Alerta:
Google, Facebook e Amazon tentam impor, via Organização Mundial do Comércio,
regras que criam monopólio, devastam direitos trabalhistas e anulam direito à
privacidade
Deborah
James, na Alainet |
Tradução: Luiza Mançano, no Brasil de Fato | extraído por PG de Outras Palavras
As
empresas transnacionais (ETNs) estadunidenses focadas em tecnologia de ponta
representam atualmente cinco das sete maiores empresas do mundo, com
domínio em informação (com o Google em segundo lugar), mídias (Facebook em
primeiro lugar), varejo (Amazon em sexto lugar) e tecnologia (Apple em
primeiro lugar e Microsoft em terceiro lugar).
Um
dos melhores investimentos que estas empresas e outras podem fazer é mudar as
normas sob as quais funcionam, para extrair mais lucros da economia mundial e
evitar que os competidores tenham igualdade de condições.
Há
muito tempo, elas utilizam os tratados de livre-comércio para impor normas que
favorecem seu “direito” a obter lucros e limitar a capacidade dos governos
para regulamentar o interesse do público, de uma maneira que torna incapaz de
avançar por meio de canais democráticos normais.
Agora,
as empresas por trás da promoção das normas de comércio eletrônico estão
buscando um fórum de conveniência e levarão sua lista de pedidos à Organização
para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, que publicou orientações
políticas sobre diversos temas relacionados, e ao G20, que acaba de
publicar uma Declaração
ministerial sobre a economia digital [PDF]. Entretanto os acordos
entre os membros dessas instituições não são vinculatórios para o governos.
Para conseguir normas sobre comércio eletrônico que sejam obrigatórias, as
empresas se dirigem à Organização mundial do Comércio (OMC).
Desde
julho de 2016, o comércio eletrônico é o principal tema que impulsiona os
países desenvolvidos nas negociações da OMC. As discussões têm como resultado
um mandato de negociação, e as novas normas submeteriam os 164 países membros
da OMC a medidas de grande alcance, com potencial de impedir o desenvolvimento,
destruir postos de trabalho e modificar o mundo.
Portanto,
aqueles que se preocupam com condições dignas de trabalho, com o ambiente que
compartilhamos, com o desenvolvimento, com a desigualdade e com o interesse
público, devem se opor às novas negociações das normas sobre o comércio
eletrônico por 12 motivos:
1.
As negociações sobre comércio eletrônico tiram do foco a agenda de
desenvolvimento que poderia reduzir drasticamente a pobreza. Milhões de pessoas
pobres, entre elas, agricultores, poderiam melhorar suas vidas se houvessem
mudanças nas normas existentes sobre agricultura no da OMC, sobre o qual já
escrevi aqui e aqui (em
inglês).
A
Rede Internacional “Nosso mundo não está à venda” (OWINFS, em inglês), que
conta com a adesão de diversos grupos da sociedade civil, promove, há bastante
tempo, uma
agenda para mudar esta realidade, através de chamadas semelhantes ao seu
nome. Mas esta agenda tem tido pouca visibilidade, pois toda a atenção está
voltada para o comércio eletrônico no Acordo da OMC deste ano.
Provavelmente,
os países desenvolvidos exigirão que as negociações sobre comércio eletrônico
comecem, como forma de pagamento por concordarem em cumprir com as promessas
que não cumpriram desde 2001, quando teve início a Rodada de Doha de
Desenvolvimento.
2.
As propostas para a área de comércio eletrônico implicam poder regulamentar. As
empresas estadunidenses pretendem reescrever a normativa mundial com o objetivo
de fixar seu domínio atual na área. Apesar da supremacia na área de tecnologia
de ponta, essas empresas desejam barrar o ressurgimento da China no panorama
mundial, já que o país está investindo bilhões no desenvolvimento de setores de
tecnologia de ponta como parte do plano “Made in China 2025” (Fabricado na
China 2025).
As
empresas estadunidenses também pretendem deixar de fora possíveis competidores
futuros. Para isso, estão pressionando os 164 membros da OMC para negociar este
assunto antes que a maioria dos países possa compreender suas possíveis consequências.
Os países em desenvolvimento com frequência têm pouca experiência nas
tecnologias em questão e não sabem qual é a melhor prática para um leque amplo
de atividades.
