Jorge Heitor*
A
notícia mais importante da Guiné-Bissau, nestas últimas seis semanas, foi a de
que assinou 16 acordos de cooperação com o reino de Marrocos, em sectores tão
diversos como a segurança, os negócios estrangeiros, as pescas, a agricultura,
a energia e a protecção social.
Bissau
também desenvolveu ou reatou ultimamente laços com Angola e com a China, mas o
mais notável foi a espectacular visita ali efectuada pelo rei Mohammed VI, ao
qual o Presidente José Mário Vaz cedeu o Palácio da República, tendo-se ele mudado
durante alguns dias para a Casa de Pedra, uma residência de hóspedes.
O
mais natural, como normalmente acontece em qualquer país, é que o visitante
ficasse numa residência de convidados, mas a Guiné-Bissau pretendeu demonstrar
ao mais alto nível o quanto está grata ao reino de Marrocos, pelo apoio
recebido durante a luta pela independência de Angola, com quem as relações
tinham esfriado aquando do golpe de estado de Abril de 2012, mas acima de tudo
alinha de corpo e alma com a campanha que Mohammed VI está a desenvolver para
fazer sentir a sua influência pela costa abaixo, do Sara Ocidental, à
Mauritânia, ao Senegal e às Guines.
Deixarão
de existir vistos para os passaportes diplomáticos e de serviço, quando
marroquinos e guineenses se visitam, tendo ficado no ar a promessa de fortes
investimentos, desde que a paz e a estabilidade persistam no país agora
dirigido por José Mário Vaz e pelo primeiro-ministro Domingos Simões Pereira.
Por
outro lado, o soberano também deu à sua viagem um carácter de proselitismo
religioso, oferecendo muitos milhares de exemplares do Alcorão, para serem
distribuídos pelas mesquitas, de modo a preservar o papel que o Islão tem por
aquelas bandas, onde o Cristianismo é minoritário.
Enquanto
isto, numa entrevista ao jornal PÚBLICO, o representante das Nações Unidas em
Bissau, Miguel Trovoada, antigo Presidente de São Tomé e Príncipe, destacava
que realmente os guineenses nunca poderão ir muito longe se não tiverem meios.
Meios esses que Marrocos agora coloca à sua disposição, como recompensa por
terem deixado de reconhecer a República Árabe Saraui Democrática (RASD),
unilateralmente proclamada pela Frente Polisário.
Trovoada
considerou positivos os resultados da mesa redonda que no mês de Março se
efectuou em Bruxelas e que prometeu mil milhões de euros para a salvação da
Guiné-Bissau, desde que esta consiga acabar com a instabilidade que desde há
décadas a caracteriza.
As
reformas estão a começar, o país parece calmo, mas ainda não se verifica um
normal funcionamento dos serviços de água e de electricidade; talvez de acordo
com o velho ditado de que Roma e Pavia não se fizeram num dia.
Se
as instituições funcionarem devidamente e souberem aproveitar a boa vontade de
Marrocos, de Angola, da China, de Portugal, de Cabo Verde, do Brasil e de
outros, talvez se consiga confirmar a esperança de que não irão voltar os dias
tenebrosos de há três anos, quando os guineenses ficaram reféns de pessoas como
o general António Indjai.
Ninguém
fala hoje em dia da iminência de um novo golpe militar, mas há que diminuir
drasticamente o número de efectivos das Forças Armadas, pagar boas pensões aos
desmobilizados e garantir a qualidade de vida nos quartéis, de modo a que, a
prazo, não regressem os velhos fantasmas.
O
ano de 2015 está a ser de facto bom para a população da Guiné-Bissau, mas os
próximos só serão tão bons ou melhores se acaso Presidente da República,
Governo, deputados, tribunais e Estado-Maior General das Forças Armadas
souberem estar perfeitamente à altura das circunstâncias, trabalhando em
conjunto para o bem colectivo, sem desfalecimentos.
Nesse
esforço conjunto das instituições haverá que contar com os apoios tanto da CPLP
como da CEDEAO, da China e, claro, do reino de Marrocos. Todos não serão demais
para ajudar quem tanto precisa. E, por isso, os diferentes parceiros deverão
complementar-se, sem nunca, de modo algo, entrar em qualquer espécie de
competição entre si, para ver quem é que mais auxilia e... mais influencia.
*Jorge
Heitor, que na adolescência tirou um Curso de Estudos Ultramarinos, trabalhou
durante 25 anos em agência noticiosa e depois 21 no jornal PÚBLICO, tendo
passado alguns períodos da sua vida em Moçambique, na Guiné-Bissau e em Angola. Também fez
reportagens em Cabo Verde ,
em São Tomé e
Príncipe, na África do Sul, na Zâmbia, na Nigéria e em Marrocos. Actualmente é colaborador
da revista comboniana Além-Mare da revista moçambicana Prestígio.
África
Monitor
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