terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

O ULTIMATO À GRÉCIA E JÁ NADA SERÁ COMO DANTES



Francisco Louçã – Público, opinião

Uma reunião relâmpago do Eurogrupo e um ultimato: a Grécia tem quatro dias para repor o programa de austeridade que foi recusado pelas urnas.

Deste modo, nestes dias vertiginosos, três traços ficam claros. Primeiro, todo o aparelho político europeu se uniu contra a Grécia: na conferência de imprensa que apresentou o ultimato juntaram-se, simbólica e excepcionalmente, dois socialistas, Moscovici e Dijsselbloem, e duas figuras da direita europeia, Lagarde e Tusk. A Grécia está isolada, todos os governos de direita e de centro querem a sua punição e só tem o apoio de quem recusa a destruição (o Financial Times dá conta da carta de 32 personalidades insistindo na mudança da posição do Estado português).

Segundo, a União Europeia não admite nenhuma alternativa à austeridade. A escolha é esta: ou a Grécia continua as privatizações e a compressão salarial ou é expulsa, não se sabe como ou com que legitimidade, mas fica de fora. A Europa é a austeridade. É uma prisão.

Terceiro, o governo alemão está disposto a tudo, mesmo a uma grotesca arrogância que pouca gente acharia plausível. Ao dizer hoje que “sinto muito pelos gregos, que elegeram um governo que se porta de forma irresponsável”, Schauble ultrapassou uma barreira de agressividade e impunidade que terá consequências. A Alemanha passou a ser isto.

Assim, ninguém – o Eurogrupo, o governo alemão, os outros governos – deixou qualquer dúvida: ou a Grécia se verga ou sai do euro. A Grécia nem teria o direito de divulgar a proposta que lhe foi feita, acrescentam as autoridades europeias, e se o fez, é uma “provocação”, persiste o Eurogrupo, porque nenhum governo pode dar a conhecer este segredo.

Do outro lado, o governo grego usou todas as armas que a democracia pode gerar. Obteve um mandato eleitoral claro. Procurou o apoio da opinião pública em todos os países. Conduziu uma disputa política que nunca ninguém tinha visto na Europa. Destapou a face de uma Alemanha imperialmente exibicionista. Usou o seu recurso mais importante: propôs negociações prudentes, esperando que o adversário não usasse a arma de destruição massiva. Mas encontrou um muro de “intimidação” (Tsipras) ou de imitação de “tortura” no estilo da CIA (Varoufakis) e, em todo o caso, a condição do ultimato: ou continua a austeridade ou rua.

As autoridades europeias colocaram-se por isso numa posição em que não admitem nada senão a cedência. Assim, o que se vai passar nos próximos dias, salvo mudança miraculosa, parece estar escrito. Pode haver ou não nova reunião do Eurogrupo, mas, segundo as autoridades europeias, a condição preliminar é que a Grécia reponha a política de Samaras e do PASOK. A partir daí, não havendo acordo, começa a contagem decrescente para o “Armagedeão”, nos termos de Varoufakis, e será o BCE o instrumento da cólera desta divindade: no dia em que cortar o crédito de liquidez aos bancos gregos, a Grécia tem de emitir moeda para salvar o país. E esse dia poderá vir em breve. A Grécia pode então reagir de muitas formas. Pode convocar uma sessão extraordinária do parlamento, pode pedir a opinião da população e organizar um referendo. Mas terá poucos horas para responder ao ataque, porque terá sido expulsa do euro, pela força ilegítima de um ultimato, seguido de uma retaliação.

As consequências de um desfecho deste tipo são imensas e voltarei ao tema em breve. Em todo o caso, não será menos do que mudar a vida da esquerda, que será forçada a reconhecer que nesta Europa o destino é a austeridade. E mostrar, o que também não é pouca coisa, que na União não se respeitam regras nem leis nem tratados, a Alemanha manda e é tudo.

O ultimato à Grécia é o culminar do desastre da austeridade. Mas é também o início de tempos muitos mais perigosos.

NÃO HÁ TEMPO PARA JOGOS NA EUROPA - Yanis Varoufakis escreve no New York Times



Yanis Varoufakis*

Atenas - Escrevo este artigo à margem de uma negociação crucial com os credores do meu país — uma negociação cujo resultado poderá marcar uma geração, e tornar-se mesmo um ponto de viragem quanto aos efeitos da experiência da Europa com a união monetária.

Teóricos dos jogos analisam negociações como se elas fossem jogos de divisão de bolos em que participam jogadores egoístas. Por ter, na minha vida anterior, na qualidade de académico, estudado durante muitos anos a Teoria dos Jogos, alguns comentadores precipitaram-se a concluir que, na qualidade de ministro das Finanças grego, estava a conceber bluffs, estratagemas e outras opções, tentando obter uma posição de vantagem apesar de dispor de um jogo fraco.

Nada podia estar mais longe da verdade.

Quando muito, o meu passado de Teoria dos Jogos convenceu-me de que seria uma completa loucura pensar nas actuais deliberações entre a Grécia e os nossos parceiros como um jogo de regateio a ser ganho ou perdido através de bluffs e subterfúgios tácticos.

O problema da Teoria dos Jogos, como eu costumava contar aos meus alunos, é o de assumir como dado adquirido os motivos dos jogadores. No poker ou no blackjack, esta premissa não é problemática. Contudo, nas actuais deliberações entre os nossos parceiros europeus e o novo governo grego, aquilo que se pretende no fim de contas é forjar novos motivos. Criar uma nova mentalidade que transcenda divisões nacionais, dilua a distinção credor-devedor em prol de uma perspectiva pan-europeia e que ponha o bem comum europeu acima da mesquinhez política, dogma nocivo se generalizado, e da mentalidade nós-contra-eles.

Como ministro das Finanças de uma pequena nação, com enormes restrições orçamentais, sem um banco central próprio e vista por muitos dos nossos parceiros como devedor problemático, estou convencido de que temos uma única opção: afastar qualquer tentação de tratar este momento decisivo como um ensaio estratégico e, em vez disso, apresentar honestamente os factos da economia social grega, apresentar as nossas propostas para que a Grécia volte a crescer, explicando os motivos pelos quais elas são do interesse da Europa, e revelar as linhas vermelhas que a lógica e o dever nos impedem de ultrapassar.

A grande diferença entre este governo grego e o anterior tem duas vertentes: estamos determinados a combater interesses para dar um novo impulso à Grécia e conquistar a confiança dos nossos parceiros e estamos determinados a não ser tratados como uma colónia da dívida que deve sofrer aquilo que for necessário. O princípio da maior austeridade para a economia mais deprimida seria pitoresco, se não causasse tanto sofrimento desnecessário.

Frequentemente, perguntam-me: e se a única forma de assegurar financiamento for ultrapassar as linhas vermelhas que estabeleceu e aceitar medidas que considera serem parte do problema e não da solução? Fiel ao princípio de que não tenho direito a fazer bluff, a minha resposta é: as linhas vermelhas não serão ultrapassadas. De outra forma, não seriam verdadeiramente vermelhas, seriam um mero bluff.

E se tudo isto trouxer muito sofrimento ao seu povo? Perguntam-me. Está, certamente, a fazer bluff.

