O
presidente José Eduardo dos Santos parece sempre voltado para o passado. Em
todas as suas comunicações importantes, sobressaem o eixo histórico e o passado
da luta anti-colonial.
Miguel
Gomes – Rede Angola
As intervenções públicas de
José Eduardo dos Santos, seja no âmbito partidário ou nacional, são sempre
aguardadas com curiosidade. As razões são fáceis de perceber. O Presidente da
República fala poucas vezes em público e raramente concede entrevistas aos
meios de comunicação social nacionais. Mas ao longo do tempo, há um aspecto
comum às comunicações importantes: o eixo histórico e o passado da luta
anti-colonial.
No
ano passado, na comemoração dos 40 anos de independência, o
discurso do 11 de Novembro foi ocupado, em cerca de dois terços do
tempo total, a relembrar as façanhas da luta armada e da expulsão do
colonialismo português e da sua máquina política e administrativa.
O
discurso arrancou em 1482, com a chegada dos portugueses, e veio de forma quase
cronológica até ao 11 de Novembro de 1975, entrando depois nas querelas entre
os três movimentos de libertação, na luta contra oapartheid, na libertação da
Namíbia e por aí adiante. Só nas últimas duas partes do discurso de 11 de
Novembro de 2015 se aborda o presente, mas quase sem olhar para o futuro.
Parece
que há a necessidade de justificar a sua longa permanência no poder, seja no
cargo de Presidente da República, seja à frente do MPLA, com as dificuldades
que o processo histórico-político angolano tem enfrentado.
“Os
representantes do Rei de Portugal chegaram ao Reino do Congo em 1482 e, em
sucessivas missões, estabeleceram relações de amizade e cooperação que se
desenvolveram normalmente e com benefícios recíprocos para as duas partes
durante cerca de cem anos”, disse JES, em Novembro de 2015.
“Entretanto,
Portugal modificou, unilateralmente, a sua política de cooperação bilateral e
iniciou pela força a ocupação do território do Rei do Congo e de outros
soberanos vizinhos. Nesse território passou a extrair recursos naturais, a
ocupar terras e a fixar cidadãos portugueses e iniciou, como um negócio muito
lucrativo, o comércio de escravos, que eram transportados em navios, em grande
número, para o Brasil e para outras paragens do continente americano. Segundo
alguns historiadores, dos cerca de quatro milhões de escravos levados de África
para o Brasil, metade, isto é, cerca de dois milhões, saíram de Angola. Essa
deve ser a principal razão porque a população de Angola não é mais numerosa,
pois supõe-se que ela devia ser hoje superior a 50 milhões de habitantes, em
vez dos cerca de 26 milhões que somos. O desenvolvimento desta política de ocupação
e pilhagem levou as autoridades portuguesas à definição de um estatuto
político-administrativo, económico, social e cultural, com regras militares e
de segurança, para o controlo absoluto da colonização do país e para a
submissão dos angolanos, que passaram a estar integrados em todos os
territórios retirados pela força aos soberanos mortos ou desaparecidos”,
recordou o Presidente da República, em Novembro passado.
São
episódios que representam uma geração de angolanos, uma geração que está agora
no poder (tanto no governo, como na oposição) e que tem tido bastante
dificuldade em olhar para o país fora da retórica anti-colonial.
Também
é certo que a rejeição colonial é um dos princípios fundadores das três
repúblicas no pós-independência (partido único de orientação
marxista-leninista, até 1991; transição democrática e abertura ao
multipartidarismo e à economia de mercado, até 2010; nova Constituição e
assumpção do regime presidencialista atípico, desde 2010 até ao momento).
Mas
os jovens, que são a larga maioria da população angolana, também reclamam por
um acertar definitivo de contas com o passado. Para que se possa projectar o
futuro com outra segurança, entregando a história, a antropologia e a
sociologia ao espaço das liberdades (de expressão, de investigação, de opinião)
e do debate de ideias, mesmo que envolvam os diferentes partidos.
Na
quarta-feira, 17, na
declaração de JES que deu início aos trabalhos do VII Congresso
Ordinário do MPLA, que acaba amanhã, em Luanda, o início da comunicação parece
ser uma repetição do mesmo filme. Mesmo quando está em causa apenas o partido.
“Fundado
em 1956, o MPLA venceu o colonialismo e conquistou a Independência Nacional,
sob a forte liderança de Agostinho Neto. Refundado mais tarde em Partido-MPLA,
pôs fim às agressões externas, garantiu a paz e a unidade nacional e tem vindo
a consolidar o Estado Democrático de Direito”, disse JES, logo no segundo
parágrafo. “O MPLA nunca abandonou o povo e nunca combateu contra o povo”.
