Dani
Ferreira, em CGN
Em
primeira reportagem de série sobre violações aos direitos humanos na Palestina,
Ponte entrevista menina de 14 anos que passou 4 meses numa prisão em Israel
Eu
estava andando para a escola quando um carro da segurança do assentamento
tentou me atropelar. Eu desmaiei. Quando acordei, havia uma faca do meu lado e
eu estava cercada de pessoas perguntando porque eu tinha uma faca. Fizeram de
um jeito que era para parecer que eu tinha uma faca. Eu estava algemada no chão
e eles me chutavam e gritavam comigo o tempo todo. Eu falei para eles que eu
não tinha uma faca.*
A
menina K. tinha 14 anos quando isso aconteceu em uma manhã de dezembro de 2015.
A criança foi detida e oito dias depois a corte militar israelense a condenou a
4 meses de prisão e pagamento de 5 mil shekels (cerca de R$ 4.300). Em 2015
houve um aumento no número de crianças palestinas presas após a onda de
violência iniciada em outubro. Segundo a ONG Adameer, 156 menores foram presos em
2014 e outros 470 só em 2015; 2016 terminou com 400 menores palestinos presos
por autoridades israelenses, meninos em sua maioria.
Levantamento
de outra instituição, a ONG Defense For Children International – Palestina (DCI
– Defesa de Crianças Internacional, em tradução livre) mostra que 2016 foi o
ano com mais mortes de crianças palestinas por forças israelenses da última
década: 32 mortos na Cisjordânia e Jerusalém Oriental.
Os
palestinos que vivem na Cisjordânia estão sob as leis militares israelenses
desde 1967, quando o território foi ocupado na Guerra dos Seis Dias. Já os
colonos que moram em assentamentos estão sujeitos ao sistema legal civil de
Israel. As leis militares aplicadas na Cisjordânia permitem que uma criança a
partir de 12 anos seja presa. Dos 12 aos 13 anos, palestinos estão sujeitos a
uma pena máxima de 6 meses; dos 14 aos 15, são potenciais 12 meses na prisão,
com a exceção de crimes com sentença de 5 anos ou mais. Em 2011, o comando
militar israelense aumentou a maioridade em seu sistema dos 16 para os 18 anos.
Entretanto, palestinos na faixa de idade de 16 a 17 ainda são sujeitos às
mesmas sentenças que adultos.
Segundo
a ordem militar 1651, atirar “objeto, incluindo uma pedra” em uma pessoa,
propriedade ou veículo, com a intenção de causar danos, pode levar a uma
sentença de até 10 ou 20 anos de prisão. A razão mais comum para a prisão de
crianças é justamente a acusação de atirar pedras em alvos militares ou
assentamentos.
Naquela
manhã, K. diz que foi retirada do chão por um segurança que, ao colocá-la no
carro, bateu sua cabeça fortemente contra o veículo. “Ele estava falando muitos
palavrões e coisas muito feias em árabe. Eu fiquei muito nervosa e respondi
para ele”, conta a menina, em entrevista realizada pela Ponte em
novembro do ano passado. Ela foi levada para outra estrada, dentro do
assentamento, onde foi colocada no chão novamente e interrogada por cerca de 30
minutos.
Depois,
soldados vendaram a criança e a colocaram em um jipe, em direção a alguma
instalação militar, onde ela foi interrogada durante horas por dois homens que
gritavam e a ameaçavam, dizendo que iriam demolir sua casa. Continuavam
repetindo que K. tinha uma faca e que ela deveria confessar. “Eles me
pressionaram muito, então eu falei que tinha uma faca. Eles me fizeram assinar
uns papéis em hebraico”.
Segundo
a ONG DCI – Palestina, a cada quatro crianças presas, três sofrem algum tipo de
violência física durante a prisão, transporte ou dentro de bases militares.
Além disso, segundo relatório da instituição, frequentemente a confissão
dos supostos crimes é obtida de forma coercitiva e essa geralmente é a
evidência utilizada.
Já
era o final da tarde quando militares mediram a altura e o peso de K., que foi
vendada novamente. Sem comida ou água, ela lembra que acordou apenas no dia
seguinte, quando foi transportada para outro local.
Me
colocaram dentro de um veículo, num lugar que parecia um caixão, do tamanho do
meu corpo. Me deixaram lá no escuro. De tarde, comecei a gritar porque queria
ir no banheiro, mas não me ouviram. Por volta das 18h me deixaram ir ao
banheiro. Não trouxeram comida para mim e minha família ainda não sabia de
nada. Eu estava no Kishon [centro de interrogação entre as cidades de
Haifa e Nazaré, também conhecido pelos palestinos como Al-Jalameh].
Israel
é signatário da Convenção sobre os Direitos da Criança, que estabelece que
nenhuma criança será “submetida a tortura ou a penas ou tratamentos cruéis,
desumanos ou degradantes”, além de afirmar que a detenção ou prisão de uma
criança “serão utilizadas unicamente como medida de último recurso e terão a
duração mais breve possível”.
