Ampla
reportagem com importantes entrevistas: Peter Kuznick, diretor do Instituto de
Pesquisas Nucleares da Universidade Americana (Washington); Annie Machon,
ex-oficial autodemitida do serviço de inteligência britânico MI5; Timo
Kivimäki, professor da Faculdade de Relações Internacionais da
Universidade de Bath (Inglaterra); e Catherine Shakdam, analista do sítio
norte-americano de notícias Mint Press, e diretora-adjunta do Beirut
Center for Middle Eastern Studies (Líbano)
Edu
Montesanti*
"Podemos
atacar [a Síria] quando quisermos. Eu decidi que os Estados Unidos devem tomar
ação militar contra alvos do regime sírio". Estas afirmações do
presidente norte-americano Barack Obama, proferidas em 31 de agosto de
2013, apontam hoje à mudança que vai além da guinada
radical do Prêmio Nobel da Paz de 2009 em relação ao discurso de sua
primeira campanha presidencial, em 2008: "Nenhum presidente deve ter o
poder de iniciar um ataque, quando não existe ameaça direta contra os Estados
Unidos". Obama decepcionou ao adotar, em geral, a
mesma "política externa" (eufemismo para crimes internacionais) coercitivo-expansionista de
seu antecessor na Casa Branca, George W. Bush, que falava "como o
dono do mundo" como dizia Hugo Chávez. E em alguns aspectos, Obama foi
além: nestes oito anos na Casa Branca, tem superado, em muito, os ataques
com drones de seu antecessor republicano. Ele mesmo havia dito, ainda
em 2013: "Alguns, certamente, vão discordar de mim, mas acho que os
Estados Unidos são excepcionais".
A
principal evidência observada nos discursos de Obama, e especialmente no
caso da Guerra Civil síria desde o inicio de setembro de 2013 quando os
EUA tiveram de recuar diante de uma Rússia que, interferindo imediatamente
buscando soluções diplomáticas conforme prevê a Carta das Nações
Unidas, impediu mais uma "intervenção humanitária" do
governo norte-americano que deseja repetir na Síria a
dose iraquiana, líbia e afegã, é que as relações internacionais já
não estão completamente rendidas à hegemonia de Washington, pelo
contrário: afirma-se um mundo multipolar que Tio Sam tenta,
a todo custo, evitar - ainda que seus métodos imperialistas
contrariem a própria Constituição (que desautorizam guerras de agressão), e
todas as leis internacionais. Em outubro deste ano, Washington manifestou a
disposição de impor uma zona de exclusão aérea na Síria, o que
fatalmente entraria em choque com as forças russas que atuam em conjunto
com as do exército sírio. Novamente, teve de recuar. O Kremlin
advertiu: aquilo seria considerado "clara ameaça" aos militares
russos, que derrubariam os jatos da OTAN. Segundo os russos,
os arquitetos do plano deveriam "considerar
seriamente as possíveis consequências" de suas ações, disse
então o Major-General Igor Konashenkov. Em ambos os casos, o mundo
pareceu na iminência de um confronto entre Estados e Rússia, as maiores
potências nucleares do planeta.
Essa
sucessão de revés norte-americano, somada ao fato de que os EUA - autores das
únicas bombas atômicas lançadas na história - e seu sistema excludente
e dominador precisam desesperadamente de inimigos a fim de justificar
expansão global à base da força militar, tem acentuado a nova Guerra
Fria. De acordo com todos os procurados pela reportagem para analisar
a escalada das tensões entre Estados Unidos e Rússia cujo epicentro é a Síria,
a Guerra Fria hoje - acirrada pela grande mídia ocidental, estende-se da
Ásia ao Leste Europeu - é ainda mais perigosa que a do século passado mesmo em
seus momentos ais críticos, com o agravante do risco ainda maior
de um confronto nuclear em comparação ao período anterior. Diversos outros
especialistas e centros de pesquisas internacionais apontam no mesmo
sentido hoje. E embora seja muito elogiado pelas promessas de campanha
de se aproximar da Rússia e reverter este sombrio
cenário global, o presidente norte-americano recentemente eleito, Donald Trump, traz
em seu histórico, no contexto de seus discursos, na equipe de governo que tem
montado e na própria realidade politicamente histórica de seu
país, sérias dúvidas se realmente seguirá por esse caminho.