O problema desta linha argumentativa é o de partir do princípio, de acordo com a Teoria dos Jogos, de que vivemos numa tirania de consequências. Que não há circunstâncias nas quais devemos fazer o que é correcto, não como estratégia, mas por ser… correcto.

Contra este cinismo, o novo governo grego irá inovar. Iremos cessar, independentemente das consequências, acordos que são errados para a Grécia e errados para a Europa. O jogo do “adiar e fingir”, que começou depois de o serviço da dívida pública grega não poder ter sido cumprido em 2010, vai acabar. Acabaram-se os empréstimos – pelo menos, até termos um plano credível de crescimento da economia para pagar esses empréstimos, ajudar a classe média a recuperar e resolver as terríveis crises humanitárias.  Acabaram-se os programas de “reforma” que se dirigem aos pobres pensionistas e a farmácias familiares e mantém intocável a corrupção em grande escala.

O nosso governo não está a pedir aos nossos parceiros uma solução para pagar as dívidas. Estamos a pedir alguns meses de estabilidade financeira que nos permita criar reformas que uma extensa camada da população grega possa assumir e apoiar, para podermos voltar a ter crescimento e acabar com a nossa falta de capacidade de pagar as nossas dívidas.

Pode pensar-se que esta retirada da Teoria dos Jogos é motivada por uma qualquer agenda de esquerda radical. Nem por isso. Aqui, a maior influência é Imannuel Kant, o filósofo alemão que nos ensinou que a saída racional e livre do império da conveniência é fazer aquilo que é correcto.

Como sabemos que a nossa modesta agenda política, afinal de contas a nossa linha vermelha, em termos kantianos, é a correcta? Sabemos, olhando nos olhos dos esfomeados nas ruas ou contemplando a pressão sobre a nossa classe média, ou considerando os interesses dos diligentes trabalhadores de cada aldeia, vila e cidade na nossa união monetária. No fim de contas, a Europa só recuperará a sua alma quando recuperar a confiança das pessoas, pondo os interesses delas na linha da frente.

*Yanis Varoufakis é o ministro das Finanças da Grécia. Publicado no New York Times

Em Aventar

EXISTE PLANO B PARA A GRÉCIA? “NÃO”, APENAS O “PLANO A”, diz Bruxelas



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João Francisco Guerreiro, em Bruxelas – Jornal de Notícias

A Comissão Europeia negou, esta terça-feira, a existência de um plano alternativo, para desbloquear o impasse em que a solução para a Grécia se encontra, depois de um novo fracasso nas negociações. O principal porta-voz de Jean-Claude Juncker afirma que o plano que existe é o mesmo de sempre: "um acordo".

"O plano A da comissão é para que haja um acordo a 19. É o único plano que temos em cima da mesa", afirmou o porta-voz Margaritis Schinas.

Após o fracasso das negociações, na reunião de ontem, o ministro grego das Finanças queixou-se de uma troca de documentos e de lhe terem pedido para assinar um documento que não era o mesmo que lhe foi apresentado no início e que Varoufakis tinha considerado "formidável" como proposta.

O documento a que Yanis Varoufakis se refere é uma proposta apresentada pelo comissário europeu para o Assuntos Económicos e Monetária, que assume o papel de "mediador honesto", nas negociações entre Atenas e o eurogrupo. O documento foi divulgado na conta de Twitter do editor de economia do Channel 4, Paul Mason.

Já esta terça-feira, o porta-voz de Juncker considerou aquele documento se tratou apenas de "uma ideia", apresentada pela Comissão enquanto "facilitador" de um acordo, tendo classificado como "normal" a existência de várias versões das "dezenas de rascunhos e esboços" que foram sendo produzidos e "esse processo não é estranho nem bizarro, em negociações deste tipo".

"Todos esses papéis, como se sabe, não resultaram num acordo formal. Tudo o que houve são esboços, rascunhos que tiveram uma evolução que continua em curso e que ainda não teve resultados", afirmou, acrescentando que "neste tipo de negociações é natural que haja varias versões dos documentos", afirmou.

O Eurogrupo e a Comissão Europeia continuam a aguardar que Atenas dê "o primeiro passo" que é "o pedido de extensão, com todas as flexibilidades e compromissos e, posteriormente, durante o debate poderemos decidir o que fazer com o conteúdo, no quadro desse compromissos e flexibilidades, que estão no contrato atual", reafirmou a porta-voz do comissário para os Assuntos Económicos e Monetários, Annika Breidthardt.

Durante a reunião, a zona euro apresentou um texto, a que o JN teve acesso, que já circula na net, no qual propunha que "as autoridades gregas" indicassem a sua "intenção para concluir com sucesso o programa" que termina no final do mês, prometendo "tentar" explorar "a flexibilidade existente no âmbito do atual programa". Mas, Varoufakis rasurou o documento, manifestando a sua discordância com aquele parágrafo.

O desacordo surgiu logo no primeiro parágrafo, no qual a zona euro pretendia fazer referência aos "notáveis esforços de ajustamento levados a cabo pela Grécia e pelos gregos, durante os últimos anos". Yanis Varoufakis rasurou o documento, colocando um ponto de interrogação sobre esta parte da declaração e escreveu sobre ela a palavra "falhanço", sublinhando-a.

Varoufakis revelou que "a verdadeira razão para o desacordo substancial" prende-se com a exigência do Eurogrupo para que o governo grego concorde com um programa que "tem de contestar", segundo o mandato que lhe foi conferido nas eleições.

Leia mais em Jornal de Notícias

O JOGO DA CORDA



Inês Cardoso – Jornal de Notícias, opinião

Publicado no dia em que ia jogar-se mais um round das negociações cruciais para o futuro da Grécia, o artigo de opinião do ministro Varoufakis, ontem, no "The New York Times", intitulava-se "Sem tempo para jogos na Europa". Mas o que saiu da reunião do Eurogrupo foi precisamente uma versão mais elaborada do tradicional jogo da corda: cada uma das partes continua a puxar sem ceder um milímetro, a ver qual a equipa que primeiro irá cair.

As declarações de ontem demonstram que o recurso à chantagem está a ganhar força. O Eurogrupo faz um ultimato e diz que apenas volta a sentar-se para negociar, sexta-feira, se a Grécia aceitar o prolongamento do resgate da troika. O ministro das Finanças grego contrapõe que os ultimatos nunca resultaram em nada de bom para a Europa, depois de se mostrar intransigente quanto aos termos "inaceitáveis" da proposta.

Percebe-se, pelo endurecimento do discurso de parte a parte, que haverá vários países dispostos a deixar cair a Grécia. Importa, no entanto, recordar que a questão não é simplesmente de financiamento. É difícil prever os efeitos de uma saída da Grécia da Zona Euro, num contexto que é já de instabilidade à partida. O desemprego elevado, o risco de deflação e as dificuldades em relançar a economia em diversos países europeus são fatores que obrigam a olhar para 2015 sem expectativas demasiado otimistas.