O
“Informe de Desenvolvimento Mundial 2016: Dividendos Digitais” do Banco Mundial
observou que os benefícios em relação ao desenvolvimento das tecnologias
digitais ficam para trás por causa da sua rápida propagação, e que poucos
países em desenvolvimento contam com acesso à banda larga necessário e outros
tipos de infra-estrutura, como marcos regulatórios, capital humano e
instituições confiáveis para poder obter benefícios.
Vários
informes publicados recentemente pela Conferência das Nações Unidas sobre
Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) demonstram que a maioria dos países em
desenvolvimento não tem estrutura legal adequada em comércio digital,
governança da internet ou segurança cibernética. Até as normas dos Estados
unidos e da União Europeia sobre estes assuntos ainda precisam ser melhoradas.
Os
benefícios de digitalização poderiam ser grandes para todos, mas se as normas
se inclinam para o lado dos poderosos, não serão. Por esse motivo, o Grupo
africano da OMC
se opôs a um mandato sobre normas do comércio eletrônico em outubro. Do
ponto de vista do desenvolvimento, é uma loucura criar tratados legais
internacionais aplicáveis e vinculatórios sobre as áreas emergentes com
dinâmicas diferentes da economia de transformação tecnológica.
3.
As propostas sobre o comércio eletrônico acabam com os postos de emprego. As
tecnologias por trás da “quarta revolução industrial” pretendem desestabilizar
os mercados trabalhistas, já que a flexibilidade é a chave para a “inovação”.
Os empregos com bons salários e benefícios são substituídos por empregos
informais sem proteção social ou estabilidade.
As
empresas transferem o risco do mercado a contratantes individuais ou
“trabalhadores autônomos”, que recebem salários inferiores e não contam com
benefícios sociais, como licença médica, seguro médico, aposentadoria, muito
menos estabilidade no emprego.
Como
no caso do Uber, em que os esforços da empresa para alcançar uma posição
dominante no mercado se encontram no sentido oposto da
capacidade dos trabalhadores para aumentar seus salários.
E,
apesar do exagero sobre o perigo dos robôs roubarem os postos de trabalho, muitos
trabalhos serão substituídos pela automatização. Um informe de
Desenvolvimento do Banco Mundial de 2016 calcula que 47% dos empregos nos
Estados Unidos corre o risco de virar automatizado; na Argentina, a
porcentagem é de 65%; na China, 77%; e, na Etiópia, a cifra chega a 85%.
Outro
informe recente do grupo UBS observou que os países em
desenvolvimento “enfrentarão a ameaça da Quarta Revolução Industrial que
comprometerá os empregos pouco qualificados através da automatização extrema,
mas talvez não tenham a capacidade tecnológica para usufruir dos benefícios
relativos que podem se redistribuir através de uma extrema conectividade”.
As
propostas relativas ao comércio eletrônico não geram essa mudança, mas aceleram
seu ritmo e dificultam que os governos mitiguem os impactos negativos.
Em
vez de consolidar os direitos das empresas transnacionais (ETN) de acesso
ao mercado para intensificar sua desestabilização, como pretendem fazer as
propostas atuais de comércio eletrônico, os países deveriam poder usar
ferramentas políticas para oferecer bons empregos, proteções sociais e –
especialmente nos países em desenvolvimento – a transformação estrutural das
suas economias.
4.
As propostas sobre o comércio eletrônico intensificariam a desigualdade entre
os países. Na África subsaariana, 62,5% da população não têm acesso a
eletricidade, 87% não têm acesso a Internet e a maioria não tem acesso a
serviços postais nas casas.
Os
países ricos deixaram claro que suas inquietações incluem a ampliação do acesso
à energia, à Internet e a outros tipos de tecnologia de informação e
comunicação para diminuir a exclusão digital, maior infraestrutura para a
logística, incluindo transporte e os serviços postais; marcos legais e
regulatórios; acesso a financiamento e capacitação sobre as tecnologias para
ajudá-los a se preparar para se beneficiarem do comércio eletrônico. Mas estes
assuntos geralmente não se refletem nas propostas dos países desenvolvidos nem
são propostos pelas empresas transnacionais (ETN) de comércio eletrônico mais
importantes. Enquanto isso, as propostas dos países em desenvolvimento tem como
resultado promessas não vinculatórias de assistência futura que poucas
vezes se cumprem.[1]
O
fato de a China ser protagonista no comércio eletrônico, através do Alibaba,
não serve para mitigar as desigualdades estruturais que se consolidariam entre
os países desenvolvidos e em desenvolvimento. As propostas relativas ao
comércio eletrônico ampliariam o grande protecionismo que favorece as empresas
com sedes nos países desenvolvidos na forma de patentes e direitos
autorais para as tecnologias e para o conteúdo, cujo resultado é o aumento dos
lucros transferidos do sul para as empresas do norte.