Em
2013, o UNICEF publicou um relatório chamado “Crianças em detenção militar israelense: observações e
recomendações“, com 38 orientações às autoridades em relação às violações
perpetradas. Concluiu-se que “os maus-tratos de crianças palestinas no sistema
de detenção militar israelense é generalizado, sistemático e
institucionalizado”. Em 2015, o UNICEF lançou boletim atualizando o documento,
afirmando que houve avanços, mas reforçando a necessidade de melhorias.
“A
pior parte era o caixão”
A Ponte entrou
em contato com a embaixada de Israel no Brasil sobre os dados da DCI e do
Unicef e recebeu um comunicado do vice-cônsul geral em São Paulo, Fares Saeb. O
documento afirma que “Israel, o governo e as forças de segurança estão tomando
todas as medidas para prevenir vítimas civis e desarmadas”. O vice-cônsul citou
ataques com facas realizados por crianças como “resultado de décadas de
incitamento do sistema educacional palestino, incluindo escolas administradas
pela UNRWA” [Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da
Palestina, estabelecida em 1949].
O
comunicado também menciona ações humanitárias de Israel e de entidades
israelenses, e cita ações do Hamas na Faixa de Gaza. “Queremos ver crianças
estudando e brincando em escolas e parques, não se escondendo dos foguetes do
Hamas e sendo treinados em campos de verão militares desta organização
terrorista”, afirma a nota do vice-cônsul (veja a íntegra abaixo). Os
questionamentos sobre violações cometidas por Israel na Cisjordânia,
entretanto, não foram respondidos.
Após
o relatório de 2013 do Unicef, o conselheiro legal das Forças Armadas de Israel
enviou carta a todos os comandantes de unidades reforçando os procedimentos
existentes, entre os quais: vendas devem ser utilizadas somente quando
necessário por questões de segurança; a família deve ser notificada
imediatamente da prisão, e a criança deve ser transferida para as autoridades
competentes.
A
mãe de K. ficou sabendo do que ocorreu com a filha pela internet, algumas horas
depois da detenção. A garota viu sua família apenas no terceiro dia, por cinco
minutos, durante audiência na corte militar Salem, próxima à cidade palestina
de Jenin. Durante os oito dias em que esperou sua sentença, K. foi transportada
para audiências três vezes. Ela diz que ela e outras crianças tinham que gritar
toda vez que queriam água e que não era possível comer as refeições servidas,
pois a comida estava estragada.
A
viagem entre o centro de detenção Kishon e a corte Salem dura cerca de uma hora
e meia, em condições normais. Quando teve de fazer o trajeto, entretanto,
K. demorou o dia todo, pois o veículo parava na estrada
frequentemente. As condições de transporte dos presos palestinos são um aspecto
adicional das violações às quais eles são submetidos. O veículo descrito por K.
tinha divisões dentro dele que variam em número conforme o tamanho do caminhão.
A pessoa viaja como se estivesse em um caixão, mas sentada.
A
pior parte era ser colocada naquele “caixão” toda vez que ia para a corte. Era
um lugar muito apertado, cabem apenas duas pessoas. Dava para ver alguma luz
pela porta. Um dia, colocaram um cachorro dentro do veículo. Ele estava latindo
e ficamos muito assustadas. Quando viram que estávamos chorando, levaram o
cachorro embora.
A
transferência de presos de um território ocupado é proibida pela 4ª Convenção
de Genebra, conjunto de normas para a proteção da população civil em tempos de
conflitos armados, da qual Israel também é signatário. Além de violar o direito
internacional, tal deslocamento de detentos dificulta a visita dos familiares,
que precisam requisitar autorização para entrar em Israel, onde a maioria das
prisões estão.
Por
“questão de segurança” as autoridades israelenses não permitiram que os pais de
K. a visitassem na prisão Hasharon, para onde foi transferida. Durante o tempo
em que ficou lá, a menina recebia apenas a visita da irmã mais velha a cada
duas semanas. “Foi muito triste. Eu só pensava no momento em que a veria de
novo. A pior coisa era quando a irmã ia visitá-la e eu não podia. Fui até
o checkpoint três vezes, mas eles negavam a minha entrada”, diz a mãe
de K.
A
garota conta que havia 30 detentas em Hasharon na época e 12 eram menores de
idade. Lina, palestina de cerca de 40 anos que está presa há 15, cozinhava e
cuidava delas. K. diz que ainda mantém contato com algumas das meninas que
cumpriram sentença com ela. “Nós nos apoiávamos muito. Eu pensava muito na
minha família, nos meus irmãos, no que eles estavam fazendo”, conta.
A
rotina na prisão consistia de orações e estudo de árabe de manhã até 14h,
quando almoçavam a refeição preparada por Lina. De tarde, arrumavam os quartos
e podiam brincar. Às 18h, militares faziam a contagem e checavam as paredes dos
quartos com martelos, procurando por buracos ou túneis. Às 22h, todas se
recolhiam.