Junte-se à instabilidade económica o descontentamento social e a proliferação de fenómenos políticos que capitalizam, nas margens quer da Esquerda quer da Direita, o descontentamento das populações. Obtém-se um cozinhado polvilhado de ingredientes picantes, que tanto pode recolocar a Europa num novo patamar de diálogo e entreajuda, como representar, pelo contrário, a sua fragmentação.

O tempo não será de joguinhos, mas de tentativa equilibrada de diálogo. Porque, no jogo da corda, nem sempre há vitórias: acontece todos caírem com espalhafato no chão, sem que da medição de forças saia mais do que o reconhecimento da inutilidade da força.

*Sudiretora

“A violência policial é a face mais visível do racismo em Portugal” diz Flávio Almada




Global Voices - [Carla Fernandes para Rádio AfroLis] Quinta-feira, dia 5 de Fevereiro, foi um dia triste e chocante para muitos de nós mas, infelizmente, para os moradores da Cova da Moura foi mais um dia.

Nesta última semana, temos ouvido diversos relatos sobre violência policial na Cova da Moura, porque cinco jovens daquele bairro foram detidos quando se deslocaram à esquadra de Alfragide para saber informações sobre um habitante da Cova da Moura, que tinha sido preso nessa tarde. Na altura, a polícia acusou o jovem, inicialmente preso, de ter atacado os agentes com pedras e os cinco jovens de terem tentado "invadir" a esquadra.

Flávio Almada, ou Lbc, é membro da direcção do Moinho da Juventude, um projecto comunitário que existe há 30 anos na Cova da Moura e que recebeu o prémio de Direitos Humanos da Assembleia da República. Flávio descreve em entrevista à Radio AfroLis a sua versão do sucedido. 

A seguir, a transcrição. Abaixo, o áudio integral da entrevista.

Flávio Almada (LBC):

Lbc: Eu sou Flávio Almada, conhecido por Lbc, nome de artista, artivista. Também sou ativista social, sou formado em tradução e escrita criativa. Trabalho no Moinho da Juventude, sou membro da direcção do Moinho da juventude e técnico auxiliar de educação, e também sou técnico de intervenção comunitário no projeto Escolhas.

Rádio AfroLis (RA): Pela primeira vez, creio eu, tu estás muito nos media. E eu gostaria que tu explicasses porquê. O que é que aconteceu para que tu agora ficasses no foco dos media?

Lbc: No dia 5 [Fevereiro], eu fui praticamente torturado, brutalizado pela equipa de intervenção rápida da PSP. Por essa razão. Depois, acusaram-me, acusaram-nos de tentar invadir uma esquadra. Uma ideia que só passa pela cabeça de um maluco porque isso não faz sentado nenhum.

RA: Como é que vocês chegaram à esquadra, ou o que é que aconteceu para que a polícia tentasse brutalizar-vos ou vos tenha brutalizado?

Lbc: Não tentaram, brutalizaram mesmo. No dia, eu acordei de manhã, fiquei em casa, fiquei a ler, era para escrever mas fiquei a ler. Depois encontrei-me com um professor, que é do Brasil, e fiquei até ao meio dia e tal. Depois pensei que tinha uma reunião, confundi quinta-feira com sexta-feira, tenho reunião sempre à sexta-feira, à uma. Então, fui até ao local do meu trabalho. Só que depois, lembrei-me que ainda tinha uma hora e voltei para casa. De repente, estava em casa e alguém disse "aconteceu isto mais aquilo" mas eu nem levei em conta.

RA: O que é que é "isto mais aquilo"?

Lbc: Que alguém tinha sido agredido, só que eu fui para a frente (...)No entanto, dividimos o trabalho, uma pessoa vai acompanhá-la ao hospital, [Jailza] que é a minha colega de trabalho, e eu e o Celso, vamos ver o que aconteceu com a pessoa que foi detida. Porque, normalmente, nós sabemos o que acontece quando uma pessoa é detida aqui no bairro.

RA: O que é que acontece?

Lbc: Normalmente os jovens são brutalizados. Pode perguntar a qualquer pessoa aqui na comunidade que sabem! E também porque, sendo membro da direcção e colaborador do Moinho da Juventude, há um protocolo, que é o protocolo Polícia de Proximidade, entre o Moinho da Juventude e a PSP. Então, é normal haver uma deslocação à esquadra de Alfragide para tentar perceber o que se passa, porque faz parte do acordo. Nessa sequência de acontecimentos nós fomos.

RA: Nós quem? Quantas pessoas foram?

Lbc: Nós éramos cerca de seis. Então, nós fomos. Descemos, sem nada, sem preocupações.

RA: Sem preocupações porque é uma atividade de rotina, que vocês fazem constantemente.

Lbc: Sim, de trabalho. Eu já tinha acompanhado outros jovens, não só à esquadra de Alfragide, mas a outras esquadras, como a central da Damaia, já tinha ido também com um outro jovem que foi notificado a Alfragide. Já fiz esse tipo de trabalho várias vezes. Quando nós íamos a caminho, passámos por um agente que estava ao pé de uma paragem de autocarros, estava lá uma mota estacionada. Passámos por ele, e quando chegámos, nem entrámos na esquadra. Ficámos na varanda porque não nos deixaram entrar. Dissémos "Somos do Moinho da Juventude e queremos falar com o chefe, por causa de uma pessoa que está detida aqui". [Eles] disseram "Vocês não podem entrar!"

RA: E isso é normal?

Lbc: É uma atitude estranha porque, logo a primeira coisa, foram logo agressivos na conversa. E daí eram três que estavam na porta. Dois foram para dentro. Chamaram-nos, disseram "Malta venham cá!". E depois foi porrada. Foi porrada...

RA: Diretamente, sem dizer nada?

Lbc: Porrada e tiro. Porrada e tiro. Aquilo aconteceu tão rápido... Foi porrada e tiro. Durante muito tempo... Aquilo... praticamente foi... foi um inferno. Mas nós estamos aqui, de cabeça levantada. Estamos vivos, apesar de estarmos a ser acusados de uma coisa que ninguém, ninguém, principalmente quem vive neste bairro, pensa em fazer, porque sabe quais são as consequências.

RA: A questão da invasão da esquadra?

Lbc: Isso.. Quem vai invadir uma esquadra com uma agenda no bolso? E com uma pessoa (...) que sofreu um AVC, que tem uma tala na mão. E com outro jovem que estava vestido para jogar futebol. Não é a primeira vez que esse tipo de coisas acontece. Ainda hoje [10.02.15] tive o relato de uma pessoa, que disse que foi lá ver a situação da carta de condução dele e disse que ficou detido. E a irmã foi ver a situação dele e o que é que aconteceu? Ele estava algemado, tentaram sufocar a irmã, bateram na irmã (...) há vários casos de jovens que morreram e nem sequer houve uma condenação. Para nós, nós já conhecemos e isso acontece. Não sei qual é o espanto. Na sociedade portuguesa, nós também estamos dentro da sociedade portuguesa, muita gente não está acostumada a ver essas coisas, para essas pessoas, isso é um espanto. Mas isso são coisas que acontecem semanalmente, diariamente. Isso são coisas que acontecem por aqui.

