Barbara
Unmussig* - Project Syndicate
BERLIM
– Os governos de todo o mundo estão a tomar medidas draconianas para suprimir
as organizações da sociedade civil, com medidas que vão desde leis restritivas
e encargos burocráticos até campanhas de difamação, censura e repressão directa
levadas a cabo pelos serviços de informação ou pela polícia. Independentemente
dos meios utilizados, os governos estão empenhados em interferir com o trabalho
dos activistas políticos, sociais e ambientais numa escala a que não se
assistia desde antes do colapso do comunismo na Europa, há um quarto de século.
É
evidente que os governos apresentam todos os tipos de razões, nomeadamente
preocupações em matéria de segurança como as relacionadas com o terrorismo que
ocupam agora o topo da lista, para justificar a repressão de ONG e outros
grupos da sociedade civil. Mas a realidade é que os riscos de segurança — que
podem muito bem ser genuínos — não são desculpa para o tipo de manto de
suspeita que os governos utilizam como pretexto para silenciar ou proibir as
organizações independentes.
Esta
tendência preocupante não parece ser um fenómeno passageiro, mas antes um sinal
de mudanças fundamentais no plano geopolítico internacional. Entre as mudanças
mais importantes, encontra-se a crescente tónica na "soberania" entre
as economias emergentes, desde Egipto até à Tailândia.
Na
verdade, como parte da sua alegada vontade de proteger a soberania da nação, os
governos dos países em desenvolvimento e dos países emergentes encaram agora as
transferências de dinheiro dos países ricos para, por exemplo, processos de
democratização, com muito maior suspeição do que na década de 1990.
Considerando essa ajuda às ONG locais como uma interferência indevida nos seus
assuntos, um número cada vez maior de governos dos países do Sul pretende
manter ou recuperar o controlo total sobre os fluxos de caixa derivados do
estrangeiro — especialmente se forem destinados a intervenientes da sociedade
civil, que, em razão das suas ligações internacionais, são considerados como
tendo uma fidelidade múltipla.
Consequentemente,
os fluxos de caixa e o trabalho em rede entre ONG nacionais e internacionais,
fundações e outros doadores externos estão sob um escrutínio cada vez mais
rigoroso por parte dos governos. As leis que restringem ou proíbem a concessão
de financiamento a ONG por fontes externas estão entre os instrumentos de maior
relevância utilizados para monitorizar ou bloquear o trabalho destes grupos.
Tais leis estão em vigor ou em análise em cerca de 50 países em todo o mundo.
Na
Rússia, por exemplo, 12 ONG estrangeiras foram colocadas numa lista negra em
Julho passado e ameaçadas com a proibição de realizar futuras actividades no
país. Uma vez que a cooperação com as organizações estrangeiras se tornou
potencialmente punível por lei, as organizações da sociedade civil russas
perderam o acesso à sua força vital financeira. Em Israel, após um intenso
debate, o Knesset aprovou uma lei no início de Fevereiro que estipula que as
ONG que recebem mais de metade do seu orçamento de instituições públicas
estrangeiras devem divulgar as suas fontes de financiamento.
Os
governos reprimem igualmente os movimentos sociais populares. Nos últimos anos,
as manifestações de protesto a nível local — nomeadamente contra as más condições
de trabalho, a exploração madeireira ilegal, o açambarcamento de terras e os
projectos de infra-estruturas nocivos em termos ambientais e sociais —
multiplicaram-se. O facto de a tecnologia digital permitir o acesso dos
manifestantes locais a redes políticas e a uma ampla audiência internacional
tem exercido uma pressão crescente sobre os governos no sentido de atenderem às
reivindicações dos manifestantes.
Mas,
em vez de cederem à pressão popular, as elites políticas e económicas
preferiram muitas vezes reprimir os próprios protestos. Além disso, aplicaram
leis repressivas sobre os meios de comunicação, equivalentes ao controlo
estatal da Internet, uma medida que alegam ser necessária para preservar a
estabilidade, combater o terrorismo ou defender a soberania nacional da
interferência ocidental.
A
denúncia de protestos populares não é uma questão apenas da esfera de acção dos
regimes autocráticos. Até mesmo os governos democráticos — como o da Austrália,
Canadá e Índia — têm recorrido a alegações de que os protestos são controlados
a nível externo a fim de desacreditar a resistência local relativamente, por
exemplo, a oleodutos ou minas de carvão que deveriam gerar lucros e
crescimento. Em todos estes casos, o objectivo é o mesmo: preservar o poder político
e/ou proteger os interesses económicos daqueles que estão no cume da
hierarquia.
Não
são novidade as situações de governantes que perseguem pessoas que lutam pelos
direitos humanos, a igualdade de género, o Estado de direito, os direitos das
pessoas LGBT (lésbicas, gays , bissexuais e transgéneros) e das políticas
económicas com uma orientação de carácter social e ecológico. Os intervenientes
da sociedade civil podem e devem causar desconforto aos seus governos. Actuam
como observatórios da política oficial, chamando a atenção para evoluções
inconsistentes, iniciando e orientando o debate público e oferecendo
alternativas políticas e sociais. As ONG continuam a ser chamadas a participar
em processos políticos multilaterais, como por exemplo para prestar auxílio na
implementação dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas
ou garantir os resultados do acordo de Paris sobre as alterações climáticas.
A
questão da restrição ou encerramento dos espaços para a sociedade civil deve
ser acrescentada à ordem do dia dos parlamentos nacionais, das organizações
multilaterais e dos processos de negociação internacional. A liberdade de
opinião, de associação e de reunião constituem a essência da democracia. Por
conseguinte, os esforços que visam limitar estas liberdades devem ser
considerados como um desafio para todos os governos democráticos e para a
cooperação global, e devem ser suprimidos.
*Barbara
Unmüssig é Presidente da Heinrich Böll Foundation - Tradução: Teresa Bettencourt
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