Sílvia
Caneco – jornal i
Três
empresas deviam dinheiro à ESI, a empresa responsável pela queda do Grupo
Espírito Santo, no fim de 2013. As três eram controladas por cinco membros do
clã
A
Espírito Santo International (ESI), a empresa do Grupo Espírito Santo (GES) que
se tornou conhecida devido ao buraco (passivo oculto) de 1300 milhões de euros
nas suas contas, tinha a receber, a 31 de Dezembro de 2013, 468 636 euros de
três empresas accionistas. As três sociedades em causa eram quase
exclusivamente controladas por cinco membros da família Espírito Santo que
eram, simultaneamente, os membros de topo do Conselho Superior do GES. Ou seja,
parte da dívida da empresa mais endividada do GES – a dívida chegava aos 6,3
mil milhões de euros no final de 2013 –, derivava de empréstimos concedidos às
empresas que eram directamente controladas pelos cinco membros do clã.
Foi
pela Espírito Santo International que começou precisamente o descalabro que
conduziu à queda do GES. As suspeitas de manipulação de contas e outras
“irregularidades materialmente relevantes” só seriam tornadas públicas em Maio
de 2014, mas os números já estavam na posse do Banco de Portugal desde o Outono
de 2013. O relatório completo sobre a contabilidade da empresa com sede no
Luxemburgo, a cargo da auditora KPMG, viria a ser terminado em Abril de 2014.
A
relatório da KPMG dedicou um capítulo à explicação dos financiamentos
concedidos pela ESI aos seus accionistas. Os quadros não deixam margem para
dúvidas: só três accionistas deviam dinheiro àquela empresa do GES – a Espírito
Santo Control, a Control Development e a ESAT. Só cerca de 12% da Espírito
Santo Control, holding de controlo do GES, estava nas mãos de accionistas que
não pertenciam à família Espírito Santo.
Sobre
a Control Development e a ESAT (Espírito Santo António Totta) poucas
informações existem. As empresas não constam do organograma do grupo. De acordo
com informações recolhidas pelo i, os únicos accionistas da Control Development
seriam os cinco membros de topo da família que eram, respectivamente, os cinco
maiores accionistas do GES: Ricardo Salgado, Maria do Carmo Moniz Galvão,
António Ricciardi, José Manuel Espírito Santo Silva e Mário Mosqueira do Amaral
(que morreu em Março de 2014). A ESAT, constituída num momento em que era
preciso “arrumar” as acções de António Champalimaud no banco Totta, estava
dentro da Control Development. Ambas, no início de 2014, e de acordo com
informações que Salgado transmitiu à família, estavam com uma situação líquida
negativa. Ou seja, mesmo que as empresas vendessem todos os seus activos não
teriam capacidade para liquidar todas as suas dívidas.
A
Espírito Santo Control liderava a lista das dívidas à ESI: a holding de topo do
GES tinha créditos a saldar no valor de 292.202 milhões de euros. Situação que,
por si só, constituiria uma irregularidade no Luxemburgo: a holding de topo não
poderia estar a ser financiada pela sociedade que estava imediatamente abaixo
no esquema de cascata. Numa visão mais simples, a filha não poderia financiar a
mãe. A Control Development Ltd. devia, no último dia de 2013, 54.494 milhões à
ESI e a ESAT S.A. devia 121.940 milhões de euros.
O
relatório não esclarece a que título estas dívidas foram contraídas. Os
auditores da KPMG salientam apenas que teriam sido informados de que “estava
planeado para o primeiro trimestre de 2014 um aumento de capital na ES Control
com vista à regularização parcial” daquele saldo mas, à data da conclusão do
relatório, esses saldos não tinham sido regularizados. O aumento de capital da
E.S.Control, que estava nos planos delineados entre o GES e o Banco de
Portugal, viria a ser um fiasco: a equipa liderada por Ricardo Salgado prometia
um aumento de capital de 100 milhões de euros, mas aquele não passaria dos 30
milhões (21 milhões seriam subscritos pela própria família Espírito Santo).