Nova
(Velha) Guerra Fria: Epicentro e 'Conflitos Congelados'
Pela
primeira vez desde a crise dos "euro-foguetes" de 26 de setembro de
1983, o "dia em que o mundo quase morreu" segundo palavras do
escritor britânico e ex-editor do jornal The Sunday Times, os próprios EUA
e Rússia reconhecem oficialmente o risco de que o atual conflito diplomático
possa se transformar em um choque armado. No
entanto, pode-se dizer ainda que a Guerra Civil síria é
muito mais perigosa que qualquer momento da Guerra Fria, incluindo a
famosa Crise de Mísseis de Cuba de 1962. Hoje, o potencial de conflito nas
relações russo-americanas é maior do que na segunda metade do século passado.
Em
2011, Obama e Dmitri Anatolievitch Medvedev, então presidente
russo, assinaram o Tratado START 3 a fim de conter o avanço da OTAN e das
armas nucleares. Ainda assim, continuou a expansão da NATO, aumentaram as
tensões sobre a Síria e teve início a crise na Ucrânia, levando ao agravamento
das relações entre ambos os países e à introdução de sanções económicas e
políticas contra a Rússia. Em fins de julho de 2014, os EUA e a União
Europeia (UE) impuseram diversas sanções que afetam
tanto indivíduos quanto empresas e setores inteiros da economia
russa., pela crise ucraniana. Já a Rússia decidiu manter as sanções
contra os produtores agropecuários da Europa, e elaborou uma lista de mais
de 200 pessoas da UE e dos EUA para recusar-lhes de vistos de
entrada.
Para
o historiador norte-americano Peter Kuznick, diretor do Instituto de Pesquisas
Nucleares da Universidade Americana de Washington D.C., Obama adotou uma
política confusa, com acertos em importantes questões como no caso do
acordo nuclear com o Irã e, por outro lado como nas relações com a Rússia, tem
tido uma mentalidade retrógrada. "Ele e outros políticos pensam que
podem tratar a Rússia como Bush pai e Bill Clinton fizeram na década de 1990.
Levou algum tempo para que percebesse que Vladimir Putin não é Boris Yeltsin.
Yeltsin se dispunha a conceder quase tudo em favor dos EUA,
incluindo a perigosa expansão da OTAN mesmo que altos funcionários dos EUA
tivessem prometido a Gorbachev que não expandiriam a OTAN nem sequer
um polegar para o leste europeu. A OTAN agora se expandiu para mais 12 nações,
as duas últimas durante a administração de Obama". O acordo
estabelecia que, em contrapartida, a então União Soviética retiraria
suas 260 mil tropas da Alemanha Oriental para a reunificação da Alemanha, o que
efetivamente ocorreu.
Perguntado
se vivemos uma nova Guerra Fria, Kuznick é categórico na resposta: Há, sim, uma
nova Guerra Fria e a situação é muito perigosa agora. Ela tem sido
impulsionada em grande parte por Obama, Clinton e John Kerry, e esta Guerra
Fria está ativa há muitos anos". Talvez tenha começado em 2003 com a
invasão dos EUA ao Iraque. Talvez, em 2008 com o anúncio de Bush de que
desejava expandir a OTAN rumo à Geórgia e à Ucrânia. A Líbia foi um
grande golpe. Piorou em 2014 com o golpe em Kiev, seguido pela anexação da
Criméia e a guerra civil em Donbass". Para o historiador, esta atual
Guerra Fria é ainda mais perigosa que a vivida no século passado devido ao fato
que, naquela ocasião, ambas as partes respeitavam determinados limites, o que
não ocorre agora.
Annie
Machon, ex-oficial do serviço de inteligência britânico MI5, quem se
demitiu nos anos de 1990 pelos excessos em espionagem da entidade,
acrescenta que a nova Guerra Fria é produzida pelos Estados Unidos,
pois o regime de Washington precisa de inimigos "para
justificar o enriquecimento de seu complexo militar-industrial que
está afundando o país e brutalizando o mundo, enquanto enriquece as oligarquias
dos Estados Unidos em detrimento da sociedade civil em todo o mundo".
A afirmação de Annie de que aos Estados Unidos interessam uma nova Guerra Fria
com os russos, é também ratificada pelo fato de que o documento intitulado
"Estratégia Militar Nacional" dos Estados Unidos de 1995, pela
primeira vez, explicava o conceito de futuros conflitos com Rússia e China, bem
antes que Putin chegasse ao Kremlin. Para a ex-funcionária da inteligência
britânica, a atual Guerra Fria começa na Internet. "Agências de espionagem
ocidentais perceberam o potencial para o domínio total da internet, criando um
sistema de vigilância que a KGB ou Stasi [inteligência da Alemanha
Oriental] nem sonhava em ter. Graças a Edward Snowden, estamos
começando agora a nos dar conta do horror cheio da vigilância sob
a qual vivemos hoje".
