Inês
Cardoso* - Jornal de Notícias, opinião
Nasci
na zona do país que já foi classificada como a maior mancha contínua de
pinheiro-bravo da Europa. Conheço a angústia causada pelo toque insistente da
sirene dos bombeiros, o pânico perante o agigantar das chamas, o cheiro a
queimado colado à pele. Sei o que se sente ao tocar o tronco enegrecido de uma
árvore que plantámos. O meu avô começou a morrer no dia em que um incêndio
varreu a terra a que ele pertencia. Se fosse para escrever com emoção, seria
fácil. Mas as vítimas das chamas e dos seus danos merecem que se vá além da
emoção quando se aborda o tema.
É
tempo de ultrapassarmos os mitos. E o maior é o de que somos um país de
pirómanos e incendiários movidos por interesses económicos. Uma petição posta a
circular exigindo pena mais pesada para incendiários conseguiu em poucas horas
11 mil assinaturas. Mesmo lavrando em vários equívocos. A pena máxima do crime
não é de oito, mas pode ir até 12 anos. E havendo vítimas, entra noutras
molduras penais, nomeadamente homicídio por negligência - tivemos em 2014
incendiários condenados a 18 anos de cadeia.
Ao
noticiarem a petição, houve meios de comunicação a dizer que 75% dos fogos têm
"mão humana". O que é apenas uma meia verdade. A mão remete para a
intencionalidade. Têm, isso sim, origem humana. A principal causa dos fogos em
Portugal é a negligência: 56%, na média das causas apuradas na última década.
Também não somos um país de pirómanos. E o perfil traçado demonstra que são
escassos os fogos postos por motivos económicos. A maior parte nasce de vinganças
entre vizinhos ou outros motivos fúteis.
Há,
depois, o mito de que não temos conseguido definir uma política florestal. O
primeiro-ministro veio agora prometer que em setembro é de vez e será feito o
que nunca foi. A verdade é que só desde 2003, pior ano de sempre em área ardida
e vítimas mortais, foi feita mais de uma dezena de diagnósticos e produzida
abundante legislação com medidas transversais de ordenamento, fiscalização e
reorganização do combate.
Não
precisamos de mais diplomas ou estratégias. Precisamos que decisores políticos
e não só cumpram as leis que já existem. E desta vez, ao contrário de tantas
outras áreas em que podemos apenas bater em quem nos governa, precisamos mesmo
todos de agir. Incluindo os proprietários, porque é deles o primeiro dever de
cuidar do que é seu. E todos os que andamos pelas matas e nem sempre
identificamos os nossos próprios comportamentos de risco. Se isto se resolvesse
com mais prisão e mais leis, a tarefa estaria facilitada. Mas talvez seja
melhor pararmos de assobiar para o lado.
*Subdiretora
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