quinta-feira, 12 de março de 2015

Varoufakis. Marxista, filho de metalúrgico e blogueiro: conheça o ministro das Finanças da Grécia



Patrícia Dichtchekenian, São Paulo – Opera Mundi

Professor universitário e economista especializado em teoria dos jogos, Yanis Varoufakis tem carreira intelectual que vai muito além dos trajes informais  

O ministro das Finanças da Grécia, Yanis Varoufakis, ganhou os holofotes da imprensa mundial logo na primeira semana do partido de esquerda Syriza no poder. Em primeiro lugar, foi visto viajando na classe econômica de um voo regular para realizar sua rodada inicial de encontros com líderes europeus. O percurso que, em si, já rendeu manchetes em veículos internacionais, chegou ao clímax quando Varoufakis apareceu de jaqueta de couro e botas desgastadas para a reunião com o chanceler do Tesouro britânico, George Osborne.

O contraste com a figura austera de Osborne serviu para consolidar a imagem casual de Varoufakis como a metáfora do desejo do Syriza de revitalização. De fato, o armário do ministro grego carrega consigo um simbolismo que sai da questão estética e atinge a esfera econômica. E a mensagem é simples: a Grécia desafia os alicerces que sustentam a tradicional política econômica da União Europeia.

No entanto, não se trata de um mero ato rebeldia de guarda-roupa. Muito mais do que parecer diferente, Varoufakis pensa, sim, diferente.

Nascido em Atenas em 1961, o ministro grego se mudou para o Reino Unido no fim dos anos 80, onde obteve doutorado na Universidade de Essex em matemática e estatística. Sua experiência acadêmica é marcada por passagens em universidades como de Cambridge, Sydney, Texas, Glasgow e de Atenas. Além de um currículo de prestígio como professor universitário, Varoufakis é um proeminente especialista em teoria dos jogos e um “errante marxista”, como ele se define.


— ElenaTzouanacou (@elenacou) 1 fevereiro 2015

Embora sejam muitas vezes deixados de lado pela imprensa internacional, esses atributos intelectuais são visíveis nos artigos que escreve, nas entrevistas que concede, na palestra que realizou para o Ted (fundação que organiza conferências com personalidades) e até mesmo nas postagens frequentes que realiza em seu blog particular.

Varoufakis é um marxista confesso, influenciado pelo teórico alemão desde pequeno. “Quando sou solicitado a comentar sobre o mundo em que vivemos não tenho alternativa a não ser recorrer à tradição marxista que forma meu pensamento desde a infância, marcada pelo meu pai metalúrgico que mostrou os efeitos da inovação tecnológica sobre o processo histórico”, diz em artigo.

“Karl Marx
foi responsável pela definição da minha perspectiva de mundo”, sintetiza o ministro. “Essa perspectiva dialética com a qual Marx discerniu o potencial de mudança no que parecia ser o mais imutável das estruturas sociais me ajudou a compreender as grandes contradições da era capitalista”.

Além do pai metalúrgico, a experiência de crescer em uma Grécia sob a ditadura neofascista de George Papadopoulos entre 1967 e 1974 também influiu na carreira intelectual de Varoufakis. Com frequência, o ministro expõe o receio de que a fragmentação da União Europeia crie ambiente propício para o restabelecimento de um fascismo pós-moderno.

Para combater esses fantasmas do passado, Varoufakis tem sempre como ponto de partida o esgotamento do próprio modelo econômico europeu. Como fiel marxista, ele sabe que a transformação da sociedade é resultado direto do desenvolvimento econômico. Por isso, aproveita em suas entrevistas, artigos e postagens em blog para examinar as tendências do desenvolvimento histórico da Grécia e a produção de um diagnóstico pós-crise de 2008, marcado pela falência do atual modelo das instituições financeiras europeias.

“Deveríamos receber essa crise do capitalismo europeu como uma oportunidade para substituí-lo por um sistema melhor? Ou deveríamos estar preocupados em estabilizar novamente o capitalismo europeu? É menos provável que a crise dê à luz a uma alterativa ao capitalismo do que desencadeie forças perigosamente regressivas que têm a capacidade de provocar um derramamento de sangue humanitário ao extinguir a esperança de todos os movimentos progressistas para as próximas gerações”, conclui Varoufakis em artigo.

Na foto: Osborne e Varoufakis: ministro grego toma como ponto de partida o esgotamento do próprio modelo econômico europeu

DISPUTA SOBRE SEGUNDA GUERRA ACIRRA QUEDA DE BRAÇO BERLIM-ATENAS




Grécia eleva pressão sobre Alemanha e cobra indenização por crimes cometidos durante a ocupação nazista. Valor seria suficiente para cobrir atual dívida grega. Ministro ameaça até confiscar bens alemães.

Os danos em questão remontam há mais de 70 anos. Durante a ocupação nazista na Segunda Guerra, milhares de gregos foram mortos, a infraestrutura foi arrasada, e o banco central foi forçado a conceder empréstimos aos alemães.

A Alemanha nunca pagou indenizações para casos individuais. Apesar disso, para Berlim, o assunto está resolvido – legal e politicamente. "Não vamos ter qualquer tipo de negociação com os gregos sobre esse assunto", deixou claro Martin Jäger, porta-voz do Ministério alemão das Finanças.

O governo alemão sempre chamou a atenção para os 115 milhões de marcos pagos à Grécia, dentro de acordos assinados com diversos países europeus em 1960. Além disso, segundo Jäger, houve um "amplo sistema de diretrizes de indenização", que também beneficiou Atenas.

Mas, para a Grécia, o assunto está longe de ser esquecido. "Eles tentaram muitas vezes perante tribunais nacionais e internacionais. Até agora não tiveram nenhum sucesso", diz o jurista berlinense Ulrich Battis, especialista em direito público. "Mas eu não diria que eles não têm nenhuma chance."

No Acordo de Londres sobre a Dívida Alemã, assinado pela Alemanha Ocidental na década de 1950 com antigos adversários de guerra, decidiu-se que o cancelamento final das dívidas de guerra alemãs ficaria reservado a um acordo de paz.

No início dos anos 1990, explica Battis, o lado alemão recusou-se a assinar um acordo de paz. Em vez disso, ele foi chamado de Tratado Dois-Mais-Quatro – no qual as potências aliadas reconheciam a soberania alemã e eram acertadas as condições para a Reunificação. Daí resultou a posição alemã: "Como não existe acordo de paz, vocês não recebem dinheiro."