Para
Catherine Shakdam, analista do sítio norte-americano de notícias Mint
Press e diretora-adjunta do Beirut Center for Middle Eastern Studies,
no Líbano, é inevitável uma nova Guerra Fria dado que os EUA fazem valer seus
interesses econômicos à base da força militar em todo o mundo. "A
realidade dos EUA que devemos perceber atua para alinhar nações de
acordo com seu próprio paradigma, de modo que todos os povos venham a
reconhecer o país como uma matriz sócio-política
excepcional. O excepcionalismo dos Estados Unidos, há muito,
transcendeu as leis e o sistema político: tornou-se uma perigosa
forma de fascismo". Para Catherine, o país é hoje muito mais
perigoso que em várias décadas. "Antes, sua fome de poder era menor, sua
arrogância ainda estava retida, seu excepcionalismo ainda não havia sido
institucionalizado".
Kuznick
considera que a Guerra Fria hoje tem três principais frentes: a da Urânia e da
Crimeia, que para ele não se trata de conflitos esquecidos mas sim "congelados",
que devem voltar a ser "quentes" a qualquer momento, e os outros dois
ainda mais perigosos, o da própria Síria e o dos Estados bálticos e da Polônia.
No primeiro caso, a grande dificuldade em se encontrar solução, segundo o
historiador, reside na recusa de Kiev em implementar o Protocolo de Mink que,
assinado por lideranças russas, ucranianas e as da República de
Donetsk (região ucraniana pró-Rússia, falante da língua russa), visa cessar
fogo e descentralizar o poder na região, entre outras importantes medidas em
busca de soluções pacíficas. No segundo, vê com preocupação o fato de que
Washington insista em fornecer armas a grupos terroristas como a Al-Nusra,
afiliada local da Al-Qaeda. "Essas armas acabam parando nas mãos de
membros do Estado Islamita e da própria Al-Qaeda", pontua Kuznick. No
terceiro caso, ele observa o quanto é preocupante o fato de que a OTAN
tenha colocado tropas, tanques e outros equipamentos militares na fronteira da
Rússia. "A Rússia respondeu colocando seu sistema anti-mísseis S-400 ,e
seu sistema de mísseis nuclear de Iksander em Kaliningrado, um pequeno enclave
entre a Polônia e a Lituânia".
Neste
sentido, enquanto lideranças da União Europeia recentemente acusaram o Kremlin
de ser "assertivo" e que, por esta razão, deveria ser punido
através de sanções econômicas, Annie responde: "Sim, a Rússia tem
retaliado e realizado tarefas fronteiriças. A liderança deve ser
vista como atuante, de outra maneira parecerá fraca e que não protege seu
próprio povo. Portanto, a postura russa pode ser 'assertiva', mas não
'agressiva'". Catherine concorda: "O único 'crime' da Rússia tem sido
o de resistir aos Estados Unidos, mestres na arte de enganar quando o assunto é
guerra!".
Diversos
analistas internacionais afirmam que a retórica anti-russa e
anti-Putin de hoje por parte de Washington e dos grandes meios de comunicação
norte-americanos, ultrapassam o discurso de ódio da era de McCarthy.
"No entanto, as máquinas de propaganda habilitadas pelos meios de
comunicação dos EUA justificam tudo isso e demonizam outro país, criando mais
um novo bicho-papão para justificar ainda mais gastos com 'defesa'", diz
Annie. Kuznick destaca que"o New York Times, o Washington Post e
as elites de política externa dos Estados Unidos, neoconservadoras e neoliberais,
estão pressionando para o confronto com a Rússia".
Bombas
Químicas na Síria: Made in USA
A
Síria, epicentro da atual Guerra Fria, já era durante os primeiros anos da
administração de Bush filho um dos países que faziam parte dos planos de
'intervenção humanitária" Estados Unidos a fim de efetuar uma
"troca de regime", o que é proibido pela Convenção de
Genebra. O general norte-americano Wesley Clark, comandante da OTAN
durante a Guerra de 1999 na Iugoslávia, revelou à rede de
notícias norte-americana Democracy Now! que Washington planejava
invadir sete países em cinco anos, cuja lista era esta, pela ordem:
Iraque, depois a Síria, Líbano, Líbia, Somália, Sudão e, por fim, o
Irã.