Lbc: (...) Alguém tem que ser responsabilizado, as autoridades competentes têm que tomar uma atitude porque isso não pode continuar. Porque isso também afeta a nossa sanidade mental. Há pessoas que quando veem a polícia sentem medo. Sentem medo! Supostamente, se eu vejo algum agente, eu devo me sentir seguro, protegido. Mas aqui podem falar com os jovens, eles vão dizer o que sentem.

RA: Podes dizer como foi o tratamento que vocês receberam na esquadra?

Lbc: Aquilo foi desumano e sádico. Sádico, porque no meio de tudo isso havia prazer! Eles sentiam prazer em fazer aquilo. Eu não vou descrever muitas coisas porque isso choca-me. Eu não tenho motivos para ter vergonha. A minha cara está levantada. Eu não vou a lado nenhum. Não tenho nada a temer. A verdade está do nosso lado. Que fique bem claro, nós não fizemos nada, fomos brutalizados! Agora a questão é que, a sociedade tem que perceber que há uma coisa que assusta, que é a convicção, a certeza quando alguém diz que nós africanos temos de morrer! Se pudesse exterminava-nos! E outras coisas... que nós nos íamos juntar à lista do Kuku e do Angélico.

RA: Podes explicar quem são essas pessoas, porque muita gente pode não saber?

Lbc: O Angélico, pelo que eu sei, morreu num acidente de viação. O Kuku foi um jovem que foi morto, a catorze ou vinte centímetros de distância, pela polícia. Um miúdo de catorze anos... Ninguém foi punido. Passou-se normalmente, mas não é o único. Há o caso do Tony de Bela Vista, há o caso do Snake. Há vários casos, é só ir ver os processos nos tribunais. Quem não tiver preguiça vai lá ver... basicamente é isso. (...)

Lbc: (...) Às vezes há notícias que são fabricadas, há coisas que nem acontecem cá que aparecem nos meios de comunicação social que nós: "Como? Como é que isso aconteceu cá e ninguém sabe disso?". Então, é um trabalho de sensibilização, de tentar descriminalizar a comunidade, de também passar a mensagem do que, realmente, o bairro é. (...)

Lbc: (...)Toda a gente vai dizer... a comunicação social vai dizer "Mais um jovem delinquente da Cova da Moura", o que já tem um estigma, e a sociedade portuguesa vai dizer "Se calhar atacou a polícia." Não é isso que acontece. Há um incentivo para que se continue a praticar esse tipo de atitudes. Porque quando há impunidade, é um incentivo. Há um incentivo e isso tem que acabar. Nós somos pessoas.

Para quem acha que nós não somos pessoas: Nós somos pessoas. Nós somos contribuintes. Nós contribuímos tanto economicamente, como culturalmente, como intelectualmente nós contribuímos para a sociedade portuguesa e temos estado sempre a contribuir. Os nossos pais, assim como os outros... nunca gosto de usar a palavra os outros, para mim tudo é "nós"... [os nossos pais] trabalharam neste país, construíram este país, ainda trabalham neste país e automaticamente recebem esse tipo de tratamento...

Aqui a questão do racismo é profunda. Não é uma coisa do racismo moral, de mentalidades ignorantes, não. O racismo aqui é institucional, é estrutural. Toda a gente sabe disso. Quem está atento sabe. Por que é que quando a polícia violenta os jovens, vais falar com os jovens e dizes para apresentarem queixa, o que é que os jovens dizem? "Os tribunais nunca vão condenar ninguém. Não vai resolver nada." Há uma descrença. Por que é que há essa descrença? Porque nunca se fez nada.

E outro problema é que a violência policial é a face mais visível do racismo em Portugal. Vamos ver a questão do desemprego em massa, a questão das prisões, vamos ver as pessoas que estão com problemas mentais. Vamos ver a questão dos bairros que são demolidos e as pessoas são empurradas para sítios, onde a partir das oito e tal não há transportes. Vamos ver o perfil racial quando cinco jovens negros vão para Lisboa à noite o que é que sofrem. Vamos ver a questão das leis de imigração. Portugal tem continuidade colonial. Portugal nunca foi rever a sua história, porque não quer. Há uma memória seletiva neste país, há muita coisa fictícia aqui.

E não é agora que vêm com essa conversa do lusotropicalismo, "não há racismo em Portugal" (...) Esse é o maior problema, há a negação. A negação do racismo. Um dia li uma frase no facebook, que o novo racismo é a negação do racismo. E o racismo não tem só a ver com chamar-me "preto", é uma questão de poder. Eu posso ser um preconceituoso e ter muito preconceito e ter até raiva de uma pessoa branca, mas nunca vou ter o poder de fazer essa pessoa perder o emprego. Nunca vou ter o poder, vou dar um exemplo, de meter uma pessoa numa esquadra, torturar essa pessoa e ainda sair ilibado, nunca! O racismo tem a ver com a questão do poder. Não é a questão do "pretinho", isso não é nada. O racismo mata! É uma violência organizada, é uma violência de Estado. É só ver as comunidades como estão. A periferização da nossa comunidade, o que aconteceu em santa Filomena, mulheres idosas, mulheres com filhos, crianças sem casa, sem nada. Pessoas com nacionalidade a quem foi sugerido o abandono do país... Eles vão para onde? Eles nasceram cá, cresceram cá. Por isso, é que às vezes há jovens que dizem sou afro-português ou luso-africano, ou qualquer coisa parecida, isso é complicado... é muito complicado. 

Na passada quinta-feira realizou-se uma concentração em frente à Assembleia da República contra a violência policial. O protesto foi convocado pelos moradores do bairro mas não se restringiu apenas ao que aconteceu na Cova da Moura. "Foi uma concentração de toda a gente que se preocupa com a questão dos direitos humanos" disse Lbc na entrevista.

Em Diário Liberdade

CAVACO SILVA ENTRE OS CHEFES DE ESTADO MAIS GASTADORES DA EUROPA




Em Outubro de 2011 ficou provado que Cavaco gastava à grande os recursos dos portugueses.  Mais de três anos volvidos pouco ou nada mudou. Cavaco é um gastador… daquilo que é dos portugueses e conseguido com o esforço do seu trabalho. Ainda agora voam milhões e milhões para recuperar um palácio para alojar aquela excelência gastadora quando passar a ex-presidente. E nessas despesas não existem cortes. É tudo à farta. Quase 40 acessores(as) tem Cavaco em Belém. E para quê? Para ser o péssimo presidente da República que nos envergonha e descredibiliza a própria República. Com asnos tão dispendiosos nos poderes como não há-de Portugal estar na penúria? 

Que fique em memória futura. A seguir, a notícia do Dinheiro Vivo em referência. (MM / PG)

Os 16 milhões de euros anuais são um valor 163 vezes superior à presidência de Ramalho Eanes

A Presidência da República representa uma factura de 16 milhões de euros por ano, o que corresponde a um valor de 1,5 euros por cada português.

Este número sustenta 12 assessores e 24 consultores, além dos restantes elementos do séquito pessoal que assegura o financiamento da presidência da República, de acordo com o jornal i.

Cavaco Silva faz-se rodear de um regimento de quase 500 pessoas, fazendo com que os 300 elementos a trabalhar no Palácio de Buckingham, e os 200 que servem o rei Juan Carlos de Espanha pareçam insignificantes.