Indenizações equivalem à dívida pública

E, aparentemente, o primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, se referiu justamente a isso ao dizer perante o Parlamento em Atenas que os governos alemães teriam se esquivado das indenizações "com truques jurídicos".

"Não se pode descartar certa legitimidade das exigências", diz Battis, que rejeita, no entanto, a acusação de que a Alemanha se esquiva das reivindicações por meio de manobras jurídicas. "Todas as partes envolvidas assinaram. Nós não ditamos nada a ninguém."

Embora Tsipras não tenha mencionado quantia, o jornal grego To Vima noticiou no último domingo, citando um estudo classificado como ultrassecreto, que o total das exigências de indenizações por crimes de guerra – ou seja, não somente dos empréstimos compulsórios – chegaria a 300 bilhões de euros.

Coincidência ou não, essa quantia corresponde exatamente ao valor da dívida pública grega. Em outras palavras, se a Alemanha decidisse pagar as reivindicações na íntegra – o que não deve ser o caso – a Grécia poderia quitar de uma vez só todos os seus débitos.

Ameaça de confisco

Para impor suas reivindicações, o ministro da Justiça grego, Nicos Paraskevopoulos, acena até com o confisco de propriedades alemãs. Isso se aplicaria, por exemplo, ao Instituto Goethe ou ao Instituto Arqueológico Alemão. O porta-voz do governo em Berlim, Steffen Seibert, se recusou a fazer qualquer comentário.

O alemão Alexander Lambsdorff, eurodeputado pelo Partido Liberal Democrático (FDP), classificou a ideia de "ilegal" e criticou a Justiça grega por se "deixar levar por uma campanha política". Para ele, todas as dívidas estão pagas. "Em vez de lutar batalhas do passado, o novo governo grego deve, antes, assumir a luta pelo futuro."

Battis lembra que a ameaça do ministro Paraskevopoulos também não é nova. "Há alguns anos, um oficial de justiça fez a medição de todas as salas do Instituto Goethe em Atenas, a fim de realizar o confisco", recorda o jurista.

No entanto, de acordo com a legislação em vigor e com base em decisões jurídicas existentes, um confisco é proibido. Também naquela ocasião o oficial de justiça não executou a apreensão, porque a Grécia perdeu o processo.

Quanto às reivindicações provenientes dos empréstimos forçados do banco central aos nazistas, o governo grego possui em Annette Groth, deputada federal alemã pelo partido A Esquerda, uma defensora de seus interesses.

"O governo em Berlim deveria encontrar uma solução junto ao governo grego sobre como os 11 bilhões de euros podem ser amortizados", disse a deputada, em entrevista à agência de notícias Reuters.

A quantia de 11 bilhões de euros foi calculada pelo governo grego anterior, do democrata-cristão Antonis Samaras. Groth diz concordar com a proposta do ministro das Finanças da Grécia, Yanis Varoufakis, de que o dinheiro pode servir para criar um banco de desenvolvimento, segundo o modelo do Banco Alemão para a Reconstrução (KfW).

Christoph Hasselbach (ca) – Deutsche Welle

Leia mais em Deutsche Welle




ISLÂNDIA RETIRA CANDIDATURA DE ADESÃO À UNIÃO EUROPEIA




Governo eurocético do país cumpre promessa de campanha e anula candidatura de ingresso, mas reitera que deseja manter laços estreitos e de cooperação com a UE.

A Islândia anunciou, nesta quinta-feira (12/03), a retirada de sua candidatura de adesão à União Europeia (UE), confirmando, assim, promessa feita há dois anos pelo seu então novo governo, de viés eurocético.

O ministro do Exterior do país, Gunnar Bragi Sveinisson, disse em nota que o governo de centro-direita comunicou à atual presidência letã da UE e à Comissão Europeia sua decisão de anular a candidatura. "Os interesses da Islândia estão melhor representados fora da União Europeia", escreveu o ministro em seu site.

O pedido de adesão da Islândia havia sido feito em 2009, sob um governo de esquerda, quando o país foi gravemente afetado pela crise financeira mundial. A coroa islandesa perdeu quase a metade do seu valor. Na época, a adesão à zona do euro era uma perspectiva atraente.

Mas a polêmica questão das cotas de pesca era um dos principais obstáculos para a união ao bloco, embora o tema nunca tenha sido levantado nas negociações de adesão. A pesca representa uma parcela importante da economia islandesa. Além disso, pesquisas de opinião começaram a mostrar uma resistência crescente entre os islandeses em relação à adesão à UE.

Quando o Partido do Progresso, de centro, e o Partido da Independência, de direita, chegaram ao poder, em 2013, as negociações com Bruxelas foram suspensas. O governo, porém, havia mantido a promessa de, ao menos, realizar um referendo sobre a adesão.

Apesar da decisão desta quinta-feira, a Islândia afirmou que deseja manter "laços estreitos e de cooperação" com a UE. O país já integra o espaço de livre circulação, o chamado Acordo de Schengen, e também o Espaço Econômico Europeu (EEE).

PV/dpa/afp – Deutsche Welle

A DÚVIDA CONSERVADORA: SANGRAR O BRASIL ATÉ ONDE?




A elite sangrou a reforma agrária, sangrou a Vale do Rio Doce, sangrou o salário mínimo, sangrou a CPMF, agora promete travar as mandíbulas na jugular de Dilma.

Saul Leblon – Carta Maior, editorial

Os que hoje se avocam depuradores da nação entendem do riscado.

Eles sangraram Getúlio em 54; sangraram a reforma agrária em 1964; sangraram a Petrobras em 1997; sangraram a Vale do Rio Doce; sangraram o salário mínimo por décadas; sangraram o BNDES; sangraram a Lei de Remessa de Lucros; sangraram a CPMF em 2006; sangrariam Lula em 2005 (se ele não reagisse). Sangram até hoje a Constituição de 88 que, no capítulo das comunicações, por exemplo -- artigo 220, parágrafo 5º -- determina que os meios de informação não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio.

Agora prometem travar as mandíbulas na jugular da Presidenta Dilma Rousseff, envolvendo o Brasil em uma longa noite dos chupa-cabras.

‘Não quero que ela saia, quero sangrar a Dilma’.

A proclamação ‘cívica’ foi expressa didaticamente por um dos mais buliçosos soldados da ofensiva zumbi, o senador tucano Aloysio Nunes Ferreira, cujas credenciais no ramo da sucção podem ser conferidas com o amigo do peito, Paulo Preto.