“Um
facto, porém, temos de sublinhar. Não conseguiram matar a nossa esperança em
conquistar a paz e manter a liberdade! Felizmente, a tempestade passou, a
guerra terminou e a paz foi conquistada. É justo render a merecida homenagem a
todos os que se bateram e deram a vida para que hoje estejamos livres e em paz.
Que a vida dos que tombaram não tenha sido em vão e que o passado nos sirva a
todos de lição”, lembrou o líder do MPLA desde a morte de Agostinho Neto.
Só
depois da introdução e do enquadramento histórico é que JES mudou o diapasão. E
então, sim, deixou alertas, queixou-se dos falsos empresários – não referindo
que a larguíssima maioria dos empresários angolanos são militantes e dirigentes
do próprio MPLA.
Mais
tarde, na apresentação ao congresso da moção estratégica do líder, ainda abriu
portas à realização de eleições e à instituição de um rendimento mínimo
garantido.
É
uma estrutura de comunicação que se repete. Quase de forma exaustiva, sobretudo
quando JES fala no âmbito do partido e no papel de Presidente da República. Há
até frases que parecem estar sempre presentes, com uma ou outra palavra a mais
ou a menos.
Como
aconteceu, por exemplo, na
abertura do 5º Congresso Extraordinário do MPLA, a 4 de Dezembro de 2014.
“Em
10 de Dezembro de 1956 nascia assim, num contexto social e político difícil, o
Movimento Popular para a Libertação de Angola (MPLA) como guia do povo
angolano, empenhado em mobilizar, organizar e dirigir todo o povo angolano na
luta pela libertação e pela independência nacional”, lembrava JES, em 2014.
A
oposição, com a UNITA e a CASA-CE (os dois maiores partidos da oposição) à
cabeça, vai criticando as mensagens repetidas e a falta de uma retórica
consequente sobre o presente e o futuro dos angolanos.
As
críticas são reforçadas pelo facto do país viver um período de forte pressão
sobre a inflação – que o governo estima em 45 por cento para 2016 – e sobre o
kwanza. Os dois factores resultam numa dramática perca de poder de compra para
a maioria dos angolanos, ao mesmo tempo que inúmeras empresas estão a encerrar
e a despedir os seus trabalhadores.
Até
agora, o VII Congresso Ordinário do MPLA fez a tradicional resenha histórica,
auto-legitimou-se, reconheceu alguns erros, mas pouco foi aflorado sobre o
dia-a-dia das pessoas.
O
secretário-geral da UNITA, Marcolino Nhany, citado pela agência Lusa,
considerou normal que “sendo um congresso fossem abordadas questões
político-partidárias”, mas espera que sejam analisados também aspectos sobre a
consolidação da paz, a reconciliação nacional e o aprofundamento da democracia.
“Estou
expectante para ver, de facto, se estes temas merecerão um estudo, uma análise,
um debate”, disse o dirigente da UNITA.
Nhany
pediu ainda que, mais do que reconhecer que o MPLA falhou, JES devia apontar em
que áreas e em que medida se registaram as falhas. “Isto é que é importante.
Mais do que reconhecer que falharam é preciso dizer onde e até que ponto os
erros estão relacionados com a crise que se vive no país”, acrescentou.
Por
sua vez, o representante da CASA-CE, a terceira força política, Milu Tonga,
disse que o discurso voltado para os quadros do MPLA não trouxe “nada de
especial, salvo um apelo interno para os seus militantes”. Para Milu Tonga, o
discurso não correspondeu às expectativas da CASA-CE porque é uma “retórica
constante, permanente, que já é conhecida”.
“Sabemos
quem são os empresários nesta sociedade, isto não é nada de novo”, disse o
dirigente, em referência à crítica do líder do MPLA a grupos de empresários que
enriquecem ilicitamente. Milu Tonga disse que esperava ouvir no discurso de JES
uma alusão aos temas actuais, como as demolições, por exemplo.
O
VII Congresso Ordinário do MPLA conta com a participação de 2.530 delegados de
todo o país e do estrangeiro. Termina amanhã, sábado, dia 20 de Agosto e prevê
a reeleição de José Eduardo dos Santos, candidato único ao cargo de presidente
do MPLA, a análise e a aprovação da Moção de Estratégia do líder do partido e a
confirmação da nova composição do Comité Central.
Foto:
Francisco Bernardo/JA Imagens
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