sexta-feira, 12 de maio de 2017

AS VISÕES QUE O ESTADO NOVO SILENCIOU


Carlos Alberto diz que viu Nossa Senhora nove vezes. O caso encheu as primeiras páginas de muitos jornais nacionais em 1954. O vidente tinha 11 anos, foi observado por psiquiatras, esteve na casa do diretor da cadeia de Alcoentre e foi inquirido por autoridades civis e religiosas. A censura proibiu a circulação de um livro que relata o sucedido e a PIDE abriu um processo, pouco depois de Portugal ter perdido um enclave do império colonial na então Índia portuguesa. O culto continua, 63 anos depois

No domingo 16 de maio de 1954, a professora da escola da Asseiceira decidiu dar uma aula suplementar à sua dezena de alunos que iria fazer exame de instrução primária em julho. Como estava doente, os miúdos sentaram-se nas escadas exteriores da casa de D. Manuela. “A dada altura, o Carlos Alberto pediu para se ausentar, veio para este terreno onde havia árvores, silvas e um valado. Quando regressou, disse que tinha visto Nossa Senhora e que ela iria voltar a 16 de junho. Nenhum de nós duvidou. Nem a professora”, lembra Manuel Carreira, 74 anos, colega de escola e companheiro de brincadeiras de Carlos Alberto.

A família do Carlos Alberto vivia em “condições de pobreza extrema”, diz Manuel Carreira: “Eu estou a andar mais de 60 anos para trás e a ver-me aqui miúdo, descalço o ano inteiro. A escola era uma casa de telha vã, num primeiro andar, tinha vidros das janelas partidos e, no inverno, nós levávamos latas com brasas para nos aquecermos. Hoje... ninguém consegue imaginar como era”.

“Nessa altura [em maio de 1954], o Carlos Alberto morava nos Casais dos Quintinos, a dois ou três quilómetros daqui. Levava uma lancheirinha para a escola e à hora de almoço ia a minha casa aquecer a comida. Éramos muito próximos”, acrescenta o amigo.

CENTENAS DE PESSOAS NA SEGUNDA VISÃO

No dia 16 de junho de 1954 juntaram-se na Asseiceira centenas de pessoas. Muitas mais do que as que viviam naquela pequena aldeia à beira da Estrada Nacional nº 1, a menos de 80 quilómetros de Lisboa e de Fátima. As pessoas vieram a pé, de burro pelos campos e juntaram-se no terreno onde o vidente teve a primeira visão por volta do meio-dia solar.

Manuel Carreira não viu Nossa Senhora mas viu o amigo entrar em transe e começar a falar com o loureiro. E ouviu gente a dizer que estava a ver alguma coisa. Os habitantes da aldeia improvisaram um altar e começaram a rezar o terço todos os dias “à noitinha”. Ainda o rezam todos os dias.

Nesta altura, Carlos Alberto começou a ser interrogado pelas autoridades locais, civis e eclesiásticas. A visão de 16 de julho foi objeto de manchetes e reportagens de boa parte da imprensa nacional. Os relatos dos jornais estimam que tenham acorrido à Asseiceira entre 20 a 30 mil pessoas [consoante os títulos], vindas de todo o país, para assistirem à terceira visão de Nossa Senhora.


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