Ex-Dersa, caixa 2 da campanha de Serra em 2010, ‘Paulo afro’, como corrigiu o então candidato, abduziu uma fatia do dízimo colhido  junto às empreiteiras do Rodoanel em caridade própria. Antes, adiantara R$ 300 mil para Aloysio quitar o apartamento, em cuja varanda a família Nunes Ferreira bateu panela contra o ‘governo corrupto’ do PT no último domingo.

‘Não é hora de afastar a Dilma, nem de pactuar’, reforçou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em um colóquio de cirurgiões especialistas em ‘agonizar uma nação’, realizado 24 horas após o ‘caçarolaço chique, no Instituto iFHC.

Lá estava também o indefectível Ilan Goldfajn, economista-chefe do banco Itaú, o mesmo que, junto com o Bradesco, sangrou o país em R$ 200 milhões em impostos, declarando lucros em paraísos fiscais em 2009

Prestativo, Goldfajn pontuou o plano com sugestões sobre o momento mais adequado para se transformar um sangramento em golpe hemorrágico.

Segundo o jornal Valor Econômico, o economista-banqueiro fez minuciosa exposição para demonstrar que a equação buscada pelo governo Dilma baseia-se em um tripé -- ajuste fiscal aperto monetário apoio político -- que não fecha.

Diante da dúvida de FHC sobre a pressão a ser exercida na jugular presidencial, Ilan palpitou: quando a escalada do desemprego e do endividamento das famílias atingir o ponto de fervura, aí sim, haverá lenha suficiente para uma fogueira hemorrágica.

A plateia de traje executivo e disposição carbonara, pelo que se depreende do relato do jornal, não parecia entender onde os cirurgiões queriam chegar: ‘Se não é pelo impeachment por que vamos sair à rua no dia 15?’, indagou uma moça de tailleur estilo ‘mercado financeiro’.

Ao final do colóquio, Aloysio Trezentinha esclareceria dúvidas.

Um governo petista sangrando em fogo brando, explicou, inviabiliza as chances do PT em 2018. ‘Já um país sob o comando do PMDB (com Dilma afastada por impeachment) e uma economia em frangalhos’, advertiu Trezentinha, ‘poderia devolver ao petismo liderado pelo ex-presidente Lula as chances eleitorais então’.

Busca-se, portanto, um corte com precisão suficiente para sangrar Dilma e ferir Lula de morte.

Por trás da metáfora cirúrgica, na verdade, há uma operação ainda mais complexa que atormenta os estrategistas conservadores e alimenta sua ambiguidade.

Trata-se, como admitiu FHC no mesmo colóquio, de substituir o bloco de governabilidade atual -- que se esfrangalhou, com a crise internacional -- por outro que sustente a restauração neoliberal no Brasil.

O pulo do gato consiste em usar as ruas para isso.

Sem se deixar atropelar por elas.

Ou seja, sem o risco de extravasar a transição para as mãos da turba, quando tudo pode acontecer e por isso não pode acontecer. Caso de uma reforma política para valer, por exemplo, capaz de extirpar o  peso do financiamento privado na democracia brasileira.

Eis o dilema dos bisturis a desenhar dúvidas no ar.

Sangrar o Brasil, paralisar a economia, aleijar o governo, levar o conjunto em coma induzido até 2018, sem que tudo vire uma hemorragia desatada e as elites percam o controle das variáveis em jogo?

O que se teme já aconteceu antes.

Na véspera do fatídico 24 de agosto de 1954, quando Vargas mudou a história do país com um único tiro, a animosidade contra o seu governo parecia disseminada e de forma irreversível.

A rejeição havia extravasado do núcleo emissor da elite para as ruas graças a uma bem orquestrada doutrinação midiática que reduzira a luta pelo desenvolvimento no seu governo a um enredo de incompetência, anacronismo e assalto sistêmico aos cofres públicos.

Dezenove dias antes do suicídio de Vargas, um obscuro atentado a Carlos Lacerda, envolvendo círculos próximos ao Presidente, fechara o cerco.

O tiro no pé de Lacerda na rua Toneleros acertou o coração do governo, servindo de espoleta ao ultimato definitivo das forças golpistas.

No dia 23 de agosto, rumores de que a cúpula das Forças Armadas levaria ao presidente uma carta renúncia vinham acompanhados de um sentimento de quase de alívio nas ruas: o sangramento que os interesses conservadores impunham a Vargas maltratava todo o país, paralisando a economia e a sociedade em uma espiral de crise, incerteza, decepção e fatalismo.

Cevado para a derrubada de Getúlio desde a sua posse, o Brasil agora parecia estar no ponto.

Ponto de saturação.

O governo que reordenara as bases do desenvolvimento com soberania e industrialização -- sem o que não existe desenvolvimento -, que criou o BNDES em 1952, a Petrobras em 1953, dobrou o salário mínimo em maio de 1954, fora massificado no imaginário social como um campo indiviso de corruptos, ineptos e criminosos.

O fim inevitável e humilhante contrastava com as vivas esperanças que haviam levado Vargas de volta ao poder, aos 67 anos de idade, carregado por esmagadora maioria de quatro milhões de votos, contra dois milhões dados ao candidato das elites, Brigadeiro Eduardo Gomes.

Foi então que o imprevisto se fez ouvir na madrugada de 24 de agosto de 1954 no Palácio do Catete, no Rio.

Com um gesto estudado, e uma carta testamento memorável, Vargas transformou seu sangramento em uma hemorragia de revolta aberta nas ruas.

A experiência da tragédia abalaria o cimento da resignação cotidiana: rompeu-se a blindagem.

Consternado com a notícia que ecoava pelas rádios, o povo perseguiu e escorraçou porta-vozes da oposição virulenta ao Presidente.

No Rio, a multidão foi precisa em eleger seu alvo: cercou e depredou a sede da rádio Globo que saiu do ar. A emissora do jovem udenista Roberto Marinho cumpria o mesmo papel de âncora do diretório midiático que hoje desempenha o Jornal Nacional da mesma cepa.

Carros de entrega do diário da família Marinho foram caçados, tombados e incendiados nas vias públicas. Prédios de outros jornais que haviam aderido ao ultimato pela renúncia conheceram a força da indignação popular.

Morto, Vargas conduziu a alça do próprio caixão até o futuro da história. E ali perpetuou uma influência ainda inexcedível no imaginário brasileiro.

O gesto desassombrado obrigaria o golpismo a adiar por uma década a chegada ao poder (depois de sangrar Jango, em 1964) e, mesmo assim, sem erradicar integralmente o legado de Vargas.

