O Presidente da República, João
Lourenço, apelou hoje, em Luanda, ao presidente do Tribunal Supremo (do MPLA),
Rui Ferreira, que se empenhe na estratégia de combate à corrupção no país.
Estamos entregues à bicharada.
Orlando Castro* | Folha 8
Para João Lourenço, que tem na
propaganda e no marketing do combate à corrupção uma das “bandeiras” da sua
política de governação, Rui Ferreira “está à altura de prestar um contributo
valioso” nessa tarefa. Claro que sim. Que se cuidem os pilha-galinhas. Os
outros podem estar descansados.
Ao intervir no acto de posse do
presidente do Tribunal Supremo, João Lourenço disse que o combate ao fenómeno
da corrupção é uma missão árdua, sublinhando que cabe, sobretudo aos órgãos de
justiça, com os seus instrumentos, “lutar contra essa prática”.
Em declarações à imprensa, no
final da cerimónia, Rui Ferreira definiu a melhoria do sistema de administração
da justiça e reforma da organização judiciária no país, como prioridades do seu
mandato. Pois!
Dentro dessa estratégia, Rui
Ferreira pretende – diz – melhorar a organização e o funcionamento do Tribunal
Supremo, bem como estender essa acção aos demais tribunais comuns.
No sistema jurídico angolano, o
presidente do Tribunal Supremo é nomeado pelo Presidente da República, de entre
três candidatos seleccionados por dois terços dos juízes conselheiros em
efectividade de funções. Cumpre a função por um mandato de sete anos, não
renovável.
O combate à corrupção é uma das
mediadas contidas no Programa de Governo sufragado com carradas de batota mas
tendo a cobertura do então presidente do Tribunal Constitucional, Rui Ferreira,
pelo MPLA nas eleições de Agosto de 2017.
O exemplo do Tribunal
Constitucional do MPLA
Oque a maioria sabia e previa, e
os ingénuos ainda tinham a remota esperança de que fosse diferente, aconteceu
da forma mais frívola e juridicamente incoerente, com a violação do roteiro da
norma jurídica, por parte do Tribunal Constitucional. Estávamos no início de
Setembro de 2017.
Este órgão, maioritariamente
composto por homens de toga preta e forro vermelho, não disfarçou o
favorecimento à veia matriz, ao indeferirem, com argumentos considerados
juridicamente (mas não só) barrocos, os recursos interpostos pelos partidos da
oposição.
A ossatura reivindicativa
assentava na necessidade de a Comissão Nacional Eleitoral (CNE) ser levada a
cumprir a Constituição de 2010 e a Lei 36/11 de 21 de Dezembro, Lei Orgânica
sobre as Eleições Gerais, quanto à realização do apuramento provincial (artigos
126.º à 130.º), não realizado em 15 das 18 províncias e, ou, à recontagem dos
votos, de acordo com as “Actas das Operações Eleitorais”, como estipula o art.º
123.º.
Ao império da lei, o Tribunal
Constitucional (presidido por Rui Ferreira, importa não esquecer) impôs o
império da partidocracia. Era expectável, quando previamente à decisão, um alto
dirigente do MPLA, dois juízes conselheiros e um alto funcionário do Tribunal
Constitucional se pronunciaram verbal e por escrito, nas redes sociais, sobre a
vitória eleitoral, assente na “lógica da batata e na lei da batota” do “dono
disto tudo”.
O órgão constitucional, na sua
maioria, foi fiel à veia à gamelada partidocrata e não poderia, melhor, estava
impedida, de deferir em sentido contrário à determinação da obediência ao poder
de nomeação.
Ninguém, chegados aos 61%,
poderia ousar trair a honestidade de uma mentira, laboratorialmente engendrada,
nos areópagos do regime.
Daí o Acórdão 462/2016, de 13 de
Setembro, do Tribunal Constitucional entrar para a jurisprudência, como peça
processual caricata do regabofe “judicialista”, na linha da pusilanimidade
imposta pelo regime.
Por outras palavras, é a tese
oficial de que desde que seja a favor do MPLA, mande-se a Constituição às
urtigas e interprete-se a lei de acordo com a vontade de quem manda.
Nada aponta ter-se discernido
fora da trambiquice golpista, que empunhou as baionetas contra a petição da
oposição, para avaliação e recontagem dos números do escrutínio provincial
eleitoral, em nome da verdade eleitoral, da defesa da incipiente democracia e
da transparência e segurança tecnológica, art.º 116.º da Lei 36/11.