5.
As propostas sobre o comércio eletrônico no Acordo da OMC poderão fazer com que
nos sintamos menos seguros. A proposta da União Europeia sobre comércio
eletrônico no Acordo da OMC inclui uma moratória ao acesso ou divulgação
obrigatória dos códigos-fonte para todos os membros da OMC. Os governos,
inclusive o dos Estados Unidos, exigem frequentemente que se publiquem os
códigos-fonte para poder avaliar a vulnerabilidade a ataques hackers.
Isso
será cada vez mais importante já que algumas projeções estimam que haverá 50
bilhões de dispositivos conectados à Internet em 2020, incluindo dispositivos
domésticos da “Internet das coisas”, como refrigeradores e televisores
inteligentes (que estavam entre os milhares de dispositivos utilizados em
ataques hackers massivos em 2014 e, novamente, em 2016).
A
possibilidade de que dispositivos médicos, como marca-passos e sistemas
eletrônicos de automóveis, possam ser hackeados implica sérios riscos na área
de saúde e seguridade.
À
medida que as casas se tornam “casas inteligentes” e as cidades se tornam
“cidades inteligentes”, a ameaça de que seja possível hackear softwares
secretos e exclusivos coloca todos nós em risco.
6.
As propostas sobre o comércio eletrônico promoveriam uma maior desigualdade ao
reduzir a concorrência e promover um comportamento monopólico e oligopólico.
O
controle de informação, dos meios e das vendas no varejo por parte de três
empresas – Google, Facebook (Instagram, WhatsApp e Messenger) e Amazon – tem consequências
para o interesse público, para a inovação e para a democracia. Estas empresas
transnacionais são capazes de investir em novos mercados ainda que sem muitos
sem ganhos durante anos para estabelecer seu domínio no mercado, como Uber [3]
e Amazon [4] na Índia e muitos outros mercados nos quais operam.
Sem
leis anticompetitivas fortes, as empresas se consolidam ainda mais nos setores
através da aquisição: “Google compra AdMob e DoubleClick, Facebook compra
Instagram e Whatsapp, Amazon compra, para nomear somente alguns, Audible,
Twitch, Zappos e Alexa”, disse Jonathan Taplin. Além disso, se um país se
preocupa com as atitudes anticompetitivas, seus tribunais com frequência vão
exigir que se divulguem os códigos-fonte.
Mas
há exceções na proposta sobre comércio eletrônico da União Europeia para os
casos nos quais os tribunais exigem que se revelem os códigos-fonte. As
propostas também exigem que as empresas dominantes possam expandir sua
capacidade para influir na regulamentação das suas operações sob o disfarce da
“transparência para as partes interessadas”.
Como
esperar que as pequenas e médias empresas se estabeleçam em um setor que limita
a capacidade dos governos de implementar atitudes anticompetitivas e oferece às
empresas consolidadas a vantagem de fazer as normas?
7.
As propostas sobre o mercado de comércio eletrônico ameaçam o futuro dos países
ao exigir a livre transferência de um dos seus recursos mais valorizados: a
informação. O bem mais valioso da Uber não são os automóveis nem os motoristas,
mas a informação sobre como as pessoas se movem. Uma vez que a empresa domine o
setor, será capaz de processar os dados brutos e convertê-los em inteligência:
poderá manter seu domínio para excluir os competidores, como expressou
recentemente o The Economist em seu artigo “O recurso mais valioso do
mundo já não é o petróleo, é a informação.” [5]
Os
serviços “gratuitos” das nuvens como os do Google e do Amazon são capazes de
acessar mais dados do que imaginamos e podem transformá-los em inteligência que
podem ser vendidas ou alugadas para outras empresas com o fim de obter mais
lucros.
Entretanto,
quase todas as propostas de comércio eletrônico incluem o mandato de promover a
transferência transnacional de dados, como “livre circulação de dados”, ao
proibir que se restrinja a localização desses (tais como os usos militares dos
Estados Unidos, que insistem que seus dados se mantenham nos servidores
estado-unidenses) e outras normas.
Por
que os países em desenvolvimento deveriam entregar este recurso tão valioso?