Os 16 milhões de euros anuais são um valor 163 vezes superior à presidência de Ramalho Eanes, gastando o chefe de Estado luso o dobro do rei de Espanha (8 milhões), mas ficando muito para trás quando comparado com Nicolas Sarkozy (112 milhões de euros) e pela rainha de Inglaterra, Isabel II (46,6 milhões de euros).

CAVACO E PASSOS. DOIS IMBECIS OU DOIS MENTIROSOS À SOLTA NO PODER POLÍTICO?




Já lá vão os momentos das declarações de Passos Coelho e de Cavaco Silva sobre a Grécia e o quanto “Portugal anda a pagar de ajudas à Grécia”, declarações que se provaram ser mentira ou imbecilidades saídas da boca para fora de dois imbecis que andam à solta nos poderes da República e do Governo de Portugal. Também já lá vai o dia, ontem, em que o Eurogrupo redobrou a dose de chantagem para com um Estado Membro, a Grécia. O que ficou destes dois acontecimentos é a realidade dos factos.

O Eurogrupo tem por composição mafiosos que primeiro dizem assim e depois assado, chantageando a Grécia e o seu governo – como poderá verificar mais em baixo em O ACORDO QUE A GRÉCIA IA ASSINAR, MAS FOI RETIRADO. Cavaco Silva e Passos Coelho, que demonstram encarnar esses mesmos mafiosos ao mentir aos portugueses sobre quanto Portugal tem ajudado a Grécia e a “fortuna” que já foi despendida pelos contribuintes portugueses, quase dando a entender que por causa dos gregos é que passamos fome e todo o tipo de privações que no quotidiano luso ocorrem e são notícia. Afinal, Cavaco e Passos são dois imbecis ou dois perigosos mentirosos à solta no poder político?

Encontremos a resposta à interrogação no artigo inserto no Jornal de Negócios sob a pena de Rui Peres Jorge. Ontem publicado e agora aqui em baixo reproduzido. (MM / PG)

Os gregos, os milhões de Cavaco e o esforço de Passos

Rui Peres Jorge – Negócios, ontem

Hoje em Bruxelas, o esforço deve concentrar-se em perceber como se poderão juntar as pontas da negociação. Do ponto de vista financeiro, há muitas contas possíveis. Mas no fim, o que contará será mesmo a vontade política. E a portuguesa não parece ser grande.

A propósito das negociações europeias com o novo governo grego, o Presidente da República veio falar nos "muitos milhões" que os contribuintes portugueses oferecem aos gregos. O primeiro-ministro, por seu turno, diz que Portugal foi o país que mais ajudou a Grécia em termos relativos. Uma e outra são declarações surpreendentes, não só considerando o momento sensível que as negociações atravessam, mas também à luz daquilo que são os números sobre o apoio português. Senão vejamos.

A Grécia recebeu até agora dos parceiros europeus qualquer coisa como 194 mil milhões de euros, com características muito diferentes. 52,9 mil milhões são empréstimos bilaterais, decididos antes da criação do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira, para os quais Portugal contribuiu com 1,1 mil milhões de euros (2% do total). Este dinheiro é remunerado à Euribor a três meses, adicionada de um "spread", o que supera o custo de financiamento do país no curto prazo. O dinheiro conta para a dívida pública nacional, mas é descontado para efeitos de medidas das regras europeias de dívida e défice.

Nesta frente Portugal não paga nada aos gregos, só não faz dinheiro com a Grécia. Além disso, participa de acordo com a chave de capital no BCE (com ligeiros ajustamentos), como a maioria dos restantes países pelo que não se distingue especialmente. Convém ainda lembrar que este dinheiro foi emprestado por solidariedade, mas também por interesse nacional como mandam as relações entre Estados: o objectivo frustrado era o de travar uma crise sistémica no euro e o contágio a Portugal.

Há depois os cerca de 142 mil milhões de euros emprestados à Grécia pelo FEEF (o mesmo que emprestou dinheiro a Portugal), que se financia no mercado (não pesa na dívida pública dos Estados-membros) e cobra à Grécia um ligeiro "spread" sobre os seus custos de financiamento. Neste caso, Portugal também não paga nada e a solidariedade nacional é ainda mais interessante de medir. É que por também ter sido resgatado, Portugal não participou nas garantias dadas pelos Estados-membros ao FEEF. Isto significa que eventuais perdas não teriam impacto em Portugal (nem na Grécia, Chipre e Irlanda). Colocar sobre si os holofotes da solidariedade para com a Grécia parece, por isso, inadequado.

Finalmente, há "os muitos milhões" dos lucros das obrigações gregas na posse do Banco de Portugal que Portugal transfere. Em causa estão compras de títulos pelos bancos centrais da Zona Euro para tentar conter a crise grega (de resto também compraram obrigações portuguesas). A particularidade no caso grego é que, dadas as dificuldades helénicas, os países da Zona Euro decidiram transferir para Atenas os lucros que fazem com esse investimento – o qual foi financiado a custo zero com dinheiro novo impresso pelo BCE. Devolver os lucros é uma ajuda, mas significa simplesmente deixar de ganhar com a desgraça alheia. (De acordo com a Conta Geral do Estado de 2013 e Orçamento de 2015 estão em causa qualquer coisa como 70 milhões de euros por ano).

Hoje em Bruxelas será um dia importante para as negociações entre as várias capitais europeias e Atenas. Depois da Grécia ter deixado cair a proposta de redução do valor nominal da sua dívida (o que para alguns observadores aconteceu cedo demais) para se concentrar em negociar um excedente orçamental primário inferior (1,5% contra os 4,5% previstos no programa de ajustamento), a distância entre as partes é agora relativamente pequena, pelo menos do ponto de vista financeiro.

O esforço neste momento deve ser o de tentar juntar as pontas sem implicar perdas para as várias capitais. E aí há muitas contas possíveis. Mas no fim, o que contará, será mesmo a vontade política. E a portuguesa, como já é comentado pela imprensa internacional, não parece ser grande.

Brasil: REFORMA POLÍTICA E CORRUPÇÃO




O custo total das campanhas da última eleição foi de 5 bilhões de reais. A consagração legal do financiamento privado consagrará o sistema de corrupção

Samuel Pinheiro Guimarães – Carta Maior

Há um clamor público, uma revolta de todas as classes da sociedade, contra as revelações de corrupção. 

Quando terá começado a corrupção? Quem são os culpados? É um fenômeno exclusivamente brasileiro ou do mundo subdesenvolvido ou humano em geral? A quem interessa? Ocorre apenas no setor público? Será uma característica inata da sociedade brasileira?  

Os incidentes de corrupção que a operação Lava Jato vêm desvendando e que vazam para a imprensa, sem provas e a conta gotas, por quem deveria preservar o sigilo das investigações e a reputação dos acusados (mas não culpados por que não foram julgados) estariam relacionados com o financiamento de campanhas eleitorais. 

O sistema de financiamento de campanhas eleitorais está vinculado à representação de interesses econômicos no Legislativo e no Executivo. O caso do Judiciário é um tema a parte, ainda que de grande interesse. 

