Paula
Cosme Pinto – Expresso, opinião
Eu
diria que hoje em dia mesmo quem tem fé começa, pouco a pouco, a questioná-la,
daí Fátima já não fazer parte deste título. No que me diz respeito, a minha
está por um fio. Em grande parte por imagens como a que fotografei mentalmente em pleno Chiado , na
semana passada. No mesmo passeio onde caminhavam turistas sorridentes e toda
uma multidão de gente com sacos de compras nos saldos, uma senhora com idade
para ser minha avó dormia nas pedras da calçada.
Imagens
destas passaram, infelizmente, a fazer parte do dia-a-dia de muitos de nós. E é
com a indiferença de quem vive a correr e sabe que "a vida é mesmo
assim" que raramente paramos para olhar e pensar. Aquela senhora não pedia
"dinheiro para a ressaca" nem "trocos para o vinho" como os
sem-abrigo que mais abaixo faziam rir os transeuntes. Aquela senhora permanecia
inerte, deitada no chão, com a pele gasta pela vida. Até podia estar morta.
Lembrei-me, por exemplo, que vi na Índia tantas pessoas como ela, cujos corpos
acabavam recolhidos pela polícia ao fim de alguns dias. Mas desta vez estava em plena Lisboa. E ,
igualmente, ninguém parava sequer para olhar para aquela pessoa no chão.
Tive
a certeza de que a senhora não estava morta quando um homem da mesma idade e
pele igualmente curtida pelo frio e pelo sol a abanou. Ela abriu os olhos e
sentou-se. De dentro de uma mochila toda rota ele sacou de um saco de pão de
forma, de meio pacote de bolachas e de uma garrafa com um resto de
refrigerante. Ela abriu o saco que tinha ao seu lado e vi outros restos de comida.
Guardou o que ele lhe trouxe e suspirou. Ele fez-lhe uma festa na cabeça e
virou costas rumo a nova busca. Ela deitou-se e ali ficou. Como quem já
desistiu de tudo.
Os
números da pobreza
Esta
é a realidade de muita gente, mais do que gostamos de acreditar. As
estatísticas do Eurostat, divulgadas no final do ano passado, revelaram que o
risco de pobreza ou exclusão social em Portugal afetava 27,4% da população e
estava acima da média da UE. Quase um terço das nossas crianças vivia em
agregados com privações severas. E, para este ano, a Organização Internacional
do Trabalho prevê uma taxa de desemprego de 13,1% para Portugal. Embora em
queda desde 2013, esta percentagem continua a ser demasiado alta.
Haja
CR7 para animar a malta e fado da moda para afogar as mágoas. Muitos de nós já
nem sequer paramos para ver as estatísticas da crise que saem frequentemente na
imprensa. Tal como fazemos com aquele casal de mendigos no Chiado. Que
provavelmente não conhecem os números oficiais da tragédia em que vivem, mas
que sabem certamente de cor o significado da palavra pobreza.
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