Na
mesma época, dava-se a infiltração secreta e bilionária da CIA em solo sírio.
Segundo cabo secreto liberado por WikiLeaks emitido em abril de 2009
por Maura Connelly, então embaixada dos EUA na Síria, de 2005 a
2010 os EUA enviaram, secretamente, 12 bilhões de dólares à oposição
síria, e financiou instalação de canal de TV via satélite, transmitindo
dentro do país programas contra o regime de Bashar al-Assad. Em determinado
trecho, o cabo diz que com o financiamento, "realizou-se várias
oficinas para um seleto grupo de ativistas sírios, sobre 'mobilização
estratégica'".
Pois
a questão mais controversa para se encontrar saídas para o genocídio na Síria
hoje é: para derrotar o Estado Islamita é necessário derrubar o presidente
Bashar al-Assad? Os Estados Unidos, a OTAN e a mídia predominante garantem que
sim, em contraposição à Rússia, a diversos outros países e a analistas
internacionais. Pois os fatos a seguir respondem esta questão.
Em
maio de 2013, Carla del Ponte, uma das inspetora da ONU na Síria, afirmou que
terroristas locais denominados "rebeldes moderados" pelos Estados
Unidos e pela OTAN, estavam fazendo uso de armamentos químicos em território
sírio. No documento de 11 de dezembro de 2012, intitulado Terrorist
Designations of the al-Nusrah Front as an Alias for al-Qa'ida in Iraq, o
Departamento de Estado dos Estados Unidos reconhece que os "rebeldes
moderados" incluem terroristas da Al-Nusra.
Em
9 de dezembro do mesmo ano, a CNN havia reportado: "Os Estados Unidos e
alguns aliados europeus estão usando empreiteiros da defesa para treinar
rebeldes sírios na proteção dos estoques de armas químicas na Síria, disseram à
CNN um alto oficial dos EUA e vários diplomatas" (reportagem
intitulada Sources:
U.S. helping underwrite Syrian rebel training on securing chemical weapons).
Posteriormente,
diversos jornais internacionais e agências de notícias como a Associated
Press divulgariam tal fato, para logo se esquecer. A Associated Press noticiou em
31 de agosto de 2013 que "há muitas brechas na Inteligência dos EUA,
incluindo quem ordenou o uso de armas químicas e onde elas podem estar
agora". O britânico The Guardian reportou no mesmo dia que
"os EUA agem baseados na Inteligência israelense, a qual, supostamente,
interceptou comunicações na Síria. Israel é inimigo declarado da Síria,
importante peça nos interesses regionais sionistas".
Essas
armas são fornecidas secretamente pelos EUA por meio de países como Jordânia,
Turquia, Catar e Arábia Saudita, revelada por alguns meios, entre eles o New
York Times em 24 de março daquele ano (Arms Airlift to Syria Rebels
Expands, With Aid From C.I.A.). Em 8 de dezembro de 2012, o mesmo New York
Times já havia publicado que tais "rebeldes" pertencem à
Al-Nusra (Syrian Rebels Tied to Al Qaeda Play Key Role in War).
Sobre
isto, Catherine lembra que "o fato de que Washington se sente com o
direito de se alinhar a esses poderes para acelerar sua agenda no Oriente
Médio, demonstra o quanto os EUA têm
aumentado sua periculosidade". Para Timo Kivimäki, professor de
Relações Internacionais da Universidade de Bath na Inglaterra, deter
a alegada "proteção de civis" que, sob pretexto de "efeito
colateral" acabou matando até agora mais de 400 mil pessoas na
Síria, depende "unicamente do enfraquecimento da
justificativa humanitária do intervencionismo norte-americano".
As
acusações das grandes potências ocidentais, de que Assad ataca com armas
químicas, nunca foi comprovada.
Possibilidades
e Consequências de Confronto Nuclear
Segundo recente
estudo do instituto norte-americano Bulletin of the Atomic
Scientists divulgado em setembro de 2016, "mais de
quatro-quintos dos republicanos e quase metade dos democratas entrevistados
disseram que apoiariam a destruição nuclear de Teerã, se o Irã atacar um
porta-aviões dos EUA matando seus mais de 2 mil tripulantes. Os
entrevistados apoiaram esta ação, mesmo considerando que ela mataria 20
milhões de iranianos". O Bulletin possui em seu sítio na
Internet um medidor do risco de ataque nuclear, chamado Doomsday
Clock (Cronômetro do Dia do Juízo). Neste ano, o
cronômetro apresentou o índice mais grave desde 1953. Risco igual, apenas
em 1984. "A probabilidade de catástrofe global é muito alta, e as ações
necessárias para reduzir os riscos de desastre devem ser tomadas muito em breve. Essa
probabilidade não foi reduzida. O cronômetro marca. O perigo
global perturba. Os líderes sábios devem agir imediatamente", diz o
indicador.