É perigoso passar-se a mensagem
de que roubar a vontade cidadã, o civismo do eleitor, o voto e o sonho dos
povos de Angola tem respaldo e protecção incondicional dos órgãos judiciais
decisórios. Mas foi isso que Rui Ferreira pensou, e executou, enquanto
presidente do Tribunal Constitucional, tal como será isso que pensa e executará
agora como presidente do Tribunal Supremo.
Demonstrar estar o prevaricador
mancomunado com a bandalheira do Direito, que inocenta e estimula o corrupto na
rota da delapidação do erário público, é muito grave. Exigia-se um pouco de bom
senso e compromisso com a verdade, porquanto as alegações da oposição mereciam
uma investigação aprofundada e não a tomada das contra-alegações da “CNE do
MPLA”, como verdades absolutas, quando a divisão no seio deste órgão foi a
tónica dominante, com comissários nacionais eleitorais a não reconhecerem os
resultados provisórios e definitivos, por terem sido anunciados em sentido
contrário à lei:
a) Existência de um grupo
técnico, estranho ao conhecimento da maioria dos comissários e da CNE, que
fornecia dados nas províncias para as CPE (Comissão Provincial Eleitoral) transmitirem
à CNE, diferentes das actas de operações em sua posse;
b) A CNE foi denunciada, com
elementos probatórios, de favorecimento, a um dos concorrentes: o MPLA, fazendo
ouvidos moco e cegueira, a todas arbitrariedades por este partido cometidas,
desde usar os boletins da CNE, aos carros eleitorais;
c) Inexistência de apuramento
provincial em 15 províncias;
d) Desconhecimento da origem da
fonte dos resultados provisórios: se internos (apenas do grupo de comissários
do MPLA) ou de órgão externo;
e) A publicação dos resultados
definitivos feriu violentamente a lei, por não assentar no apuramento
provincial.
A todas violações cometidas, o
Acórdão n.º 462/2017 do Tribunal Constitucional, decidiu, talvez no pedestal de
cumplicidades espúrias, negar provimento, à oposição e dar razão à CNE e ao
partido da situação, pois tal como fez Agostinho Neto em 27 de Maio de 1977:
“Não vamos perder tempo com julgamentos”, decretando a pena de morte, também
aqui o Tribunal Constitucional não perdeu tempo em investigar e aprofundar as
denúncias constantes nos recursos dos partidos da oposição, principalmente, o
recurso interposto pela UNITA, rejeitando os factos e elementos de prova destes
por – pasme-se – não terem dado entrada nas províncias e não terem vindo anexas
às actas que, propositadamente, a CNE teria instruído, segundo uma fonte
eleitoral, as CPE a não enviarem, justamente para este desfecho em actas falsas.
Mas atirando para canto, o
Tribunal Constitucional (presidido por Rui Ferreira) descredibilizou-se ao
falar em actas falsas, documentos indevidos, em posse da oposição, na lógica
das contra-alegações da CNE, quando lhe cometia averiguar e apurar as razões de
não ter havido apuramento do escrutínio provincial e outros actos importantes.
Mas as heresias do Tribunal
Constitucional, segundo os críticos, prendem-se com a legitimação dos
resultados provisórios elencados pelos partidos reclamantes, principalmente,
por um número considerado de comissários eleitorais, da própria CNE, ter vindo
a público denunciar a estranheza da publicação dos resultados provisórios, uma
vez os mesmos não resultarem de actas ou dados enviados pelas províncias, ao
Centro Nacional de Escrutínio. Este acto seria dado bastante para o Tribunal
apurar e notificar os comissários para o fornecimento de mais elementos,
visando apurar a verdade material.
Mas como ao “concorrente-mor”
tudo se permite, não careceu de apuramento ou investigação a origem do
misterioso “grupo técnico”, uma vez terem cumprido, exclusivamente, a missão de
fornecer votos ao MPLA e roubar aos partidos da oposição.
Será que o Tribunal
Constitucional (de Rui Ferreira) optou por andar de heresia em heresia até à
heresia final? Sim, bastando ver o aparente reconhecimento de ilicitude da CNE,
mas logo conotada como uma simples falha, sem dolo, logo desculpável, pese a
relevância, das decisões e actos do órgão eleitoral decididas tardiamente,
terem tido influência nos resultados finais.
Mas numa demonstração de dois
pesos e uma medida, em se tratando de actos tardios da oposição, eles são
gravosos e o Tribunal Constitucional considera-os desertos, por fora dos
prazos. É a lógica de aos nossos se permitir tudo e, aos outros, do outro lado,
só a pena de morte por fuzilamento…
E a cereja no topo de bolo aí
está agora com toda a pompa e circunstância. Quem ajudou à batota, à vigarice,
à corrupção foi premiado.
*Orlando Castro é diretor-adjunto
do Folha 8
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