Miguel
Guedes – Jornal de Notícias, opinião
Aberto
até de madrugada, sem o argumento de Tarantino. Podemos esperar até às 00.20
horas do dia 25 para cantar a Grândola mas as revoluções acontecem na madrugada
dos amanhãs que cantam e são precedidas pelas maiores declarações de amor e
compromisso na véspera. Foi assim a 24 de Abril de 1974 nas operações do MFA em
Portugal e assim foi a 24 de Abril de 2016 no pacto Ted Cruz/John Kasich para
as eleições primárias do partido Republicano nos EUA. Em ambas as situações,
medidas à escala, a vontade de salvar a pele ou a pele dos outros. Em ambas as
situações, o desejo de se verem livres do carrasco ou do ditador, do
"estado a que chegámos" (como dissertava o capitão Salgueiro Maia,
sobre as diversas modalidades de Estado). No 24 de Abril de 74 para o MFA, o desejo
do fim de Marcelo Caetano, o ditador progressista. No 24 de Abril de 2016 para
Cruz e Kasich, o desejo do fim de Donald Trump, o ditador em progressão.
Aberta
a cronologia da madrugada, só os republicanos podem ter visto o filme de Robert
Rodriguez. Mas é verdadeiramente inacreditável que não tenham percebido que o
acordo de 24 de Abril, dois dias antes da vitória de Trump na Pennsylvania
nesta madrugada, é mesmo uma admissão de derrota perante o multimilionário que
lidera todas as sondagens. O MFA tinha o apoio do povo democrata, Donald Trump
tem o apoio do povo republicano. Ainda que a história possa vir a contar que há
uma enorme distância entre delegados e o povo.
O
sinal expresso não é dado apenas pela mais do que previsível vitória de Hillary
Clinton e de Donald Trump nas "primárias de Acela" nesta madrugada
portuguesa. O mais significativo é que, nas sondagens, Trump consegue - pela
primeira vez - liderar maioritariamente o apoio nacional entre os republicanos
com 50% de intenções de voto, com Cruz a registar 26% e Kasich apenas 17%
(fonte NBC News). A soma dos dois não chega a Trump. Ainda que, entre Trump e
Cruz, saia o Diabo de dentro deles e escolha. A mais cómica das eleições e
também a mais perigosa.
O
pacto de Ted Cruz e John Kasich é aparentemente simples: o primeiro abandona a
corrida por Oregon e New México e o segundo deixa cair o estado de Indiana. O
que parece um mero tacticismo é uma efectiva admissão de falência técnica no
momento em que Trump desfila com apoio maioritário. A dupla deste pacto está
matematicamente morta e só pode ressuscitar pela diferença que separa a opinião
dos delegados em Congresso da opinião do povo nas urnas. Várias formas de
recordar, sem as imagens de Roman Polanski, o pacto com o Diabo e a sua semente
ou de soletrar a forma como as elites na revolução podem mesmo manter o tasco
aberto.
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