Polícia
volta a provar subserviência ao regime na marcha de repúdio ao assassinato de
Gilles Cistac
Emildo Sambo – Verdade (mz)
Consumou-se
o que já era esperado. A marcha pacífi ca de repúdio ao assassinato do
constitucionalista Gilles Cistac não foi absolutamente livre, direito que a
Constituição reserva aos cidadãos. A Unidade de Intervenção Rápida (UIR), uma
força de elite e anti-motim conhecida pela sua subserviência ao partido no
poder, opressiva e abusiva, formou uma “muralha” na perpendicular entre a Rua
Samuel D. Nkumbula e a Avenida Kenneth Kaunda e impediu, no sábado (07), a
continuação da caminhada por pretensa falta de autorização para o efeito,
depois da Faculdade de Direito, da qual o malogrado era docente.
A
liberdade da sociedade civil, dos políticos, dos estudantes da Faculdade de
Direito da Universidade Eduardo Mondlane (UEM) e de cidadãos anónimos, que
naquele dia se fizeram pacificamente à rua para dizer “basta aos assassinatos
sumários” cujos autores continuam no segredo dos deuses, foi coarctada
supostamente por ausência de um procedimento burocrático endereçado ao município
de Maputo com o conhecimento da Polícia.
A
UIR, outrora Força de Intervenção Rápida (FIR), e que surge no âmbito da
revisão da lei que cria a Polícia da República de Moçambique (PRM), aprovada
pelo Parlamento, em 2013, apenas com votos da Frelimo, estava fortemente
armada, espalhou as suas viaturas pela Avenida Kenneth Kaunda e ficou em
prontidão combativa. Alguns cidadãos disseram que uma Polícia que se pretende
que esteja ao serviço da sociedade, quando age desta forma, dá sinais claros de
adulação total a quem lhe remunera com os impostos provenientes do sacrifício
do povo.
Todavia,
a Constituição da República, artigo 51, estabelece que “todos os cidadãos têm
direito à liberdade de reunião e manifestação nos termos da lei” e demais
dispositivos determinam que “não carece de qualquer autorização” quando não
perturba a ordem e tranquilidade públicas, ao contrário do que as autoridades
têm alegado para justificar a sua prepotência na altura de atirar o gás
lacrimogéneo, as balas de borracha e, na pior das hipóteses, verdadeiras contra
cidadãos indefesos e desarmados quando protestam contra as várias arbitrariedades.
O
Professor Gilles Cistac sucumbiu no leio do Hospital Central de Maputo (HCM), a
03 de Março corrente, e não se pôde despedir da sua filha. Porém, esta, apesar
de inconsolável, reuniu forças, agarrou num cartaz com a imagem do seu pai, cuja
mensagem era “não me calo”, e juntou-se a centenas de cidadãos para exigir a
justiça. Do local onde o académico foi selvaticamente metralhado por gente
ainda a monte, os marchantes percorreram as avenidas Mártires da Machava – onde
houve uma paragem para homenagear Carlos Cardoso, também cobardemente morto à
queima- -roupa – Mao Tse Tung e Kim Il Sung.
Para
além de dísticos com os dizeres: “eu sou Cistac, os tiros não matam a
liberdade, o que valem as ideias sem homens para pô-las em prática, queremos
viver sem medo, exigimos justiça, em Moçambique não existe liberdade, queremos
liberdade”, questionavam quem será a próxima vítima dos assassinos, que segundo
a opinião pública agem por encomenda. E gritava-se vigorosamente: “nenhum
cidadão deve ser julgado à margem da lei, viva a liberdade de expressão e
academia, calou-se uma voz, levantaram-se milhares, o povo unido jamais será
vencido”.
Defronte
da Faculdade de Direito, a sociedade civil separou- se dos discípulos de
Cistac. Enquanto estes procuravam entre eles descrever o seu mestre e delinear
formas de imortalizar a sua obra, Alice Mabota, presidente da Liga dos Direitos
Humanos (LDH), e a multidão que a seguia eram travados pela UIR, à qual os
manifestantes dirigiram palavras ofensivas e de revolta por terem sido
impedidos de prosseguir a marcha para além daquelas instalações. Ao contrário
do que tem sido hábito, felizmente não houve disparos nem violência física.
Alice
Mabota instou o grupo por ela “arrastado” para que que não se aborrecesse
devido ao que classificou de “atitude arrogante do presidente do município
[David Simango]”, que mandou impedir a continuação da marcha. “Ele segue aquilo
que lhe manda fazer. Porém, “a liberdade vai triunfar, tal como o colonialismo hibernou
500 anos e foi derrotado. A morte de Cistac, além do seu carácter bárbaro, é
uma expressão de nudez moral dos seus mandantes e executores (...)”.
Segundo
a activista dos direitos humanos, bastante conhecida pela sua frontalidade, o
povo está agastado com o facto de haver gente que morre sem que os culpados
sejam identificados, o que abre espaço para que se pense que se trata de
assassinatos ligados a políticos. “Os tiros não matam a liberdade, o povo
sente-se ultrajado e esta atitude é o retrocesso da ciência. (...) Aqueles que
se acobardam não estão a lutar e não seguem os ideias de Gilles Cistac”.
Salomão
Muchanga, presidente do Parlamento Juvenil, disse que o conjunto de ideias
liberais e os direitos garantidos aos cidadãos, à luz da Constituição, “sofreu
um duro golpe” e “vivemos um momento muito difícil. A liberdade é o cérebro das
sociedades que se pretendem democráticas (...)”.
De
acordo com ele, a marcha foi um “repúdio firme à humilhação e à expurgação da
liberdade. Gilles Cistac foi vítima da armadilha do caos num ciclo vicioso de
estupidez voluntária e consciente, cuja peregrinação pode estar a iniciar a
marcha”.
Actos
radicais e decadentes, tais como o assassinato de Cistac, “podem sofrer, nos
próximos tempos, um revés histórico. (...) Estamos disponíveis a consentir
sacrifícios, privações e sofrimento para defender a liberdade e a segurança. A
marcha é um esforço sincero para que o Estado não cesse a sua personalidade
moral. As eliminações sumárias são contraditórias à paz. Temos uma herança
desprezível, contrária aos valores da moçambicanidade. Se a Justiça não for
feita nos próximos tempos, as próximas marchas não terminarão aqui (...)”.
Salomão
Muchanga apelou à Polícia e à Procuradoria-Geral da República (PGR) para que “a
sua inércia habitual seja transformada, urgentemente, em justiça célere ao
serviço dos moçambicanos”.
*Título
PG
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