Uma estratégia de industrialização digital deveriam incluir a criação de
centros de dados nacionais e regionais, como criaram a China e a Suécia e que
podem se converter em pontos importantes para dar início a indústrias de
software, de jogos, indústrias relacionadas com a internet e outras baseadas em
dados.
Como
disse Parminder Jeet Singh (2017):
“Se
nos deixamos levar pelas tendências atuais, o nível de dependência estrutural
dos países em desenvolvimento no contexto da sociedade digital será maior do
que nunca, fenômeno que foi chamado de ‘colonização digital’. Os fluxos e o
comércio mundial destes recursos vitais devem se basear em termos justos,
garantindo benefícios econômicos nacionais e proteções sociais e culturais
devidas. Enquanto isso, devemos deixar claro que não defendemos uma
desglobalização digital. O que buscamos é um espaço justo para os países em
desenvolvimento de interesse público na ordem digital mundial emergente.”[6]
8.
As propostas sobre o comércio eletrônico são uma ameaça para a nossa
privacidade pessoal e para a proteção de dados. Não só os países em
desenvolvimento deveriam estar preocupados com circulação dos dados
transnacionalmente, a chamada ”livre circulação dos dados”.
Somos
testemunhas de uma explosão de demandas por parte dos consumidores que
descobriram que seus dados por compras de produtos e uso de serviços, desde
compras de fones de ouvido e de brinquedos sexuais à gestão de e-mails, foram
vendidos a outras empresas, em geral, sem o conhecimento ou o consentimento do
consumidor. Isso significa que os dados pessoais foram roubados ou explorados;
portanto, talvez essa “circulação de dados” deveria ser chamada de “tráfico de
informação roubada”.
9.
As propostas sobre o comércio eletrônico promoveriam a evasão fiscal e a perda
de receita pública, o que resultaria em uma monopolização adicional às custas
do interesse público de todos os países, mas particularmente nos países em
desenvolvimento.
À
medida que as empresas obtêm direitos através das normas de comércio eletrônico
que propõem para deslocar mão de obra, insumos, capital e dados entre
fronteiras, passam a ter capacidade de aumentar suas práticas de preços de
transferência e localizar as operações em países com menor supervisão fiscal e
com impostos mais baixos, exacerbando a evasão fiscal e os fluxos financeiros
ilícitos que, segundo a Global Financial Integrity tiraram entre $620 e $970
bilhões de dólares estadunidenses ao mundo em desenvolvimento em 2015,
principalmente através de práticas de fraude comercial.
Esta
perda de dinheiro tira a possibilidade de governos de países em
desenvolvimento, especialmente da África, de fazer investimentos necessários
para proporcionar sistemas de saúde, educação, infraestrutura e o futuro
desenvolvimento das suas economias. Se não se exige que uma empresa tenha
presença local, como se pode estabelecer os impostos de renda dessas empresas
de modo preciso?
Ao
mesmo tempo, há uma pressão para ampliar a moratória existente no Acordo da OMC
sobre tarifas de comércio eletrônico. Eliminar a obrigação de taxas
alfandegárias no comércio transnacional coloca as empresas de comércio físico
em desvantagem em relação às empresas de comércio eletrônico e, em termos
econômicos, representa um subsídio público para as empresas virtuais, sem nenhum
benefício social evidente.
Visto
que que os países em desenvolvimento dependem muito mais de suas taxas
alfandegárias como fonte de ingressos (para pagar pela educação, saúde e
infraestrutura), já que os países em desenvolvimento têm sistemas avançados de
ingressos, vendas e impostos empresariais, eliminar as taxas alfandegárias do
comércio eletrônico permanentemente não representaria somente uma grande
desvantagem para as empresas de comércio físico, mas afetaria gravemente a
capacidade dos países em desenvolvimento de alcançar as necessidades de
investimento público, atrasando seu desenvolvimento futuro e aumentando a
probabilidade de sofrer com a crise de dívidas.
10.
As propostas sobre comércio eletrônico poderiam impulsionar as possibilidades
de uma crise financeira mundial. Permitir um comércio transacional sem limites
de dados financeiros e de transações financeiras poderia ter amplas
consequências inesperadas.
Apesar
do caos gerado pela crise financeira mundial, o setor dos serviços financeiros
continua exigindo um acesso ilimitado aos mercados para produtos inovadores
(que evadem as regulamentações) e fluxos financeiros sem restrições.
