Carvalho
da Silva* - Jornal de Notícias, opinião
Por
que têm surgido em catadupa apelos a consensos, feitos por atores políticos e
comentadores, depois de anos em que as decisões se tomavam impunemente, sem
discussão, com base no argumento da inevitabilidade e da inexistência de
alternativa? Porquê este coro agora quando a existência do Governo e a
possibilidade de este executar políticas geradoras de esperança e de um pouco
de justiça dependem de um exercício contínuo de diálogo e de uma postura
dinâmica e ofensiva, nos planos interno e europeu? Será porque se vai
constatando o fracasso das políticas que nos foram impostas e se pode vir a
confirmar que afinal há alternativas? Talvez porque esperam que a pressão a
favor dos consensos dilua essas alternativas, as dissolva num caldo de ideias
feitas em que tudo se conserva - de acordo com interesses e relações de poder
que subjugam o povo - e nada se transforma.
Há
consensos desejáveis? Sem dúvida! Sobre as questões centrais que definem a
nossa vida coletiva! Mas antes que os consensos se formem, é indispensável que
as diversas opiniões e opções surjam à luz do dia. A pressão no sentido dos
consensos tenderá a sufocar a expressão aberta das opiniões e a consideração
dos prós e contras das opções em confronto.
A
Direita política e dos negócios não gosta de ser obrigada a apresentar com
clareza as suas propostas. Não gosta de ser sujeita à prova da justificação.
Prefere as inevitabilidades, prefere a "realidade do pragmatismo que vence
a ideologia", porque lhe permite vender gato por lebre.
A
Direita não gosta de colocar a nu o que tem a propor nas políticas de saúde.
Diz que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) é consensual, mas acrescenta à socapa
que "infelizmente é insustentável". Na sua perspetiva, o bom SNS
seria um sistema residual para quem não pode pagar seguros de saúde, deixando
tudo o resto para o privado: saúde de qualidade só para quem a puder pagar.
A
Direita não gosta de dizer o que pensa do sistema de pensões; limita-se a
lamentar que "o sistema atual é insustentável". No terreno, anda
empenhada em impor um serviço público de pensões residual e
"plafonado" para quem não pode investir em PPR e um sistema privado
para quem consegue poupar ao fim do mês. A Direita não diz o que pensa do
ensino público: limita-se a catalogá-lo "de má qualidade". Mas analisando
o que vem reivindicando no terreno, vemos que quer um sistema maioritariamente
privado, financiado por dinheiros públicos, em que as escolas privadas possam
ficar com o privilégio de escolher direta ou indiretamente os seus alunos,
liquidando o ensino público universal e de qualidade.
A
Direita esconde quanto pode as suas propostas de precarização do trabalho e de
abaixamento dos salários, apresentando-as, cinicamente, como contributo para a
criação de emprego e para melhorar as condições das jovens gerações.
A
Direita tem consciência de que se expuser abertamente as suas propostas corre o
risco de a esmagadora maioria dos portugueses as considerar aberrantes. Quem
quer viver num país ainda mais desigual, em que o acesso à saúde, às pensões e
à educação depende do recheio da carteira e em que a segurança da provisão,
mesmo de quem pode pagar, dependa de estratégias financeiras de companhias de
seguros e de outros fundos de investimento?
O
grande consenso nacional a exigir é sobre o regime democrático em que queremos
viver. Esse está consagrado na Constituição da República que tem o apoio
generalizado dos portugueses. É preciso compromissos sérios, feitos a partir de
interpretações diferenciadas, para a sua efetivação em diversas áreas, e não
consensos para a submeter ao "estado de exceção
económico-financeira", ou à mercadorização do trabalho e das nossas vidas.
Andas
na política? Ao que vens? Estas devem ser as perguntas prévias a fazer aos
partidos e a todos os atores políticos, obrigando-os a expor com clareza as
suas opções e os dissensos entre elas. Depois disso, com transparência e
participação cidadã, negociem-se e construam-se compromissos.
Não
mobilizemos os nossos afetos para condescendermos perante consensos que nos
tolhem o futuro coletivo.
*Investigador
e professor universitário
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