Para
Kuznick concorda que é muito sério o risco de confronto nuclear entre EUA
e Rússia, cujas tensões são as piores em 54 anos. "O que Kennedy e
Khrushchev aprenderam durante a Crise de Mísseis de Cuba [1962] é que, uma vez
que uma crise se desenvolve, ela rapidamente perde
o controle. Apesar do fato de que ambos estavam tentando
desesperadamente evitar uma guerra nuclear em 1962, eles perceberam que tinham
perdido o controle. Não foi um estado de espírito brilhante que nos
salvou, mas sim uma pura e estúpida sorte. Eles se moveram, depois disso,
para eliminar qualquer conflito que pudesse causar outra crise. Essa foi a
iniciativa de Khrushchev, e Kennedy finalmente respondeu
positivamente. Existem agora várias situações que poderiam sair do
controle. Se isso acontecer, elas podem aumentar sem que ninguém
queira. Quem retrocede? Quem aceita a derrota? Putin? Trump? Precisamos
desarmar todas as crises antes de chegarem a esse ponto".
Kuznick
lembra que das 15.300 armas nucleares no mundo, 95% ou mais são
controlados pelos EUA e pela Rússia. É estimado que os russos possuam
arsenal maior e mais potente, embora tais valores sejam sempre muito ocultados
pelos possuidores de tais armas. O diretor do Instituto de Pesquisas
Nucleares da Universidade Americana, quem tem dado palestras e concedido
entrevistas em todo o mundo sobre os riscos de guerra nuclear, observa ainda
que "a maioria das armas nucleares hoje são de 8 a 80 vezes
mais poderosa que a bomba lançada sobre Hiroshima". Kuznick questiona:
"O que aconteceria se houvesse uma guerra nuclear relativamente
pequena? Sabemos que, se as cidades fossem queimadas, produziriam tanta
fumaça que os raios solares seriam bloqueados e os temperaturas cairiam abaixo
de zero por muitos anos. Humanos e grandes animais morreriam já
que a agricultura seria destroçada. Toda a vida no planeta estaria
ameaçada".
"A teoria do inverno nuclear que os cientistas desenvolveram nos anos de 1980 foi atacada e amplamente ridicularizada. Mas os últimos estudos mostram que os cientistas estavam apenas errados em subestimar a enormidade dos danos". Peter Kuznick mostra que a destruição causada por um confronto nuclear é pior do que se pensava na década de 1980. "Embora haja muito menos armas nucleares agora do que as 70 mil que já existiram, há muito mais que o suficiente para causar o inverno nuclear. Esse é o desafio para a nossa espécie. Devemos evitar conflitos e guerras que possam levar à guerra nuclear. Trump entende isso? Espero que sim".
Diante
deste cenário, a analista internacional, Catherine Shakdam, afirma:
"Eu diria que, enquanto Washington tem feito birras internacionalmente,
Moscou tem sido um estrategista brilhante".
Trump
e Putin: Perspectivas de Paz?
Putin
e Trump tem trocado elogios bem antes da vitória do republicano nas eleições
presidenciais de novembro deste ano. No dia 16, pouco mais de uma
semana após a vitória, Trump e Putin falaram-se por telefone visando a uma
cooperação construtiva durante entre ambos os países nos próximos anos. O
senador republicano John McCain, congressista mais financiado pela
indústria armamentista, afirmou seguindo a retórica midiática e dos altos
escalões da política de seu país: "Devemos depositar tanta fé em
declarações como aquelas feitas por um ex-agente da KGB que mergulhou seu país
na tirania, assassinou seus oponentes políticos, invadiu seus vizinhos, ameaçou
os aliados dos Estados Unidos e tentou minar as eleições
americanas".
Londres
afirma que pressionará Trump até que assuma a presidência em janeiro, para que
não se aproxime de Putin. A conversa de ambos gerou crise diplomática
entre o país europeu e o norte-americano. Políticos locais admitiram
que os britânicos travarão conversas "muito difíceis" com o
presidente eleito nos próximos meses sobre sua abordagem à Rússia. Londres
também critica as considerações de Trump, de que "a OTAN
não é um presente que os Estados Unidos possam continuar dando à Europa",
afirmando que os aliados europeus deveriam aumentar a participação financeira.
