O
general Carlitos Wala, é um general afável e jovem, que está, tal como o Estado
Maior General das FAA, a Casa de Segurança da Presidência da República e o
Comandante-em-Chefe das FAA, na boca do mundo, pela morte de um menino,
desarmado na inocência de acreditar que a sua candura seriam – e assim deveria,
de facto, ser – bastantes para conter os mais velhos militares a não brincarem
com armas de fogo, disparando contra uma criança de 14 anos.
Walter
Tondela – Folha 8
Confrontado
com a ocorrência, o comandante da Guarnição de Luanda não se mostrou,
inicialmente, disponível por não “acreditar nesta triste notícia”,
balbuciada e multiplicada no calor dos sentimentos de revolta e pesar.
“Quem
foi o responsável, quem foi o responsável por este disparo e como pode ter isso
acontecido?” Esta pergunta atormentava a sã consciência dos angolanos de
boa-fé.
A
resposta trilhava as peugadas das botas dos vários militares que estavam no
terreno, a supervisionar e guarnecer os trabalhadores da empresa que procedia
ao derrube das mais de 600 casas, desalojando mais de 3 mil populares, votados
ao relento e obrigados a vaguear nas margens da vida, sem nada terem feito para
isso.
“Como
devem entender, não tenho moral para conceder uma entrevista como a pretendida,
quando temos o sangue inocente de uma criança a jorrar, que poderia ser meu
filho ou seu. Vergo-me à sua alma e endereço sentidos sentimentos de pesar aos
pais, a família e a todos cidadãos”, afirmou ao Folha 8 o general Wala,
certamente num misto de angústia e impotência para poder alterar o curso deste
drama.
Confrontado
com a existência de um alegado plano delineado para a violência, o oficial
general foi peremptório na negação:“Não é lema das FAA, do chefe do Estado
Maior e do Comandante-em-chefe das FAA ordenar que os militares disparem contra
civis inocentes, principalmente, sendo esses crianças. As FAA são forças de
Paz, são forças de defesa da soberania”.
Por
outro lado, em defesa do chefe diz, aqui já não como pai ou simples cidadão,
mas tão só como general e militar em estrita obediência, “o
Comandante-em-Chefe e Presidente da República tem uma grande preocupação com a
actividade dos militares, quando têm de intervir junto das populações e, nós
encarnamos isto, quando vamos ao terreno”.
Daí,
acrescenta, “lamentar o sucedido, pois não havia orientação para ninguém
disparar. Aquele acto, apanhou-nos a todos de surpresa. Eu ainda não quero
acreditar, como foi que isso foi possível. O que levou o autor a disparar e a
não se conter diante de uma criança. Eu e os demais militares fomos tomados
pela dor, pela frustração de termos sido impotentes, para preservar a vida de
uma criança inocente”.
E
esboçando um ar de cansaço e tristeza, credível mas no qual ninguém acredita em
função dos factos, lança: “Muitos podem criticar-me, criticar as FAA ou o
Comandante-em-Chefe, mas todos nós somos humanos, somos pais e sentimos como
todos a dor da perda de um ente querido. Sentimos a perda de um filho com um futuro
pela frente. Devemos ser serenos e admitir que se fosse uma orientação, pela
reacção de muitos infiltrados, que estavam em provocação teria havido outro
desfecho. Devemos cultivar o espírito da paz, do perdão e de responsabilidade,
num tempo em que a sensibilidade e ponderação se impõe”.
Espírito
de paz, de perdão e de responsabilidade que se elogiam mas que, convenhamos,
são difíceis se assimilar por quem vê um filho ser assassinado, por quem vê a
sua casa ser destruída, por quem é atirado para as margens da vida, ou da
subsistência, como se fosse um ser menor.
Quanto
à corporação que defende, o general Wala diz serem as “FAA responsáveis na
defesa das populações e da soberania, mas não se pode esquecer serem os
militares humanos, com defeitos e virtudes. Reconhecemos ter havido uma falha
humana, causadora de uma morte, mas este facto não pode colocar em cheque o bom
nome das Forças Armadas. Ela tem de ser investigada, para se saber das
circunstâncias”.
Questionado
se haveria justiça, foi peremptório: “Justiça haverá sempre! Ninguém está
acima da lei e devem os órgãos competentes averiguar o que e como tudo ocorreu.
Considero precipitado que muitos se queiram substituir aos órgãos da justiça,
que devem, sem pressão, fazer o seu trabalho. As FAA têm um papel importante e
responsável, por isso quando os seus membros cometem erros, estes devem ser
investigados no quadro legal, ao invés de serem na praça pública. Eu como
comandante de uma unidade de Luanda das FAA, fico triste, muito triste pelo
sucedido e, mais uma vez, vergo-me a família enlutada. Peço também aos
populares, aos verdadeiros patriotas, jornalistas e políticos de todos
quadrantes, que não coloquem mais fogo, lá onde devemos estar serenos e
lamentar a perda de uma vida humana”.
O
general Wala tem razão. Importa, contudo, recordar que não são os Jornalistas
que lançam mais fogo. A verdade não é incendiária. A verdade dói, é certo. Mas
só ela cura. E se uma criança é assassinada, cabe-nos dizer isso mesmo: uma
criança foi assassinada.
“Devemos
fazer tudo para evitar, que em tempo de paz, haja invasões de reservas do
Estado. Todos devemos cumprir as leis e evitar, também, que na reposição da
ordem haja mortes. Temos de saber lidar melhor com os agentes provocadores,
aqueles que não respeitam as forças de defesa e segurança, quando estão no seu
papel de garantir a ordem e tranquilidade social”, afirma o general.
Devemos,
sim senhor. Mas devemos ir mais longe dentro desse espírito de lealdade e
cumprimento da lei que o general Wala defende. Ou seja, todos devemos exigir
que todos cumpram a lei. Não há (será que não há, sr. General Wala?) cidadãos
de primeira e de segunda. Os angolanos fardados não podem valer mais, perante a
lei, do que um angolano esfarrapado pelas agruras da vida.
Não
foi fácil a obtenção destas considerações do general Carlitos Wala, ainda no
teatro das operações. Para além disso, o atraso na publicação deve-se, também,
ao facto de, no final, haver uma pressão do general para a sua não publicação,
alegando ser já bastante esclarecedor o posterior comunicado do Estado Maior
General das FAA, mas pela pertinência achamos que uma e outra são importantes e
se complementam.
Os
militares, como muito bem sabe o general Wala, têm o seu próprio código de
conduta. Nós, os jornalistas, também temos o nosso. Em síntese, o nosso código
diz-nos que se o jornalista não procura saber a verdade é um imbecil. E se sabe
a verdade e se cala é um criminoso. Por isso, certamente que o general Wala
entenderá, nós não somos nem imbecis nem criminosos e, por isso, também,
agradecemos a sua frontalidade, que desde já marca uma viragem positiva de um
verdadeiro oficial.
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