No
Acordo Transpacífico de Cooperação Econômica (TPP, na sigla em inglês), o
Departamento de Tesouro dos Estados Unidos afirmou que o direito de manter os
dados no estrangeiro não deveria incluir os dados financeiros, pelas lições
aprendidas com a crise financeira mundial, mas Wall Street conseguiu pressionar
para que estes dados sejam incluídos no Acordo no Comércio de Serviços (TISA em
inglês) e, presumivelmente, na OMC.
As
normais atuais da OMC obrigam os países a permitir o pagamento e a
transferência de serviços sem restrições nos países que já acordaram, no Acordo
das disciplinas da OMC. Mas para os países interessa garantir um controle
regulatório adequado para este setor, inclusive a respeito do comércio digital
transnacional.
Os
governos exigem com frequência que os dados financeiros “sensíveis” sejam
mantidos dentro das suas fronteiras para garantir que se tomem medidas
adequadas sobre privacidade e segurança cibernética, de tal modo que os dados
estejam sujeitos a um controle regulatório nacional, que estejam ao alcance dos
reguladores financeiros em caso de emergência. Por exemplo, na África do Sul,
se exige que os dados financeiros sejam armazenados no país para que as
autoridades possam analisar os ativos relacionados com alguma quebra, já que as
práticas fraudulentas e depredatórias se estendem no setor financeiro.
Se
não for exigido que os provedores dos serviços financeiros tenham uma presença
local, uma gestão local ou armazenamento local dos dados, como poderão exigir a
prestação de contas diante de um crime ou de uma crise financeira? À medida que
a economia mundial se torna cada vez mais voltada para os serviços e aumenta o
comércio digital transnacional, o poder dos provedores de serviços financeiros
como Visa e Paypal crescerá, já que com frequência atuam como câmaras de
compensação para transações internacionais que evadem a soberania financeira dos
bancos centrais.
11.
As propostas sobre o comércio eletrônico prejudicariam o desenvolvimento ao
reduzir o espaço político e limitar a capacidade de atuação dos países em
desenvolvimento na industrialização digital, reduzindo as estratégias que
comumente são usadas para impulsionar o comércio e os empregos.
Os
grupos de lobby das empresas deixaram claro que pretendem que se proíba os
requisitos de localização, como os que exigem uma presença local no país para
realizar transações comerciais; que contratem trabalhadores locais; o uso dos
servidores e instalações informáticas locais nas quais tenham investido; o uso
de conteúdos ou insumos locais. Mas os países em desenvolvimento aproveitam
estes requisitos para garantir que, ao permitir que as transacionais operem em
suas economias, poderão utilizar os ingressos para dar início a indústrias
incipientes e avançar no desenvolvimento.
A
proposta da União Europeia também inclui incorporar as compras públicas, um
tema que foi excluído da rodada atual da OMC. Incorporar as compras públicas
(através da promoção da privatização através de associações público-privadas)
colocaria as pequenas e médias empresas que são favorecidas em tais contratos
em desvantagem em relação às empresas transnacionais estrangeiras (que,
geralmente, possuem vantagens de alcance e investimentos públicos anteriores),
o que significa que mais dólares de impostos serão destinados a empresas
estrangeiras ao invés de impulsionar a economia nacional.
As
disposições sobre o comércio eletrônico propostas também limitam o espaço
político ao exigir dos países, inclusive dos países menos adiantados (PMA), que
assumam novos compromissos além dos que são exigidos atualmente no Acordo da
OMC. Atualmente, não se exige dos PMA que assumam compromissos sobre as Medidas
de Investimentos Relacionadas ao Comércio (TRIMS) na OMC, nem tampouco no
acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados
ao Comércio (ADPIC).
As
propostas para proibir o requisito de divulgar os códigos-fonte são
consideradas “TRIMS mais” porque proíbem efetivamente os requisitos de
transferência de tecnologia (nos quais o código-fonte é uma tecnologia) que os
membros da OMC podem permitir atualmente no Acordo das normas do TRIMS.
Em
geral, quando um governo amplia as proteções sobre as patentes, o titular da
patente está obrigado a divulgar a invenção e todo os códigos-fonte, como
compensação pela intervenção do governo para proteger sua invenção.
Finalmente,
muitas das novas propostas impediriam os países em desenvolvimento de
participarem dos grupos de integração regional, algo essencial para seu
desenvolvimento, tal como se pode ver, na agenda de 2023 da União Africana.
12.
