Rui Peralta,
Luanda
O
desenvolvimento demográfico e tecnológico ao longo dos dois últimos séculos
revelou as limitações em recursos naturais. O resultado da exploração
desenfreada dos recursos naturais foi a saturação dos sistemas naturais de
produção e de regulação do ecossistema indispensável á vida humana. Os
mecanismos de acumulação inerentes ao capitalismo, baseados na apropriação dos
rendimentos produzidos pelo trabalho e orientados para a disputa territorial e
subsequente apropriação dos recursos (imperialismo) mantêm-se no essencial,
embora no campo imperialista uma das consequências do “sobreaquecimento” dos
mecanismos de acumulação seja a mudança de orientação no sentido da especulação
com bens básicos para a sociedade, como a água e a energia.
Em
função das conquistas sociais efectuadas, a consciencialização e a defesa dos
inalienáveis recursos naturais e ecossistemas são factores que caracterizam as
sociedades mais informadas e emancipadas. Momentos, circunstâncias e contextos
favoráveis ao exercício dos direitos permitem aos povos, sociedades e nações
inscreverem nas respectivas leis fundamentais o carácter primordial dos
recursos naturais. Assim acontece na Constituição da Republica de Angola, que
concede ao Estado os direitos de soberania e de jurisdição sobre a conservação,
exploração e aproveitamento dos recursos naturais biológicos e não biológicos
(Titulo I, artigo 3º, paragrafo 3) e que estes são propriedade do Estado, que
determina as condições para concessão, pesquisa e exploração (Titulo I, artigo
16º).
Essas
conquistas dos povos, bem como as responsabilidades assumidas pelos Estados
sofrem constantes ataques, que têm como objectivo a fragilização dos processos
participativos das populações e a liberalização da exploração privada desse
património, subvertendo a relação de equilíbrio entre o Homem e a Natureza. Em
Angola esse processo é sentido de formas diversas sendo a salvaguarda dos
recursos naturais e da sua capacidade de renovação exposta a subtis - e menos
subtis – manobras, escondidas sob a capa do crescimento económico, do papel da
iniciativa privada e das parcerias público-privadas. Desta forma torna-se o
crescimento económico efémero e imediatista, comprometendo o desenvolvimento e
a salvaguarda das necessidades das gerações futuras.
No
país existe, ainda, um elemento adicional (á imagem de muitos países
africanos): o da guerra. Esta contribuiu em muito para as questões relacionadas
com a conservação da natureza, biodiversidade e condições de vida das
populações locais. Todo este quadro implica a necessidade de um forte
investimento público, para que não se continue a degradar o património natural
e os serviços públicos que lhe estão directamente associados.
Para
que esse investimento seja eficaz e possa contar, de forma eficiente e
proveitosa, com a participação do investimento privado, torna-se necessário
apetrechar as estruturas locais administrativas (e também as extensões locais
da administração central) para que a tomada de decisões não seja centralizada e
afastada das populações e das realidades locais e os planos orçamentais sejam
efectivamente realistas, não pecando pela escassez nem pela fartura, e não
sejam delapidados pela corrupção e pelas negociatas que já se tornaram norma em
múltiplos sectores e a diversos níveis da sociedade angolana.
Há
que acrescentar um outro factor não menos importante: a produção e o rendimento
das populações dos parques naturais. O envolvimento das populações residentes é
um factor essencial, pois estas populações são os mais directos e imediatos
elementos de relação com os espaços naturais. Para que isso aconteça é
necessário que os programas de acção equacionem e compatibilizem a conservação
da natureza e o desenvolvimento local, levem em conta as funções das populações
residentes, não esquecendo que estas são detentoras e utilizadoras do espaço
protegido, são um elemento da biodiversidade. É necessário um constante e
quotidiano contacto directo com as realidades sociais específicas, o que não se
compadece com políticas e técnicas de gestão á distancia e feita de visitas
pontuais. As populações não podem ter dificuldades em aceder aos serviços
públicos e não podem deixar de ser daas respostas às suas demandas e reclamações.
A
articulação no terreno entre os diversos ministérios, organismos e
departamentos da administração central (Ambiente, Cultura, Turismo,
Agricultura, Administração Territorial, Geologia e Minas, Energia e Águas) e
local é essencial, assim como a sua interacção com as populações. Desta forma
serão criadas redes estratégicas de parque naturais, fundamentadas numa rede
mais ampla que abrangerá todos os parques, reservas e zonas estratégicas de
interesse nacional.
É
necessário promover as populações residentes nos parques naturais e
compatibilizar a protecção da natureza com as actividades económicas destas
populações, assim como valorizar os parques naturais, torna-los
auto-sustentáveis, por via do investimento público, captando investimento
privado e aproveitando o potencial de investimento das populações locais,
através de cooperativas, uniões camponesas, etc.
Urge
reverter a degradação do património natural angolano e impedir a sua abertura à
especulação privada, com sacrifício do desenvolvimento integrado do seu espaço
protegido e à custa dos rendimentos e do futuro das populações residentes. É um
resgate efectivo e soberano.
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