Não por acaso, ao ser eleito em 1994, o tucano Fernando Henrique Cardoso afirmou, em discurso ao Congresso: ‘(minha tarefa histórica) é eliminar um pedaço do nosso passado que ainda atravanca o presente e retarda o avanço da sociedade. Refiro-me ao legado da era Vargas, ao seu modelo de desenvolvimento autárquico e ao seu Estado intervencionista’.

Ontem, como hoje, para a inteligência tucana, o padrão de direitos sociais e trabalhistas esboçado por Vargas, ampliado na Carta de 1988 e praticado no ciclo petista é incompatível com o desenvolvimento no Brasil.

‘Isso encarece o custo do investimento privado’, afirmam; ‘o conjunto rebaixa a poupança do setor público, impulsiona o endividamento do Estado, pressiona a taxa de juros e impede o círculo virtuoso do investimento’.

Nenhuma palavra sobre justiça fiscal, por exemplo, capaz de reordenar o fluxo da riqueza para as demandas e o investimento da sociedade.

Do ponto de vista de quem acredita  que as conquistas dos últimos 12 anos devem ser corroídas – a exemplo das tarifas protecionistas da economia – para melhor credenciar o Brasil no ‘rating’ global, não importa o custo em termos de qualidade do emprego e da sociedade.

Dos escombros, assegura-se, brotará uma nova matriz de crescimento ‘mais leve, ágil e competitiva’, sem o  fardo de direitos legados por Vargas, pela Carta de 1988 e turbinados pelo ciclo do ’lulopetismo’.

É desse sangramento, na verdade, que tratam as cabeças pensantes no iFC e que elegeram Dilma a personificação frágil do que pretendem destruir.

Quem acredita que o entrave ao desenvolvimento brasileiro decorre, exclusivamente, dos equívocos cometidos – e foram inúmeros -- pelos governos do PT toma, portanto,  a nuvem por Juno.

Do PT pode-se – deve-se -  cobrar um reencontro com o engajamento criativo de suas bases, traço indissociável da centralidade que elas já ocuparam na vida do partido.

Pode-se, deve-se, igualmente, desafiá-lo a resgatar o desassombro político original, anestesiado pela responsabilidade do poder e só restituível com amplas doses de democracia interna e humildade política para se recolocar ao lado dos movimentos sociais.

Tudo isso é imperioso e urgente.

Mas a parede contra a qual se esbarra hoje, na disputa pelo passo seguinte brasileiro, não pode ignorar o fio de continuidade que liga 1954 a 2015.

Ela reflete o mesmo conflito que na Constituinte de  1988 – como hoje –  interditou a reforma política, o financiamento público de campanha, a justiça fiscal, a reforma agrária, o controle sobre o mercado financeiro e postergou a democratização pluralista da mídia.

Dissociou-se assim o núcleo duro do capitalismo, do espírito progressista e cidadão que embalou a reordenação constitucional ao final da ditadura.

O conflito entre mercado e democracia parece ter chegado agora ao seu nível máximo.

As ruas – naquilo que revelam de insatisfação real –  são a expressão de contradições que já não cabem nos limites da institucionalidade disponível.

Diante da transição da economia mundial (cuja retração inviabiliza a acomodação dos conflitos via importações baratas e saldos comerciais elevados) é forçoso romper limites e interditos para repactuar as bases do desenvolvimento.

Não é obra apenas para o PT.

É tarefa para um mutirão histórico, organizativo e constitucional, que exige uma articulação progressista maior, mais sólida e mais coerente do que aquela que  emergiu ao final da ditadura e a que elegeu Lula em 2003.

É essa hemorragia que os cirurgiões tucanos temem.

É ela que o campo progressista deve perseguir – especialmente o PT, se quiser sobreviver.

Porém, mais que apenas subsistir: se quiser ter relevância na tarefa de construir o muito que o Brasil ainda deve aos brasileiros.

BANCOS EM PORTUGAL ULTRAPASSAM 1.000 MILHÕES DE PREJUÍZOS




Os cinco maiores bancos que atuam no mercado português - incluindo o Novo Banco - tiveram em termos agregados um prejuízo de 1.002 milhões de euros em 2014, com o Santander Totta a ser o único a registar lucros.

Em termos de deve e haver, os prejuízos globais de 1.195,4 milhões de euros apurados no ano passado pela Caixa Geral de Depósitos (CGD), pelo Banco Comercial Português (BCP), pelo Novo Banco e pelo Banco BPI foram atenuados pelo resultado líquido positivo de 193,1 milhões de euros do Banco Santander Totta.

Os resultados das quatro instituições financeiras em 2013, excluindo o Novo Banco - que não é comparável - foi de um prejuízo de 1.150 milhões de euros, ano em que a CGD e o BCP tiveram resultados líquidos negativos e foram atenuados pelos lucros do BPI e do Santander Totta.

Em 2013, o Banco Espírito Santo (BES), que foi intervencionado a 4 de agosto de 2014 dando lugar ao Novo Banco, tinha apresentado um prejuízo de 518 milhões de euros. E os resultados do primeiro semestre do então ainda designado BES, os últimos a serem tornados públicos, foram os piores de sempre em Portugal, ascendendo a 3,6 mil milhões de euros.

Esta semana, o Novo Banco anunciou um prejuízo de 467,9 milhões de euros entre agosto e 31 de dezembro do ano passado.

A CGD registou um resultado líquido negativo de 348 milhões de euros em 2014, uma redução face ao prejuízo de 579 milhões de euros no ano anterior.

Já o BCP encerrou o exercício de 2014 com um prejuízo consolidado de 217,9 milhões de euros, traduzindo uma melhoria face aos resultados negativos de 740,5 milhões registados em 2013.

Quanto ao BPI, obteve prejuízos de 161,6 milhões de euros em 2014, quando em igual período do ano passado atingiu lucros de 66,8 milhões de euros.

Por fim, o Santander Totta, que integra o gigante espanhol Banco Santander, apurou lucros de 193,1 milhões de euros no ano passado, quase duplicando o resultado líquido de 2013, que se situou em 102 milhões de euros.

Lusa, em Notícias ao Minuto

Portugal. IDEIAS PARA COMÉDIAS




Um cidadão passa cinco anos sem descontar para a segurança social. Depois chega a primeiro-ministro e manifesta grande preocupação com a sustentabilidade financeira da segurança social

Ricardo Araújo Pereira – Visão, opinião

Após ter votado a lei de bases da segurança social, um deputado diz desconhecer as suas obrigações legais para com a segurança social.

