Pedro
Bacelar de Vasconcelos – Jornal de Notícias, opinião
Cumpriu-se
o primeiro aniversário das eleições legislativas de 4 de outubro de 2015. Foi
um ano que valeu a dobrar, portador de profundas mudanças, com verso e reverso:
365 dias para uns, 365 noites para outros. Esperançoso para muitos,
dececionante para uns poucos. No dia das eleições já ninguém defendia as
políticas de austeridade que o Governo anterior, durante quatro longos anos,
aplicara com fervor, como se fosse o único caminho para a redenção de um povo
pobre e indolente que gastou o que não tinha e vivia do que os ricos lhe
emprestavam. Com algumas medidas eleitoralistas e a muleta do Tribunal
Constitucional que ordenou a revogação dos "cortes" ilegais, algum
alívio conseguido deu até alguma verosimilhança às promessas desse Governo em
fim de mandato. E assim acabou a austeridade! Quer para aqueles que sempre a
rejeitaram quer para esses que agora a renegavam por se tornar desnecessária e,
sobretudo, inoportuna. Alguma ambiguidade, todavia, persistiu mas não chegou
para garantir o triunfo eleitoral do PSD e do CDS. Os partidos do anterior
Governo, apesar de se apresentarem coligados perante os eleitores, perderam a
maioria que lhes tinha assegurado quatro anos de governação arrogante e
solitária e de nada lhes valeu a tentativa de chantagem para impedir a formação
de um governo que desse voz à maioria que de forma inequívoca reclamava nas
urnas uma autêntica mudança política. Ao conteúdo literário do programa
eleitoral de uma PàF recém-renascida das cinzas da governação, sobrepôs-se a
memória sofrida do que antes tinham dito e feito.
O
primeiro sinal foi dado pela vitória do socialista Eduardo Ferro Rodrigues,
eleito Presidente da Assembleia da República a 23 de outubro de 2015, dia
inaugural da XIII Legislatura. E depois da rejeição parlamentar do programa de
Governo que Passos Coelho e Paulo Portas em vão teimavam impor - amparados com
desvelo pelo Presidente cessante, Aníbal Cavaco Silva - no dia 26 de novembro
tomava posse, finalmente, o Primeiro-Ministro António Costa. A 3 de dezembro,
dois meses depois das eleições, após o chumbo pela Esquerda parlamentar da
moção de rejeição intentada pelo PSD e CDS no termo do debate do programa do
novo Governo, iriam os socialistas assumir por fim a plenitude das suas
responsabilidades governativas. Contra ventos e marés, foi revogado o "estado
de exceção" imposto pela governação do PSD/CDS sobre o país que tinham transformado
num "protetorado internacional", pasto fértil dos mercados
financeiros e dócil cobaia da mais severa ortodoxia política e económica do
Partido Popular Europeu - a família política ainda dominante na Comissão e no
Conselho, que continua a hipotecar aos populismos da extrema-direita racista,
xenófoba, fascista e neonazi, muito do que ainda resta da herança cosmopolita,
generosa e solidária do velho projeto europeu. São eles a mais perigosa ameaça
à construção europeia, pela intransigência cega com que tentam impor mais
austeridade aos povos do Sul - fragilizados pelos efeitos assimétricos da
configuração incipiente da moeda única - e pela infinita complacência com que
admitem a restrição das liberdades, a violação do direito de asilo e a
indiferença face à tragédia dos refugiados, aos seus vizinhos do Centro da
Europa.
Uma
duplicidade atroz a que o Governo socialista e a maioria de Esquerda que o
apoia souberam responder vigorosamente, persistindo na correção das injustiças,
na promoção do emprego e na qualificação dos jovens, ao mesmo tempo que se
alargam consensos e concertam vontades entre os povos do Sul, para mudar as
políticas que estão a arruinar a União. E à noite sucedeu o dia. 365 dias em
que a transparência do confronto, a vivacidade do debate, a flexibilidade, o
compromisso e o sentido da responsabilidade política retomaram a sua
importância e dignidade, inscrevendo-se na normalidade da vida democrática. 365
dias em que o Parlamento assumiu um dinamismo e uma centralidade inédita na
nossa história constitucional. Um ano bastou para demonstrar que a alternativa
política é sempre possível, que a vontade do povo é soberana e que a força dos
regimes democráticos reside nos valores da liberdade, da justiça e da solidariedade.
*Deputado
e professor de direito constitucional
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