O candidato Aécio Neves gastou em sua campanha eleitoral, de acordo com as declarações ao TSE, cerca de 201 milhões de reais. A candidata Dilma Rousseff gastou cerca de 318 milhões de reais. O custo total das campanhas para presidente, governador, senador e deputado foi de cinco bilhões de reais. 

De onde vieram esses recursos? Certamente (ou muito raramente) não vieram da fortuna pessoal dos candidatos, mas sim de doações, principal ou quase exclusivamente, de grandes empresas privadas. 

O custo das campanhas é em extremo elevado devido aos custos de produção e de veiculação de programas de televisão, das viagens que se fazem necessárias devido à extensão territorial do país, dos custos de material de propaganda e de sua distribuição. 

O objetivo dos que defendem o financiamento privado das campanhas eleitorais está vinculado à principal característica da sociedade brasileira que é a concentração de renda e de riqueza. 

A concentração de renda é, em geral, estimada a partir dos rendimentos do trabalho conforme declarados à Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada pelo IBGE. 

Os rendimentos do capital, isto é os lucros, os juros, os aluguéis, são subdeclarados na PNAD e a Secretaria da Receita Federal não publica esses dados de acordo com a sua distribuição por faixa da população, ainda que sem quebra de privacidade dos declarantes do Imposto de Renda. 

A estimativa é de que os rendimentos do trabalho correspondam a cerca de 48% da renda nacional. 

O salário mínimo é de 788 reais, o salário médio do trabalhador brasileiro é inferior a 2.300 reais por mês e 90% dos brasileiros ganham até cinco salários mínimos por mês. 

São 13,7 milhões de famílias que recebem o Bolsa Família. Isto significa que cerca de 50 milhões de brasileiros tem rendimento mensal inferior a 77 reais. Por outro lado, há, no Brasil, cerca de 46 bilionários e 10.300 multimilionários, estes com patrimônios pessoais superiores a 23 milhões de reais. 

Muitos são os mecanismos de concentração de renda e de riqueza. 

Entre esses mecanismos estão às taxas de juros, o sistema tributário, os créditos do Estado a empresas e o sistema de aluguéis. 

Quanto mais elevadas às taxas de juros “autorizadas” ou permitidas pelas autoridades monetárias maior a transferência de riqueza de devedores, que são a enorme maioria da população, para os credores privados, detentores do capital, e do Estado para os seus credores.  

O sistema tributário pode ser regressivo ou progressivo. O sistema se diz regressivo quando a maior parte dos impostos arrecadados provêm da maioria da população, sem distinção de seu nível de renda (imposto sobre o consumo, por exemplo) e se diz progressivo quando os indivíduos detentores de maior riqueza ou de mais alto nível de renda pagam mais impostos mesmo em proporção a sua riqueza ou renda. É fato que um sistema regressivo de tributação concentra renda e riqueza. As isenções de impostos, as restituições e as desonerações para empresas ou indivíduos  acentuam a concentração de renda. 

Os créditos fornecidos pelo Estado privilegiam em geral as maiores empresas e, portanto, seus proprietários que são os indivíduos mais ricos da sociedade. 

A leniência do Estado para com a evasão de tributos ou com seu não pagamento (por exemplo, pela não criminalização da evasão, pelo parcelamento e perdão das dívidas tributárias) também concentra renda e riqueza. São brasileiros os proprietários de 530 bilhões de dólares depositados em paraísos fiscais. 

A concentração de renda e de riqueza em mãos de uma ínfima minoria da população brasileira tem importantes efeitos sobre o sistema democrático e sobre os episódios de corrupção. 

Os indivíduos detentores de riqueza e renda tem interesse em preservar os mecanismos de concentração e interesse em que não surjam instrumentos legais (leis ou programas) que desconcentrem riqueza e renda. 

Ora, as normas (as leis) que definem a estrutura e o mecanismo de riqueza, propriedade e renda (legislação trabalhista, tributária, monetária, da propriedade rural e urbana, etc.) são elaboradas no Legislativo, eventualmente no Executivo e cada vez mais no Judiciário. 

Em um país de grande concentração de riqueza e renda, de elevado grau de urbanização, de grande penetração dos meios de comunicação, de sistema democrático e eleitoral relativamente livre de fraudes, seria natural que a enorme maioria da população (que é pobre ou no máximo remediada) elegesse a maioria dos representantes no Congresso, que deveriam ser como ela pobres e remediados e, portanto, legisladores dispostos a redistribuir a riqueza e a renda ou pelo menos a minorar os mecanismos de concentração. 

Não é isto o que ocorre. 

A ínfima minoria milionária e bilionária tem, assim, de procurar instrumentos para influir no processo político para evitar esse tipo de legislação e de ação redistributiva no Executivo. Essas, quando ocorrem, são taxadas de comunistas, socialistas, nacionalistas, e hoje em dia de bolivarianas. 

O primeiro e mais importante desses instrumentos é o financiamento privado (empresarial) das campanhas eleitorais. 

O segundo instrumento é o controle dos Partidos para que estes escolham como seus candidatos indivíduos que sejam favoráveis à sua visão (isto é, daquela minoria) da sociedade, ainda que não sejam eles mesmos, do ponto de vista pessoal, detentores de riqueza e renda elevadas. 

O terceiro instrumento é o controle dos meios de comunicação para convencer a população das deficiências do Estado, do caráter corrupto dos candidatos dos Partidos e das políticas populares (isto é, daqueles comprometidos com programas de reforma social que leva à desconcentração de riqueza e renda).  

O quarto instrumento é a campanha permanente dos meios de comunicação de desmoralização da atividade política, do Estado e dos políticos para manter a maioria do povo afastada da política. Uma das formas de manter o povo afastado da política seria a aprovação do voto facultativo como se este fosse apenas um direito e não um dever.  

A campanha pela reforma política deve se concentrar no tema central do financiamento empresarial das campanhas, que é a verdadeira fonte de corrupção e de controle oligárquico, não democrático, da sociedade por aqueles que concentram o poder econômico e controlam os meios de comunicação. 

Os representantes das forças conservadoras no Congresso Nacional já se empenham para votar o projeto que consagra o financiamento privado, isto é, empresarial, das campanhas eleitorais. 

A consagração legal do financiamento privado consagrará o sistema fundamental de corrupção do processo político que tem como objetivo impedir a desconcentração de riqueza e renda que torna o Brasil um dos países mais injustos do mundo.

Créditos da foto: CALI / Flickr

Brasil: GOVERNO OU DESGOVERNO?




Se o governo não destaca qual é seu projeto, quem irá afrontar a restauração neoliberal anexada ao programa econômico do impeachment?

Saul Leblon – Carta Maior, editorial

Quem vê de fora pode achar que o governo Dilma fez uma aposta arriscada na ressurreição da vida depois da eutanásia da alma.

Os adversários agem como se assim fosse e não demonstram propensão à indulgência diante da travessia penosa e incerta.

O agendamento conservador pauta a sociedade brasileira de alto a baixo nesse momento.

Eduardo Cunha, a lebre omnívora, fareja negócios, redesenha o cardápio institucional, oferece oportunidades. Antes cevado, agora regurgita. Abriu uma avenida monumental para os que perderam nas urnas mas cobiçam uma instância de decisão para chamar de sua.