Após ter passado anos a dar aulas de catequese, um catequista diz ter ficado com a ideia de que a obediência aos mandamentos era opcional.

Um cidadão passa cinco anos sem descontar para a segurança social. Depois chega a primeiro-ministro e manifesta grande preocupação com a sustentabilidade financeira da segurança social.

Um cidadão passa cinco anos sem tomar banho. Depois fica incomodado quando partilha o elevador com um vizinho que acabou de chegar do ginásio.

Um primeiro-ministro admite que cometeu irregularidades mas justifica-se dizendo que são irregularidades menores do que aquelas que o primeiro-ministro anterior é acusado de ter cometido.

Um aluno falha a entrega dos trabalhos de casa mas justifica-se dizendo que não procedeu tão mal como um aluno que, no ano anterior, tinha roubado a lancheira a outro menino. A professora lembra-lhe que o facto de outros terem cometido infracções maiores não o isenta de uma nota negativa. O aluno, mesmo sendo pequenino, compreende o argumento da professora.

Um primeiro-ministro apercebe-se, em 2012, que deve dinheiro ao Estado, mas acha que é mais oportuno fazer o pagamento apenas no fim do seu mandato, para não criar confusões. Ao mesmo tempo, o seu governo recorre a penhoras automáticas para executar mais rapidamente as dívidas fiscais.

Um verdugo apercebe-se, em 2012, que cometeu um delito parecido com os que são cometidos pelas pessoas que castiga com chibatadas. Passa a dar chibatadas com mais força, para transmitir a ideia de que a sua adesão à prática delituosa não significa que a aprove.

Um primeiro-ministro decide regularizar imediatamente a sua situação fiscal depois de perceber que o jornal Público descobriu aquilo que ele já sabe desde 2012. ?O ministro da segurança social considera a postura do primeiro-ministro muito digna.

Um criminoso decide confessar um crime cometido dez anos antes, e só depois de terem surgido provas absolutamente claras e indesmentíveis de que o cometeu. O seu advogado considera a postura do cliente muito digna.

Milhares de cidadãos falham o pagamento dos impostos na data estipulada e justificam-se dizendo que o jornal Público não teve a gentileza de os incentivar a saldar a dívida.

Um cidadão acumula dívidas e não recebe a respectiva notificação. O sistema que não o notifica durante cinco anos é o mesmo que não deixa passar cinco dias sem notificar os outros cidadãos devedores. O ministro da segurança social diz que o primeiro-ministro foi vítima de um erro do sistema.

Um cidadão ganha a lotaria. Os seus amigos dizem que foi vítima de um acaso da sorte

Portugal. NÚNCIO ENTREGOU “BOLSA VIP” AO FISCO NO AUGE DO CASO TECNOFORMA




O Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais terá entregue, em outubro passado, uma lista de contribuintes VIP à direção de segurança informática do Fisco. Paulo Núncio nega, mas a VISÃO soube junto de fontes das Finanças que a decisão terá sido tomada no auge do "caso Tecnoforma", envolvendo Passos Coelho

Miguel Carvalho - Visão

Corria outubro do ano passado e estava na berlinda o "caso Tecnoforma", envolvendo o Primeiro-Ministro. De acordo com as informações recolhidas esta quinta, 12, pela VISÃO junto de fontes da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), terá sido por essa altura que Paulo Núncio entregou à direção de segurança informática do Fisco, coordenada por José Manuel Morujão Oliveira, uma lista de contribuintes mediáticos, da área política, financeira e económica, a cujo cadastro fiscal terá, entretanto, sido aplicado um filtro que permitirá detetar, em minutos, quem acede à denominada "Bolsa VIP", embora o sistema ainda não esteja totalmente afinado.

O termo "Bolsa VIP", refira-se, foi usado por Vítor Lourenço, chefe de divisão dos serviços de auditoria da AT numa ação de formação para 300 inspetores tributários estagiários, realizada a 20 de janeiro, na Torre do Tombo, em Lisboa, tal como revelámos, com pormenor, na nossa edição desta semana, já nas bancas, recorrendo a testemunhos diretos da sessão.

O Governo tem desmentido, através de várias vozes, entre as quais a do próprio chefe de Governo, Pedro Passos Coelho, a existência da referida "Bolsa VIP". Contactado pela VISÃO já na tarde desta quinta-feira, o gabinete de Paulo Núncio voltou a garantir que o titular da pasta "não entregou qualquer alegada lista de contribuintes VIP à AT no ano passado". Contudo, as nossas fontes asseguram que a elaboração da mesma terá partido da tutela e entregue à área de segurança eletrónica do Fisco em outubro, altura em que, ao que apurámos, o cadastro fiscal do Primeiro-Ministro já tinha registado várias centenas de visualizações.

Os segredos da "Bolsa VIP" do Fisco

A existência de uma lista de contribuintes famosos nas Finanças, cuja consulta "indevida" poderá originar mais de 140 processos disciplinares a funcionários da AT, foi revelada numa formação para 300 inspetores tributários. A VISÃO conta na edição desta semana o que lá foi dito e por quem. Além do Primeiro-Ministro, também Paulo Portas e Manuela Ferreira Leite estarão na alegada "Bolsa VIP", que incluirá outros governantes e políticos, a alta finança e grandes empresários. Que mistérios guarda a máquina fiscal?


Portugal. DIGNIDADE, (NÃO) DIZEM ELES…




Um dos nossos dramas é ter à frente do Governo alguém que não consegue perceber quando - e quanto - a dignidade de Portugal e dos portugueses foi atingida

José Carlos de Vasconcelos – Visão, opinião

1. Ao dizer, com sinceridade e convicção, que, ao contrário do que o presidente da Comissão Europeia afirmara, a dignidade de Portugal e dos portugueses nunca foi afetada pela troika, Pedro Passos Coelho (PPC) deu-nos um retrato muito nítido do que para ele significam Portugal, os portugueses e a sua dignidade. E este constitui um dos nossos dramas: ter à frente do Governo alguém que não consegue sequer perceber quando - e quanto - a dignidade da nossa pátria e do nosso povo foi e é atingida. Não consegue perceber que a dignidade de uma pátria, com quase 900 anos de História, e de um povo, que sofreu várias tiranias mas sempre contra elas se rebelou, é feita de muitas e inseparáveis coisas. Como a liberdade, mormente para definir o seu destino e escolher o seu caminho; a independência nacional, de par com a solidariedade internacional, sobretudo com os mais fracos e os (sob vários aspetos) mais próximos de nós; a Justiça, inclusive social; a possibilidade de trabalho e condições de vida decentes para os cidadãos, no seu país; o respeito dos e pelos outros; a autoestima; etc. 