Talvez este seja o mais atroz: as propostas sobre comércio eletrônico exigiriam
não submeter os serviços futuros a nenhuma regulamentação, mais além das
regulamentações sobre os serviços que não são digitais atualmente. No Acordo da
“regulamentação nacional” no Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (AGCS),
os bens são, cada vez mais, considerados como serviços. Os produtos estão
integrados com o software que transforma sapatos em “serviços de fitness” ou
automóveis em “serviços de transporte”. As propostas nas negociações de
regulamentação nacional incluem uma suposta “neutralidade tecnológica” em que
os serviços devem ser executados de acordo com normas e listas de compromissos
que os países acordaram antes de que a nova tecnologia seja inventada.
O
plano é assumir compromissos preparados para o futuro, mesmo que a tecnologia
não esteja disponível no momento que o país assumiu estes compromissos. Muitos
governos dos países do Sul deixaram claro que não aceitarão esta determinação.
Restringir o controle público das possíveis “implicâncias” das tecnologias
interessa àquelas empresas que buscam favorecer somente as regulamentações que
proíbem outras regulamentações.
Estas
empresas estão fazendo um esforço coordenado para garantir que este seja o
principal objetivo da próxima conferência ministerial da OMC, que acontecerá
entre os dias 11 e 14 de dezembro de 2017 em Buenos Aires. Portanto, este é o
momento para sindicatos, ativistas pelos direitos digitais e privacidade,
defensores do desenvolvimento e grupos da sociedade civil colocarem suas
inquietações e preocupações para os seus respectivos governos e dedicar atenção
a esta ameaça.
As
transformações positivas que a era digital oferece para um maior
desenvolvimento, oportunidades de emprego, inovação e conectividade estão
ameaçadas pelos esforços monopólicos e antidemocráticos das empresas mais
poderosas do mundo, que querem reescrever as normas da economia mundial futura
a seu favor.
Para
alcançar um futuro em um mundo digitalizado que dê lugar ao desenvolvimento
comum e trabalho digno, devemos garantir que as normas sejam redigidas por e
para todos e não apenas por alguns.
—
[1] Uma proposta dos Amigos do Comércio Eletrônico para o Desenvolvimento provavelmente terminará da mesma forma, ao mesmo tempo que legitimará as negociações no Acordo da OMC. Ver: http://unctad.org/en/pages/newsdetails.aspx?OriginalVersionID=1477 y http://www.twn.my/title2/wto.info/2017/ti170501.htm.
[1] Uma proposta dos Amigos do Comércio Eletrônico para o Desenvolvimento provavelmente terminará da mesma forma, ao mesmo tempo que legitimará as negociações no Acordo da OMC. Ver: http://unctad.org/en/pages/newsdetails.aspx?OriginalVersionID=1477 y http://www.twn.my/title2/wto.info/2017/ti170501.htm.
[2] Manjoo,
Farhad, 2017. “Uber Wants to Rule the World. First It Must Conquer India.”
The New York Times. https://www.nytimes.com/2017/04/14/technology/uber-india.html
[3] Bloomberg.
2016. “Amazon to Spend $5 Billion to Dominate India E-Commerce.”
[4]N.
da T.:Jonathas Taplín é autor do livro “Move Fast and Break Things: How Google,
Facebook and Amazon Cornered Culture and Undermined Democracy“. Em português:
“Aja rápido e quebre coisas: como Google, Facebook e Amazon encurralaram a
cultura e solaparam a democracia.”
[5] The
Economist. 2017. “The World’s Most Valuable Resource Is No Longer Oil, but
Data: The Data Economy Demands a New Approach to Antitrust Rules.” http://www.economist.com/news/leaders/21721656-data-economy-demands-new-approach-antitrust-rules-worlds-most-valuable-resource
[6] Singh,
Parminder Jeet. 2017. “Developing Countries in the Emerging Global Digital
Order – A Critical Geopolitical Challenge to which the Global South Must
Respond.” IT for Change. https://www.itforchange.net/Developing-Countries-in-the-Emerging-Global-Digital-Order
–
Deborah James é Diretora do Programa Internacional do Centro de Pesquisa
em Economia e Política (www.cepr.net) e
coordenadora da Rede Internacional “Nosso Mundo Não Está à Venda”(OWINFS, em
inglês).
Texto
em português adaptado do artigo de Deborah James, publicado na página
da ALAI, em
espanhol, publicado originalmente em inglês no The Huffington Post, em
inglês.
Edição:
ALAI | Tradução: Luiza Mançano
11
de Junho de 2017
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