Na frente principal, onde já se trava a guerra aberta do impeachment, o juiz Moro e a falange midiática encurralaram o PT e a Petrobras numa estreita garganta; ali secionam ou interligam veias ao sabor da conveniência. Dia sim, o outro também, anunciam transfusões de sangue contaminado.

Dá-se a isso o nome de faxina na vida nacional.

Essa é a hora do Brasil.

O país não amanhece nem dorme sem consultar os ponteiros manejados pelo petit enfant aleitado nas cercanias do consagrado governador tucano Beto Richa (leia nesta pág. ‘A pauta da rebelião curitibana’)

O bastão passado a Joaquim Levy na economia gerou igual dependência adversa ao deixar o Planalto e o PT reféns do êxito ou do fracasso ortodoxo.

Seja qual for o desfecho, o preço da delegação será o mesmo: alto.

Ainda que produza a desinflação perseguida, entregue a meta fiscal, reduza o poder de compra das famílias assalariadas e reverta o pleno emprego (esse é o alvo de Levy) , não há garantia de que o Brasil ingressará em um novo ciclo de investimento produtivo.

Falta combinar com as recidivas de uma crise internacional que escapam ao controle de cada nação.

A contração da demanda agregada das famílias, governos e empresas em boa parte das economias ricas, e um processo de deflação em marcha --que adia o consumo e adiciona incertezas ao investimento —   impulsionam agora a guerra cambial de todos contra todos.

A epidemia de taxas de juros negativas urbi et orbi – para evitar a valorização das moedas locais — é o sinal de que ainda há abismo a escavar.

No desencontro entre a capacidade da oferta e a anemia da demanda, paridades cambiais se esfarelam. Disputa-se quem vai sobrar na dança das cadeiras do comércio internacional.

Mesmo reduzindo o poder de compra do trabalho em dólar, o Brasil terá dificuldades para abrir um novo canal de expansão via exportações.

O ambiente externo é o oposto do vivido no primeiro governo Lula, favorecido então pelo apetite chinês, rebatido em um ciclo de alta nos preços das commodities exportadas pelo país.

Uma longa sístole de seis anos sem prazo para encerrar é o que mostra a radiografia do metabolismo econômico mundial.

O governo Dilma concluiu que a longa convalescença da crise esgotou a capacidade de resistência da diástole brasileira, mantida às custas de incentivos ao emprego e ao consumo, desde 2008.

Sérias e respeitabilíssimas cabeças pensantes do campo progressista questionam: a melhor maneira de contornar o pântano é embarcar no trem com destino ao abismo? (Leia o especial de Carta Maior sobre esse tema; nesta pág)

Dito em outras palavras, se o investimento privado está arisco, por que se animaria sob uma dinâmica que encarece o financiamento, comprime o crédito, inibe o consumo e contrai o investimento público?

Quanto de arrocho salarial e desemprego seria preciso para despertá-lo?

A aposta do governo depende de uma cirúrgica e fortuita intersecção de varáveis virtuosas: sua expectativa é a de que, feito o ajuste, e dê tudo certo, entre 2015 e 2016 a recuperação internacional passe encilhada como um corisco pela linha do Equador.

O Brasil então galoparia uma nova arrancada baseada nas exportações – agora não só de commodities, mas de uma manufatura dotada de renovada competitividade, por conta da desvalorização cambial em marcha.

Dar
a isso o nome de estelionato eleitoral não é tão simples quanto gostaria o colunismo isento.

Não se mede a coerência de um ciclo no varejo das horas.

Tampouco existe uma ‘ciência’ econômica, ou ferramental macroeconômico, que se possa carimbar preliminarmente como sendo de esquerda, de centro ou de direita.

Nunca é demais repetir: quem define a coerência macroeconômica de uma época é a correlação de forças do período  – e hoje essa matemática foi globalizada pela livre mobilidade dos capitais, que potencializou seu desafio.

Fugas walquirianas das manadas especulativas, explosão cambial, alta da inflação, seca das linhas internacionais às empresas, corrosão das reservas, demissões etc

Esse tem sido o saldo dos enfrentamentos solitários, que compreensivelmente vem cedendo lugar à busca de articulações internacionais para redesenhar a fronteira da soberania em nosso tempo.

Brics, Mercosul, Unasul incluem-se nesse assoalho em instalação.

Deslocar
os capitais do circuito da riqueza financeira para a da produção é, essencialmente, uma construção política.

Portanto, não basta anunciar metas e medidas para mover e direcionar a engrenagem econômica do desenvolvimento.

Para ter chance de vencer nesse tabuleiro os requisitos são mais complexos.

O grau de articulação geopolítica e de mobilização social determina o que negociar, como negociar e até onde negociar.

Essa é a alma da luta pelo desenvolvimento no século XXI.

É discutível que a alma ressuscite se a negociação com o mercado incluir a renúncia ao comando político do processo e a desmobilização de quem tem interesse efetivo no passo seguinte da história.

O economista Ianis Varoufakis, ministro das finanças da Grécia, mergulhado de corpo e alma num braço de ferro com a troica, proferiu recentemente uma frase lapidar:

‘Só tem algo a negociar quem está preparado para romper’.

Vale para Atenas. Mas também para Brasília.

A ilusão de que não é bem assim, explica, por exemplo, a renúncia histórica do PT, paga agora em libras de carne do próprio pescoço,  em  prover a democracia brasileira de um sistema de comunicação que franqueie à sociedade a discussão e o escrutínio do seu destino.

É assim que o ciclo político determina o ciclo econômico, num caminho invariavelmente marcado pelo conflito que opõe a democracia social à lógica  capitalista.

Imaginar o contrário, que é possível pegar carona em um centurião do dinheiro grosso e, a partir daí,  ‘sanar’  as inconsistências e esgotamentos de um ciclo de crescimento em direção a outro, é quase como acreditar na mão invisível dos mercados.

Essa tentação pode devorar o governo Dilma.

Não se trata de demonizar um freio de arrumação necessário e urgente.

Conter a escalada de gastos com importações de bens manufaturados, por exemplo, é crucial para impedir a sangria de empregos, renda e receita em direção aos clusters asiáticos.

Isso não se faz sem custos.

Enquadrá-los em uma negociação de prazos, compensações, salvaguardas e ganhos futuros é uma responsabilidade da agenda progressista.

Erguer pontes para pavimentar as condições de uma retomada do investimento privado, idem.

Supor fazê-lo ao largo de uma repactuação política que ordene os rumos dessa transição é mais que arriscado: pode ser o eclipse definitivo da alma, sem o benefício da ressurreição do corpo.

Esse risco de uma cavalgada em marcha ré projeta no governo recém reeleito a auréola de um poder crepuscular.

Faz mais que isso.

Joga o PT nas cordas de onde não consegue se erguer; quando o faz, não sabe para onde ir.

Torna o apelo às ruas um adereço ornamental; a falta de eco mais revela do que afronta a desorientação generalizada.

Dá à agenda progressista um rosto disforme no qual ninguém se enxerga, nem o próprio ministério  -- não há poder de iniciativa política sem identidade coesa.