2. Ora, muitos destes princípios, valores, objetivos, foram violados ou postos em causa pela troika estrangeira e suas políticas, perante o silêncio, com o apoio ou até o aplauso da troika nacional: primeiro e vice-primeiro ministros (o segundo, Paulo Portas, com a habilidade e as "variações" discursivas que se lhe conhecem); e ministro/a das Finanças. Ou seja, primeiro Vítor Gaspar, que após uma carta em que reconhece o falhanço que PPC nunca reconheceu, deixou o Governo português para ir, naturalmente..., para o FMI; depois Maria Luís Albuquerque, que nunca poderá ir para o Governo alemão, mas não entende que não lhe deve dar serventia, como deu agora em relação à Grécia, sendo exibida pelo seu germânico colega germânico - a repetição não é gralha - numa "cena" que também senti humilhante. Porém, o defeito deve ser meu, inveterado portuga e ainda por cima avesso a quem se curva perante os poderosos.  

3. Voltando ao episódio inicial, a declaração de Jean-Claude Juncker é significativa do que o "caso grego" já veio desencadear ou propiciar, e das mudanças que não podem deixar de ocorrer na Europa; a declaração de PPC é, para ser amável, insólita. Porque, recorde-se, ouvimos o muito sabido anterior presidente do Eurogrupo afirmar, com óbvio conhecimento de causa e contra ele próprio, que a "troika é pouco democrática, falta-lhe legitimidade"; e reconhecer - incluindo-se entre os pecadores - que "pecámos contra a dignidade dos povos, especialmente na Grécia e em Portugal". E ouvimos o chefe do Governo português dizer que não senhor, não "pecaram" - só faltou acrescentar "ora essa", "fazem favor", "quando quiserem"... 

4. Poder-se-á objetar que estando o País na situação que esteve, sujeito a imposições e limitações decorrentes do "memorando de entendimento", tinha que ser assim, a troika portuguesa, sempre com a bênção do Presidente da República, não podia fazer outra coisa. Mas podia. Podia e devia lutar para minorar tais condicionalismos, (man)ter e erguer uma voz própria - porque pode não se conseguir, mas a dignidade obriga a que não se cale, não se desista e muito menos se ajoelhe. Só que não o fez. Também por estar mais do que de acordo com os pressupostos ideológicos da "austeridade", chegando a ultrapassar o memorando.

5. Isto explica que sendo hoje reconhecido o fracasso da austeridade, até por muitos que a defenderam, PPC e Maria Luís (ML) continuem a apregoar os seus excelsos méritos, contra a Grécia e as políticas diferentes que quer seguir; e contra melhores condições de pagamento da dívida que lhe deviam ser dadas, e de que Portugal poderia beneficiar. Sempre, PPC e ML, mais alemães do que os próprios alemães, quando seria bom que, tendo até no Governo um partido de ascendência democrata-cristã, fossem antes mais papistas do que o Papa!...

Grécia que, entretanto, no acordo precário agora celebrado no Eurogrupo, abandonou muito do que constava do seu programa - mas, fundamental, lutou pelo que entende indispensável para a dignidade do país e do povo, nesse domínio tendo "ganho de causa".

O ESTADO CONTRA A REPÚBLICA




O QUE ESCONDE O DISCURSO CONTRA OS “CONSPIRACIONISTAS”

Thierry Meyssan*

A pedido do presidente François Hollande, o Partido Socialista Francês acaba de publicar uma Nota sobre o movimento internacional «conspiracionista». O seu objetivo: preparar uma nova legislação proibindo-o de se expressar. Nos EUA, o golpe de Estado de 11 de setembro de 2001 permitiu estabelecer um «estado de emergência permanente» (Patriot Act), e o lançamento de uma série de guerras imperiais. Progressivamente, as elites europeias têm-se alinhado com os seus homólogos do outro lado do Atlântico. Por todo o lado, os cidadãos inquietam-se por serem abandonados pelos seus Estados e colocam em questão as suas instituições. Buscando manter-se no poder as elites estão, agora, prontas a utilizar a força para amordaçar as suas oposições.

O presidente da República francesa, François Hollande, assemelhou aquilo que chama as «teorias do complô» ao nazismo, depois apelou para o bloqueio da sua difusão através da internet e das redes sociais.

Assim, declarou ele a 27 de janeiro de 2015, no Memorial da Shoah:

«[O anti- semitismo] mantém as teorias conspiratórias que se espalham sem limites. Teorias da conspiração que conduziram, no passado, já ao pior» (...) «[A] resposta, é tomar consciência que as teses de complô ganham a sua difusão através da Internet e das redes sociais. Ora, nós devemos lembrar-nos que foi primeiro pelo verbo que se preparou o extermínio. Nós devemos agir a nível europeu, e mesmo internacional, para que um quadro jurídico possa ser definido, e que as plataformas da Internet que administram as redes sociais sejam colocadas perante as suas responsabilidades, e que sanções sejam impostas em caso de falha» [1].

Vários ministros também criticaram aquilo que chamaram as teorias do complô, como sendo «fermentos de ódio e desintegração da sociedade».

Sabendo que o presidente Hollande denuncia «teorias da conspiração» baseado na ideia que os aparelhos de Estado, sejam quais forem os seus regimes - e inclusive as democracias- têm uma tendência espontânea para agir no seu próprio interesse e não no do seus súbditos, pode-se concluir, daqui, que ele se lançou nesta misturada para justificar uma possível censura dos seus opositores.

Esta interpretação é confirmada pela publicação pela Fundação Jean Jaurès, um “think tank” (clube de propaganda e acção política -ndt) do Partido Socialista, do qual o Sr. Hollande foi o Primeiro secretário, uma Nota intitulada «Conspiracionismo, situação actual» [2].

Deixemos de lado as relações políticas de François Hollande, do Partido Socialista, da Fundação Jean-Jaurès, do seu Observatório do radicalismo político e do autor da Nota, e, concentre-mo-nos na sua mensagem e no seu conteúdo ideológico.