Em
Março de 2014, pouco tinha mudado: as três empresas accionistas da ESI deviam,
em conjunto, 467.744 milhões de euros à holding que desembocava num braço
financeiro e noutro não financeiro do GES. Estas dívidas, ao que o i averiguou,
nunca terão sido saldadas. Ricardo Salgado não respondeu às perguntas enviadas
pelo i.
O
que se disse Durante as reuniões do Conselho Superior do GES que ficaram
gravadas, entre Novembro de 2013 e Julho de 2014, e a que o i teve acesso em
primeira mão, há um momento em que Ricardo Salgado sugere haver membros da
família que devem dinheiro ao grupo – não esclarecendo, porém, a que empresa(s)
e a que título. José Manuel Espírito Santo acaba por chegar-se à frente e
assumir ser um dos devedores, mas não explica porquê. E há ainda outro momento em que Ricardo Abecassis
Espírito Santo, líder do BES Investimento no Brasil, desabafa ter-se já antes
endividado para participar num aumento de capital no grupo.
Nesses
encontros do órgão que juntava os cinco principais ramos da família em
discussões sobre o futuro do grupo, há apenas uma referência à Control
Development e à ESAT. Num momento em que precisava de convencer a família a
participar num aumento de capital da Espírito Santo Control, Salgado pediu a
José Castella, o tesoureiro do GES que exercia funções de secretariado naquelas
reuniões, para distribuir papéis que evidenciavam o descalabro da E.S. Control
e logo de seguida afirmou: “A Espírito Santo Control tem aí a sua situação
reflectida no balanço. E depois temos duas sociedades que historicamente
estavam relacionadas com o controlo dos cinco apenas.”
A
Control Development, lembrou o então presidente do BES, tinha sido usada para
recomprar as acções do empresário Pedro Queiroz Pereira e na operação de compra
das acções de Patrick Monteiro de Barros. Dado o volume das dívidas, Salgado
tinha uma recomendação a fazer: “É mandatório que se faça um aumento de capital
da Espírito Santo Control porque, se vamos fazer a consolidação disto tudo, os
patrimónios líquidos são negativos.”
O
primo José Maria Ricciardi, líder do BES Investimento que não tinha qualquer
posição de accionista ou de administrador naquelas empresas, não estava
esclarecido e exigiu mais explicações. Ricardo Salgado continuou: “A situação
ainda é mais grave porque nós no passado éramos financiados pelo Banque Privée
[na Suíça], mas o Banque Privée cancelou as operações fiduciárias e o
financiamento da Control passou a ser feito pela ESI. A ESI, em vez de estar a
resolver os seus problemas e dificuldades, está a financiar o grupo, e isso
dentro do Luxemburgo é considerada uma situação irregular.”
O
descalabro da ESI Diagnóstico da ESI, em Dezembro de 2013: 6,338 milhões
de euros de dívida. 4.745 milhões de dívida colocada nas mãos dos clientes da
Espírito Santo Financial Group. E 1300 milhões de euros de passivo que não
foram inscritos nas contas desde 2008.
Ricardo
Salgado aproveitou uma entrevista ao “Jornal de Negócios” para responsabilizar
Francisco Machado da Cruz, contabilista da ESI no Luxemburgo, pela maquilhagem
das contas da holding. Mas o comissaire aux comptes viria a apresentar outra
versão: disse que respondia a ordens directas de Ricardo Salgado e que só
assumiu o buraco de 1300 milhões de euros para defender os interesses do GES.
Mais
tarde, no Parlamento, e de acordo com uma notícia do “Expresso”, Machado da
Cruz viria a revelar aos deputados, numa audição à porta fechada, que o
ex-presidente do BES o terá aconselhado a fugir e a esconder-se num país que
não tivesse acordo de extradição com Portugal.
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