A
menina foi liberada em abril de 2016. Cumpriu “4 meses menos um dia” de
sentença, pois foi liberada um dia antes – sem avisar sua família, as
autoridades simplesmente a deixaram no checkpoint Jabara, no norte da
Cisjordânia. Ela pediu ajuda a dois desconhecidos, que ligaram para seus pais
irem buscá-la.
A
mãe de K. resume a prisão da filha da seguinte forma: “Eu e o pai dela sabíamos
que ela é uma menina forte. Isso apenas a tornou mais forte ainda. ” Sobre sua
vida agora, K. fala com uma firmeza assombrosa, demonstrando a resiliência de
quem vive em um lugar onde as violações de direitos são regra. “Está normal,
voltei para a mesma escola e minha vida está de volta ao normal”, diz. “Nada
mudou. Foi um período, já acabou”.
Leia
a nota assinada pelo vice-cônsul geral em São Paulo, Fares Saeb
Israel,
o governo e as forças de segurança estão tomando todas as medidas para prevenir
vítimas civis e desarmadas.
No
último ciclo de violência e atentados palestinos em 2016, jovens de até 12 anos
de idade realizaram ataques com facas contra civis e forças de seguranças
israelenses. Este é o resultado de décadas de incitamento do sistema
educacional palestino, incluindo escolas administradas pela UNRWA (Agência das
Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente),
que glorifica ações violentas e terroristas contra os israelenses,
encorajando-os a “agir” para se tornarem “heróis”.
Um
triste exemplo é o ataque terrorista de Hasan Manasra, de 15 anos de idade, e
Ahmad Manasra, de 13 anos de idade, que esfaquearam um garoto israelense de 13
anos, que ficou gravemente ferido. Logo depois, perseguiram, com facas nas
mãos, outro israelense. Hasan foi baleado e parado por um oficial de segurança
que estava no local.
Essas
crianças deveriam estar na escola, mas a incitação da autoridade palestina e do
HAMAS é responsável pelas vítimas de ambos os lados (vídeo do ataque: http://news.walla.co.il/item/2897851).
Infelizmente,
testemunhamos muitos ataques e tentativas como essa em 2015 e 2016.
Agências
governamentais e ONGs israelenses estão atuando em todo o mundo para ajudar e
resgatar pessoas em zonas de desastre, zonas de conflito e refugiados, em
lugares como África, Europa, Ásia e Oriente Médio, inclusive ajudando
palestinos e crianças palestinas em necessidade.
A
ONG “Save a child heart” (SACH) conseguiu ajudar mais de 4000 crianças com
problemas cardíacos a receber tratamento e cirurgias em hospitais israelenses,
incluindo crianças palestinas. Nosso ministro do Interior autorizou a absorção
de crianças órfãs sírias, sobreviventes da guerra síria, em Israel.
Queremos
ver crianças estudando e brincando em escolas e parques, não se escondendo dos
foguetes do HAMAS e sendo treinados em campos de verão militares desta
organização terrorista. Gostaríamos de ver Gaza construindo escolas, hospitais
e criando infraestrutura, não túneis de terror e mísseis. Queremos que os
ataques terroristas parem, pois, assim, não será necessário nenhum posto de
controle em qualquer lugar. Desejamos que a Autoridade Palestina volte para a
mesa de negociações, negociações diretas, para alcançar a paz que todos nós
precisamos para o futuro dos nossos filhos.
Foto:
Polícia israelense prende menino de 11 anos acusado de atirar pedras em
Jerusalém Oriental | Foto: Majd Gaith/Human Rights Watch
Seguem
alguns anexos:
Save a child heart
http://www.saveachildsheart.com/
Save a child heart
http://www.saveachildsheart.com/
Graduação
palestina do jardim de infância
https://www.facebook.com/NYPost/videos/10157719122870206/
https://www.facebook.com/NYPost/videos/10157719122870206/
Acampamento
de verão para jovens do HAMAS
http://www.telegraph.co.uk/news/worldnews/middleeast/gaza/11789734/Young-Palestinians-graduate-from-Hamas-summer-camp-in-pictures.html
http://www.telegraph.co.uk/news/worldnews/middleeast/gaza/11789734/Young-Palestinians-graduate-from-Hamas-summer-camp-in-pictures.html
Ataques
terroristas contra israelenses
http://mfa.gov.il/MFA/ForeignPolicy/Terrorism/Palestinian/Pages/Wave-of-terror-October-2015.aspx
http://mfa.gov.il/MFA/ForeignPolicy/Terrorism/Palestinian/Pages/Wave-of-terror-October-2015.aspx
(*) A
repórter Dani Ferreira viajou à Palestina como participante do Paepi (Programa de
Acompanhamento Ecumênico na Palestina e em Israel)
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