Definição das «teorias do complô»

As expressões «teorias do complô» e «conspiracionismo» desenvolveram-se em França no seguimento da publicação do meu livro sobre o imperialismo norte- americano, post-11 de setembro, A Terrível Impostura [3]. À época havia dificuldade em compreender o que significavam, porque elas nos remetiam para a história política americana. Nos Estados Unidos chamava-se, correntemente, de «conspiracionistas» aqueles para quem o presidente Kennedy não tinha sido assassinado por um único homem, mas, sim, por vários, tomando isso a forma de uma conspiração (no sentido judiciário). Com o tempo, estas expressões entraram na língua francesa e sobrepuseram-se com as das memórias dos anos 30 e da Segunda Guerra Mundial, as da denúncia do «complô judaico». Estas expressões são, pois, hoje em dia, polissémicas, evocando por vezes a lei do silêncio norte-americana e, noutras alturas, o anti-semitismo europeu.

Na sua nota, a Fundação Jean-Jaurès dá a sua própria definição de teorias da conspiração. São « uma narrativa “alternativa” que pretende alterar de maneira significativa o conhecimento que temos de um acontecimento e, portanto, competir com a”versão” que é de tal comummente aceite, estigmatizada como“oficialista”» (p. 2).

Observe-se que esta definição só se aplica aos delírios de doentes mentais. Assim, Platão afirmava com o mito da caverna pôr em causa as certezas do seu tempo; Galileo com a sua teoria heliocêntrica desafiava a leitura que no seu tempo fazia a Bíblia; etc.

Pela minha parte, e uma vez que vêem em mim o «Papa do conspiracionismo» ou melhor, o «heregeiarca», segundo o termo do filósofo italiano Roberto Quaglia, eu reafirmo o meu compromisso político radical, no sentido do radicalismo republicano francês de Léon Bourgeois [4], de Georges Clemenceau [5], de Alain [6] e de Jean Moulin [7]. Para mim, como para eles, o Estado é um Leviatã que por natureza abusa daqueles que governa. 

Como republicano radical, estou ciente que o Estado e
́ o inimigo do interesse geral, da Res Publica; razão pela qual eu desejo não revogá-lo, mas domá-lo. O ideal republicano é compatível com diversos regimes políticos – e inclusive com a monarquia, como o registaram em acta os autores da Declaração de 1789–. 

Esta oposic
̧ão, que o actual Partido Socialista contesta, marcou de tal maneira a nossa história que Philippe Pétain revogou a República para proclamar o «Estado Francês». Desde a sua tomada de posse, como presidente, que eu denunciei o petainismo de F. Hollande [8]. Actualmente, Hollande propagandeia ser pela República para melhor a combater, e a sua inversão de valores mergulha o país na confusão.

Quem são os «conspiracionistas» ?

Os «conspiracionistas» são, pois, cidadãos que se opõem a omnipotência (br- onipotência) do Estado e que desejam coloca-lo sob vigilância.

A Fundação Jean Jaurès descreve-os nestes termos :

«[É um] movimento heterogéneo, fortemente intrincado com o movimento negacionista, e onde se emparelham os admiradores de Hugo Chavez e incondicionais de Vladimir Putin. Um submundo sombrio composto por antigos militantes de esquerda ou de extrema- esquerda,ex-”indignados”, soberanistas, nacionais-revolucionários, ultra- nacionalistas, nostálgicos do IIIo Reich, militantes anti-vacinação, partidários de sorteio ao acaso, revisionistas da tese oficial sobre o 11-de-setembro, anti-sionistas, afro-centristas, “survivalistas”, adeptos das “medicinas-alternativas” agentes de influência do regime iraniano, integristas católicos ou islamistas» (p. 8).

Registemos as salganhadas e o tom ofensivo desta descrição visando desacreditar as pessoas que ela indica.

Os mitos dos «conspiracionistas»

A Fundação Jean Jaurès prossegue a sua difamação, acusando assim os «conspiracionistas» de ignorar as realidades do mundo e de acreditarem ingenuamente em mitos banais. Assim, nós acreditaríamos no «complô sionista mundial», no «complô illuminati» e no «mito Rothschild» (p. 4).

E para credibilizar estas três afirmações, ela cita apenas um exemplo, relativo, simplesmente, ao «mito Rothschild» : o bloguer Étiene Chouard —cujo trabalho não se debruça unicamente sobre a República, mas vai muito para além disso ao tratar da Democracia [9]— afirma que a lei Pompidou-Rothschild, de 1973, está na origem da dívida da França. E, a Fundação vêm refutar essa afirmação, citando para isso uma tribuna publicada pelo jornal Libération.

Deve-se notar, aqui, que o citado exemplo de Étienne Chouard deixa-nos na pura decepção quanto aos dois outros mitos citados. Principalmente porque a Fundação fala para quem não sabe do assunto, os que não leram a resposta de Chouard à tribuna livre do Libération [10], nem da contribuição do «conspiracionista» Michel Rocard [11]. Com efeito, deste debate ressalta, em cheio, que a lei de 1973 permitiu a explosão da dívida francesa, em proveito dos bancos privados, o que teria sido impossível antes.

A «complôesfera»

Para a Fondation Jean-Jaurès, os intelectuais conspiracionistas seriam «essencialmente Norte-americanos. Citemos em particular Webster Tarpley e William Engdhal (ambos antigos membros da organização político-sectária americana liderada por Lyndon LaRouche), Wayne Madsen (WayneMadsenReport.com), Kevin Barrett (VeteransToday.com) ou ainda Michel Chossudovsky (Mondialisation.ca ). Com os seus homólogos europeus, estes últimos formam uma espécie de Internacional, à qual Thierry Meyssan, o presidente da Rede Voltaire, tentou dar uma forma prática, em novembro de 2005, reunindo para isso em Bruxelas uma “conferência anti-imperialista” — “Axis for Peace” — cuja lista de participantes se lê como um “quem é quem” de autores conspiracionistas, os mais proeminentes à época» (p. 8).

Observemos primeiro que a Fondation Jean-Jaurès só deve ler em Francês e Inglês, e deverá ter passado a correr pelas listas de participantes da Axis for Peace, para crer que o fenómeno que ela descreve apenas envolve a França, o Canadá e os Estados Unidos, quando ele diz respeito a uma importantíssima literatura em árabe, em espanhol, em persa e em russo; idiomas que são, aliás, a maioria no Axis for Peace.

Note-se também o carácter maldoso da alusão à «organização político-sectária americana dirigida por Lyndon LaRouche». Com efeito, à época em que Webster Tarpley e William Engdhal eram seus membros, esta organização realizava os seus congressos em conjunto a sua organização francesa irmã, Luta Operária.

