Leonardo
Boff, São Leopoldo - Instituto Humanitas de Ensino – em Opera Mundi
Não
estamos diante de um pensamento conspiratório, pois já sabemos como os EUA
agiram no golpe militar em 1964; devemos nos conscientizar de nossa importância
no cenário mundial, resistir e buscar fortalecer democracia
Seria
errôneo pensar a crise do Brasil apenas a partir do Brasil. Este está inserido
no equilíbrio de forças mundiais do âmbito na assim chamada nova guerra fria
que envolve principalmente os EUA e a China. A espionagem
norte-americana, como revelou Snowden[1] atingiu
a Petrobrás e as reservas do pré-sal e não poupou sequer a
presidenta Dilma. Isto é parte da estratégia do Pentágono de cobrir todos
os espaços sob o lema: “um só mundo e um só império”. Eis alguns pontos que nos
fazem refletir.
No contexto
global há uma ascensão visível da direita no mundo inteiro, a partir dos
próprios EUA e da Europa. Na América Latina está se
fechando um ciclo de governos progressistas que elevaram o nível social dos
mais pobres e firmaram a democracia. Agora estão sendo assolados por uma onda
direitista que já triunfou na Argentina e está pressionando todos os países
sul-americanos. Falam, como entre nós, de democracia, mas, na verdade, querem
torná-la insignificante para dar lugar ao mercado e à internacionalização da
economia.
O Brasil é
o principal atingido e o impedimento da presidenta Dilma é apenas um
capítulo de uma estratégia global, especialmente das grandes corporações e pelo sistema
financeiro articulado com os governos centrais. Os grandes empresários
nacionais querem voltar ao nível de ganho que tinham sob as políticas
neoliberais, anteriores a Lula. A oposição a Dilma e o apoio ao seu
impedimento possui um viés patronal. A Fiesp com Skaf, a Firjan,
as Federações do Comércio de São Paulo, a Associação Brasileira da
Indústria Eletrônica e Eletrodomésticos (Abinee), entidades empresariais do
Paraná, Espírito Santo, Pará e muitas redes empresariais estão já em campanha
aberta pelo impedimento e pelo fim do tipo de democracia social implantada por
Lula-Dilma.
A
estratégia ensaiada contra a “primavera árabe” e aplicada no Oriente
Médio e agora no Brasil e na América Latina em geral
consiste em desestabilizar os governos progressistas e alinhá-los às
estratégias globais como sócios agregados. É sintomático que em março de
2014 Emy Shayo, analista do JB Morgan tenha coordenado uma mesa
redonda com publicitários brasileiros ligados à macroeconomia neoliberal com o
tema: “como desestabilizar o governo Dilma”. Armínio Fraga, provável
ministro da fazenda num eventual governo pós-Dilma, vem do JB Morgan.
Noam Chomski, Moniz Bandeira e outros advertiram
que os EUA não toleram uma potência como o Brasil no
Atlântico Sul que tenha um projeto de autonomia, vinculado aos BRICS.
Causa grande preocupação à política externa norte-americana a presença
crescente da China, seu principal contendor, pelos vários países
da América Latina, especialmente no Brasil. Fazer frente ao outro
anti-poder que significam os BRICS implica atacar e enfraquecer o Brasil, um de
seus membros com uma riqueza ecológica sem igual.
Talvez
o nosso melhor analista da política internacional. Luiz Alberto Moniz Bandeira, autor de “A segunda
Guerra Fria - geopolítica e dimensão estratégica dos Estados
Unidos” (Civilização Brasileira, 2013) e o deste ano “A desordem
internacional” (da mesma editora) nos ajude a entender os fatos. Ele trouxe
detalhes de como agem os EUA: “Não é só a CIA - especialmente as ONGs financiadas
pelo dinheiro oficial e semi-oficial como a USAID, a National
Endwoment for Democracy, atuam comprando jornalistas e treinando ativistas”. O
“The Pentagon´s New Map for War & Peace” enuncia as formas de
desestabilização econômica e social através dos meios de comunicação, jornais,
redes sociais, empresários e infiltração de ativistas.
Moniz
Bandeira chega a afirmar: “não tenho dúvida de que no Brasil os jornais
estão sendo subsidiados e que jornalistas estão na lista de pagamento dos
órgãos citados acima e muitos policiais e comissários recebem dinheiro
da CIA diretamente em suas contas”. Podemos até imaginar quais seriam
esses jornais e os nomes de alguns jornalistas, totalmente alinhados à ideologia desestabilizadora de seus patrões.
Especialmente
o pré-sal, a segunda maior jazida de gás e de petróleo do mundo, está na mira
dos interesses globais. O sociólogo Adalberto Cardoso da UERJ numa entrevista à Folha
de São Paulo foi explícito. “Seria ingenuidade imaginar que não há
interesses internacionais e geopolíticos de norte-americanos, russos,
venezuelanos, árabes. Só haveria mudança na Petrobras se houvesse
nova eleição e o PSDB ganhasse de novo. Nesse caso, se acabaria o
monopólio de exploração, as regras mudariam. O impeachment interessa às forças
que querem mudanças na Petrobrás: grandes companhias de petróleo, agentes
internacionais que têm a ganhar com a saída da Petrobrás da exploração de
Petróleo. Parte desses agentes quer tirar Dilma”.
Não
estamos diante de um pensamento conspiratório, pois já sabemos como agiram os
norte-americanos no golpe militar em 1964, infiltrados nos movimentos
sociais e políticos. Não é sem razão que a quarta frota norte-americana do
Atlântico Sul está perto de nossas águas. Devemos nos conscientizar de nossa
importância no cenário mundial, resistir e buscar o fortalecimento de nossa
democracia que represente menos os interesses das empresas e mais as demandas
tão olvidadas de nosso povo e na construção de nosso próprio caminho rumo ao
futuro.
[1] Ex-agente da NSA, Edward Snowden (nota
da edição)
Artigo
publicado originalmente pelo Instituto Humanitas de Ensino
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