos (de faz de conta) com o fito de ver o pipi da menina para "a tratar" e se possível ainda mais…

Espanha vai mudar de rei como quem muda de camisa. Realizar um referendo para constatar da vontade dos plebeus nem pensar. Ai que medo. Minha santa monarquia. Mas os republicanos querem um referendo e vislumbram que quando acontecer, se acontecer, a monarquia vai sair de rastos pela direita baixa do palco das aberrações e dos contos de fadas, de ogres e bobos da corte.

Felipe VI. O novo reizinho. O medroso. E talvez merdoso. “Proibidas manifestações em Madrid durante proclamação de Felipe VI”. Consta nos jornais. A mostra da imposição da monarquia “democrática” espanhola aí está.

Da proclamação vêm os ecos: “Seis partidos espanhóis com representação parlamentar estarão ausentes da proclamação de Felipe VI como rei de Espanha na quinta-feira, numa cerimónia que decorrerá numa sessão conjunta das Cortes Gerais espanholas.” Mas que “democracia” tão exemplar. Rei imposto, com medo da consulta popular. 

Dizem mais de Espanha: "Os povos não se herdam nem são um móvel que passa de pai para filho", disse na altura do debate no Congresso um deputado da esquerda republicana. Numa verdadeira democracia assim seria.

Espanha, ditatorialmente, vai ter um novo paspalho no trono, um rei. Filipe VI, o Imposto. Conho!

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