Um pouco mais adiante, a Fundação Jean-Jaurès não deixa de citar o comediante Dieudonné M’Bala M’Bala, a quem o Estado tenta proibir os espectáculos, o sociólogo Alain Soral, cujo “site” (EgaliteEtReconciliation.fr ) obtém recordes de audiência em França, e Alain Benajam (facebook.com/alain.benajam), presidente da Rede Voltaire França e representante do governo Novorusso do Donbass.

As ideias políticas dos «conspiracionistas»

Após destes aperitivos, a Fondation Jean-Jaurès vem para o centro do debate, o das ideias políticas. Ele define, deste modo, as dos «conspiracionistas» :

- «apagamento de qualquer distinc
̧ão da natureza entre regimes autoritários e democracias liberais (reputadas mais «totalitárias» que os piores totalitarismos)»; 

- «[ a oposic
̧ão a] toda a legislação anti-racista sob pretexto da defesa da “liberdade de expressão” »; 

- «[a rejeic
̧ão da] pertinência da clivagem direita-esquerda, sendo a real clivagem a que separaria "o Sistema" (ou "o Império", ou "a Oligarquia") daqueles que lhe resistem» ; (p. 8) 

- «a ideia que o sionismo e
́ um "projecto de dominação" do mundo» (p. 9).

A Fundação Jean Jaurès visa, especificamente, os temas de conflito, mas carrega nas tintas para desacreditar os seus opositores. Por exemplo, ninguém se opõe a qualquer legislação anti-racismo, mas apenas e exclusivamente a disposição da lei Fabius-Gayssot que pune com prisão o debate sobre o extermínio dos judeus da Europa [12].

O que é o sionismo?

A Fundação dedica-se então a uma longuíssima análise dos meus trabalhos sobre o sionismo. Ela altera-os, depois comenta-os :

«O anti-sionismo reivindicado aqui por Thierry Meyssan não tem relação com a crítica de uma política conjuntural, a de governos que se têm sucedido à cabeça do Estado de Israel. Ele não releva de um anti-colonialismo que se satisfaria com a retirada de Israel dos territórios ocupados, no seguimento da guerra dos Seis Dias, e a criação de um Estado palestiniano. Ele não deriva, nem um pouco, de um internacionalismo vivendo da suspeita, por princípio, de todo o movimento nacional qualquer que seja a origem já que, precisamente, ele não considera o sionismo como um movimento nacional. Este anti- sionismo de extração paranoica não pretende combater o sionismo enquadrado na diversidade das suas expressões históricas, mas, antes, uma hidra fantasmagórica que estaria na origem das desgraças do mundo inteiro» (p. 9).

Procurando concluir o assunto sobre este debate, e dando-lhe um enorme espaço na sua análise, a Fundação Jean-Jaurès acaba, a propósito, por sublinhar a sua importância. Com efeito eu defendo uma posição até aqui ausente do debate político ocidental [13] : 

- O primeiro chefe de Estado tendo afirmado a sua intenc
̧ão de reunir os judeus do mundo inteiro num Estado que seria o seu foi Lorde Cromwell no XVIIo século. O seu projecto, claramente explicito, consistia em utilizar a diáspora judaica para estender a hegemonia inglesa. Este projecto foi defendido por todos os governos britânicos sucessivos e inscrito por Benjamin Disraeli na ordem do dia da Conferência de Berlim. 

- Theodor Herzl era ele pro
́prio um discípulo de Cecil Rhodes, teórico do Imperialismo britânico. Herzl havia proposto à partida criar Israel no Uganda ou na Argentina, mas nem um pouco na Palestina. Assim que ele conseguiu fazer aderir militantes judaicos ao projecto britânico, ele comprou terras na Palestina criando para tal a Agência judaica cujos estatutos são a cópia integral dos da sociedade de Rhodes na África Austral. 

- Em 1916-17, O Reino Unido e os Estados Unidos reconciliaram-se comprometendo-se ambos a criar o Estado de Israel, foi a Declarac
̧ão Balfour por Londres e os 14 pontos de Wilson por Washington.

É pois perfeitamente absurdo afirmar que T. Herzl inventou o sionismo, dissociar o projecto sionista do colonialismo britânico, e negar que o Estado de Israel é uma ferramenta do projecto imperial comum de Londres e de Washington.

A posição do Partido Socialista sobre este assunto não é inocente. Em 1936, ele propôs por Léon Blum criar o Estado de Israel no território do Líbano que estava sob mandato [14]. No entanto, o projeto foi rapidamente descartado devido à oposição do Alto Comissário francês em Beirute, Damien de Martel de Janville.

Notas finais

Em 2008, o professor Cass Sunstein, conselheiro do presidente Barack Obama e marido da embaixatriz dos E.U. nas Nações Unidas, havia redigido uma nota similar [15].

Ele escreveu :

«Nós podemos facilmente imaginar uma série de respostas possíveis.

- 1. O governo pode interditar as teorias da conspirac
̧ão. 

- 2. O governo podera
́ impôr uma espécie de taxa, financeira ou outra, sobre os que difundem tais teorias. 

- 3. O governo podera
́ envolver-se numa campanha para desacreditar as teorias de complô

- 4. O governo podera
́ envolver entidades privadas credíveis a envolverem-se numa contra-propaganda. 

- 5. O governo podera
́ envolver-se numa comunicação informal com terceiras partes e encorajá-las a tal»
.
Em última análise, o governo dos EUA decidiu financiar indivíduos, quer em casa e quer no estrangeiro, para perturbar os “sites” de fórum na internet conspiracionistas e para criar grupos que os contradigam.

Como isso não bastou a França é chamada a tomar medidas autoritárias. Tal como no passado, as elites francesas, entre as quais o Partido Socialista forma a ajuda pretensamente de esquerda, colocaram-se às ordens da principal potência militar desta época, no caso os EUA.

Não sejamos anjinhos, estamos nos aproximando de uma inevitável prova de força. Resta definir qual será a instância, necessariamente administrativa, encarregada da censura e quais serão os seus critérios para isso.

Na foto: A 27 de janeiro de 2015, o presidente François Hollande tornava os «conspiracionistas» responsáveis por crimes cometidos pelos nazis contra os judeus da Europa. Ele apelou à proibição do seu direito de expressão.


*Intelectual francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe, latino-americana e russa. Última obra em francês: L’Effroyable imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand, 2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II. Manipulación y desinformación en los medios de comunicación(Monte Ávila Editores, 2008).

Mais lidas da semana