O Ministério das Relações Exteriores britânico, Philip
Hammond, passará os próximos dois meses tentando convencer os altos
responsáveis da equipe de Donald Trump a não priorizar a luta contra os
terroristas islamitas na Síria. Em 13 de novembro, em resposta a Trump, o
secretário-geral da OTAN, Jens Stoltenberg, escreveu artigo no jorna
britânico The Observer ressaltando a importância da aliança que
representa, a fim de fazer frente à "ameaça" russa.
Kuznick diz
que concorda com o novo presidente eleito de seu país, que a OTAN tem
sobrevivido em cima da inutilidade. "De fato, o mundo teria sido melhor se
[Harry] Truman [presidente norte-americano de 1945 a 1953] nunca tivesse
criado a OTAN. No mínimo, a OTAN hoje precisa reverter a recente expansão
militar, e abandonar os planos de enviar milhares de soldados para os países
bálticos". Por outro lado, não surpreende que exatamente o governo
britânico, maior aliado de Washington em todas as empreitadas
belicistas, seja o maior cliente da indústria armamentista local, de
propriedade privada. Conforme estudo recente do Stockholm International
Peace Research Institute, o apoio de Londres à produção e ao comércio de armas,
através do subsídio direto e indireto, é muito desproporcional em relação
à sua importância econômica.
Boas
relações dos Estados Unidos com a Rússia dependem de se levantar as
sanções econômicas ocidentais contra os russos, retirar as tropas de zonas
provocativas (o arco de antigos parceiros soviéticos que se estende dos Estados
Bálticos ao Mar Negro), abandonar o escudo antimísseis balísticos no
Leste Europeu (Romênia, e construindo atualmente na Polônia), reconhecer o
referendo popular da Crimeia, neutralizar a Ucrânia, e estabelecer um grupo de trabalho
russo-norte-americano a fim de resolver os conflitos na Ossétia, Transnítria,
Abecásia e no Alto Carabaque.
No
Oriente Médio, particularmente na Síria, para manter as promessas de se aliar à
Rússia no combate aos terroristas (até agora armados também pelos próprios
Estados Unidos e aliados) Trump terá que contrariar diversos parceiros
importantes, entre eles Israel e Arábia Saudita. O presidente Bashar
al-Assad tem se mostrado animado com apoio dos Estados Unidos, prometido por
Trump."Está "pronto" a cooperar com o Presidente eleito dos EUA
Donald Trump", disse Bouthaina Shaaban, assessora do presidente sírio para
a National Public Radio dos Estados Unidos no dia em que Trump foi
eleito presidente, em 8 de novembro deste ano.
Trump
não tem experiência política, nunca ocupou nenhum cargo político,
apresenta inúmeras contradições em seus discursos (cujo contexto
possui essência claramente imperialista) e não tem conhecimento de
política externa, devendo contar para isso com seus assessores. Os nomes
de escolhidos por ele para a equipe de governo são ultraconservadores
e defensores de sanções contra a Rússia (como Jeff Sessions, escolhido para ser
procurador geral), além daquilo que se costuma denominar de hawks,
isto é, defensores da continuação da
"política" imperialista dos Estados Unidos apoiando-se no uso da
força militar a fim de impor seus interesses econômicos e
geoestratégicos. "Ninguém sabe o que Trump vai fazer - e provavelmente, nem
ele mesmo", afirma Kuznick. "Ele adotou o uso da tortura. Expressou o
desejo de manter a prisão de Guantánamo. Ameaçou não apenas matar
terroristas, mas também suas famílias. Tudo isso violaria o direito
internacional", completa.
Annie
não vê perspectivas animadoras enquanto o mundo não se afirmar como
multipolar, ao que a Rússia tem desempenhado papel fundamental. "As
economias dos Estados Unidos e do Reino Unido dependem fortemente do
comércio de armas, pelo que requerem um estado de guerra perpétua. O terrorismo
internacional, de alguma forma, contribui com isso, mas para a
construção de uma figura do inimigo, a Rússia é a melhor aposta histórica,
daí a demonização de Putin". Realmente, nada indica que Trump, por
inaptidão ou falta de vontade política, mudará este cenário de III Guerra Mundial
sob sério risco de ataques nucleares.
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