Hoje o governo acorda para se informar sobre o revés do dia, não para fomentar a pauta da nação.

O conjunto elegeu Eduardo Cunha à presidência do Congresso e derrubou a aprovação à Presidenta de forma fulminante, depois de 54 milhões de votos e menos de 50 dias de governo.

Imaginar que a partir de agora poderá ser diferente, mantido tudo o mais constante, é assinar um contrato de novas e cada vez mais sérias derrotas.

A passividade desconcertante do Estado diante do cerco à Petrobras é um sinal de que esse tipo da doença, se não for atacado a tempo leva à catatonia e à inanição.

A orfandade a que estão sendo abandonados os trabalhadores nos canteiros de obras do pré-sal –esmagados entre o desemprego, a incerteza e atrasos salariais —  é um pequeno manual de como se constrói um ruptura entre um governo progressista e sua base histórica.

O risco agora é essa prostração se transformar em epidemia, desossando, em retribuição, os movimentos sociais.

Exagero?

Quem defenderia o governo hoje se o conservadorismo atravessar o sinal vermelho e vier para cima, a contrapelo do estado de direito?

As respostas devem ser enviadas ao Planalto, à Secom, ao PT, ao MTST, ao PSOL, ao MST , à CUT e demais protagonistas que ainda hesitam em sentar e conversar a sério sobre uma agenda comum para defender e ampliar os avanços e conquistas dos últimos anos.

Que fique claro: não se trata de convocar a retórica para calafetar buracos estratégicos.

Mas de cercar as circunstâncias com uma frente progressista capaz de liderar a repactuação do país com o crescimento e deste com um novo estirão de democracia social.

As recidivas da crise mundial desmentem que a resposta à Lava Jato seja a entrega do pré-sal e do país à proficiência dos livres mercados.

Nas mãos do livres mercados, na verdade, delega-se a economia e a sociedade ao planejamento dos cartéis e oligopólios, os mesmos que sugaram a Petrobras e planejaram o metrô de São Paulo no lugar dos governantes tucanos.

Sem afrontar os mitos conservadores, porém, fica difícil não sucumbir aos seus complementos.

O mais grave deles – consagrado no silêncio oficial —  é permitir que se instaure no imaginário brasileiro aquilo que o jogral conservador martela diuturnamente como verdade: a saúde dos mercados e a deriva da sociedade antes de serem contraditórios, constituem um requisito da estabilidade econômica em nosso tempo.

E para isso não há alternativa. Exceto o caos

Questionado em 1983, qual seria a diferença entre o seu governo e as mesmas medidas neoliberais tomadas por um governante da direita, consta que François Miterrand, líder socialista que dirigiu a França por 15 anos, teria respondido:

‘A diferença é que fazemos isso com dor no coração.’

O drama vivido pelo governo Dilma não é novo na história dos governos progressistas desafiados a administra o capitalismo ainda sem força para transformá-lo.

Mas ele prestaria inestimável serviço à democracia, ao país, ao desenvolvimento -- e  a si mesmo -- se compartilhasse esses limites com a sociedade. E, sobretudo, se a convocasse para a erguer as linhas de passagem capaz de superá-los.

Não é pouco.

Na verdade, pode ser muito.

Pode ser a diferença entre um governo ou o desgoverno.

Deputados timorenses reiteram defesa "intransigente" do português e do tétum




Díli, 17 fev (Lusa) - Deputados das principais bancadas do Parlamento Nacional de Timor-Leste reiteraram hoje a defesa "intransigente" do português e do tétum como opção política no país, vincando que isso tem que ser protegido no sistema de ensino timorense.

Os comentários foram feitos à Lusa depois do Parlamento Nacional timorense admitir para debate, na próxima semana, um texto de Apreciação Parlamentar para cessar a vigência de dois polémicos diplomas que colocam o português como língua principal apenas no 3º ciclo.

Os quase 20 deputados que assinam a Apreciação Parlamentar consideram que os dois diplomas do Governo - publicados no Jornal da República em janeiro - são inconstitucionais e "afetam negativamente o ensino da língua portuguesa em Timor-Leste".

No texto consideram que fazem "prevalecer o recurso às línguas maternas e ao tétum no ensino das disciplinas curriculares dos níveis de educação abrangidos pelo âmbito de aplicação material dos diplomas" referentes à educação pré-escolar e escolar.

André Noé (CNRT, o maior partido timorense) disse que os decretos "parecem contradizer alguns dos artigos da Constituição e da lei base" da educação, pelo que na próxima semana esperam ouvir "do Governo o porquê da aprovação" dos diplomas.

"A questão do português foi uma decisão política e está prevista na Constituição", disse à Lusa.

"Há duas (línguas) oficiais que têm que ser colocadas em paralelo e desenvolvidas para que a comunidade as possa utilizar adequadamente. Se não avançarmos mais rápido para ensinar a língua portuguesa, a comunidade deixa de a poder usar", disse.

Francisco Branco (Fretilin) disse à Lusa que o princípio de defesa das línguas oficiais foi vincado, ainda esta segunda-feira, nos discursos do Presidente da República, Taur Matan Ruak, e do novo primeiro-ministro, Rui Maria Araújo, durante a cerimónia de tomada de posse do VI Governo Constitucional.

"Recordo (...) a consonância da mensagem: que deve ser esta a nova tomada de posição do Estado, daqui para a frente, em defesa da implementação das duas línguas oficias", afirmou.

"Se necessário devemos utilizar a palavra de ordem utilizada na nossa resistência pela liberação nacional - pátria ou morte - na implementação da política das duas línguas oficiais neste país", disse, recordando que o chefe de Estado "apelou para que não haja vacilação dos políticos na implementação desta política".

Também Lurdes Bessa (PD) defendeu a cessação dos diplomatas porque "põe em risco" o ensino do português.

"Não fizemos esta decisão (das línguas) por capricho. Tem motivos fortes, históricos, sociais, como de identidade nacional. Por outro lado tudo o que está nestes dois decretos é contra a Constituição e contra a lei de bases da educação. Deixam-nos numa situação complicada", afirmou.

"Não investimos numa decisão que nos próprios tomámos. Como dizia aqui um deputado, andamos aqui aos ziguezagues. O que tem um impacto muito negativo na nossa identidade nacional, na decisão politica que tomámos e mesmo na aprendizagem, quer da língua portuguesa quer no desenvolvimento da língua tétum", disse ainda.

Questionada sobre quem deve ser responsabilizado por isto, Bessa recordou que são decretos do anterior Governo, que "não vale a pena atribuir culpas", mas que vincar a posição é "pertinente" quando acaba de tomar posse um novo Governo.

"Temos um ministro novo da Educação, que é do meu partido, e que é sensível a estes assuntos e terá sensibilidade suficiente para poder aceitar qualquer decisão que o parlamento tome sobre este assunto", disse.

"E saber, para o futuro, conduzir uma política muito mais correta e mais agressiva na implementação tanto da língua portuguesa como no desenvolvimento da língua tétum. É isso que a nossa Constituição diz e é isso que deveríamos já estar a fazer há vários anos", considerou.

ASP // FV

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