sexta-feira, 29 de julho de 2016

ANGOLA: PATRIMÓNIO NATURAL E SOBERANIA NACIONAL



 Rui Peralta, Luanda

O desenvolvimento demográfico e tecnológico ao longo dos dois últimos séculos revelou as limitações em recursos naturais. O resultado da exploração desenfreada dos recursos naturais foi a saturação dos sistemas naturais de produção e de regulação do ecossistema indispensável á vida humana. Os mecanismos de acumulação inerentes ao capitalismo, baseados na apropriação dos rendimentos produzidos pelo trabalho e orientados para a disputa territorial e subsequente apropriação dos recursos (imperialismo) mantêm-se no essencial, embora no campo imperialista uma das consequências do “sobreaquecimento” dos mecanismos de acumulação seja a mudança de orientação no sentido da especulação com bens básicos para a sociedade, como a água e a energia.

Em função das conquistas sociais efectuadas, a consciencialização e a defesa dos inalienáveis recursos naturais e ecossistemas são factores que caracterizam as sociedades mais informadas e emancipadas. Momentos, circunstâncias e contextos favoráveis ao exercício dos direitos permitem aos povos, sociedades e nações inscreverem nas respectivas leis fundamentais o carácter primordial dos recursos naturais. Assim acontece na Constituição da Republica de Angola, que concede ao Estado os direitos de soberania e de jurisdição sobre a conservação, exploração e aproveitamento dos recursos naturais biológicos e não biológicos (Titulo I, artigo 3º, paragrafo 3) e que estes são propriedade do Estado, que determina as condições para concessão, pesquisa e exploração (Titulo I, artigo 16º).

Essas conquistas dos povos, bem como as responsabilidades assumidas pelos Estados sofrem constantes ataques, que têm como objectivo a fragilização dos processos participativos das populações e a liberalização da exploração privada desse património, subvertendo a relação de equilíbrio entre o Homem e a Natureza. Em Angola esse processo é sentido de formas diversas sendo a salvaguarda dos recursos naturais e da sua capacidade de renovação exposta a subtis - e menos subtis – manobras, escondidas sob a capa do crescimento económico, do papel da iniciativa privada e das parcerias público-privadas. Desta forma torna-se o crescimento económico efémero e imediatista, comprometendo o desenvolvimento e a salvaguarda das necessidades das gerações futuras.

No país existe, ainda, um elemento adicional (á imagem de muitos países africanos): o da guerra. Esta contribuiu em muito para as questões relacionadas com a conservação da natureza, biodiversidade e condições de vida das populações locais. Todo este quadro implica a necessidade de um forte investimento público, para que não se continue a degradar o património natural e os serviços públicos que lhe estão directamente associados.

Para que esse investimento seja eficaz e possa contar, de forma eficiente e proveitosa, com a participação do investimento privado, torna-se necessário apetrechar as estruturas locais administrativas (e também as extensões locais da administração central) para que a tomada de decisões não seja centralizada e afastada das populações e das realidades locais e os planos orçamentais sejam efectivamente realistas, não pecando pela escassez nem pela fartura, e não sejam delapidados pela corrupção e pelas negociatas que já se tornaram norma em múltiplos sectores e a diversos níveis da sociedade angolana.

Há que acrescentar um outro factor não menos importante: a produção e o rendimento das populações dos parques naturais. O envolvimento das populações residentes é um factor essencial, pois estas populações são os mais directos e imediatos elementos de relação com os espaços naturais. Para que isso aconteça é necessário que os programas de acção equacionem e compatibilizem a conservação da natureza e o desenvolvimento local, levem em conta as funções das populações residentes, não esquecendo que estas são detentoras e utilizadoras do espaço protegido, são um elemento da biodiversidade. É necessário um constante e quotidiano contacto directo com as realidades sociais específicas, o que não se compadece com políticas e técnicas de gestão á distancia e feita de visitas pontuais. As populações não podem ter dificuldades em aceder aos serviços públicos e não podem deixar de ser daas respostas às suas demandas e reclamações.

A articulação no terreno entre os diversos ministérios, organismos e departamentos da administração central (Ambiente, Cultura, Turismo, Agricultura, Administração Territorial, Geologia e Minas, Energia e Águas) e local é essencial, assim como a sua interacção com as populações. Desta forma serão criadas redes estratégicas de parque naturais, fundamentadas numa rede mais ampla que abrangerá todos os parques, reservas e zonas estratégicas de interesse nacional.

É necessário promover as populações residentes nos parques naturais e compatibilizar a protecção da natureza com as actividades económicas destas populações, assim como valorizar os parques naturais, torna-los auto-sustentáveis, por via do investimento público, captando investimento privado e aproveitando o potencial de investimento das populações locais, através de cooperativas, uniões camponesas, etc.

Urge reverter a degradação do património natural angolano e impedir a sua abertura à especulação privada, com sacrifício do desenvolvimento integrado do seu espaço protegido e à custa dos rendimentos e do futuro das populações residentes. É um resgate efectivo e soberano.

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