Agora está claro que a rede
pratica, permanentemente, vigilância maciça; e que a psicometria eleitoral
afronta a democracia. Mas como enfrentar as ameaças?
Rafael Zanatta | Outras Palavras
O escândalo envolvendo a maior rede social do
mundo e a mais polêmica
consultoria política do ocidente virou a mesa do jogo sobre proteção
de dados pessoais e regulação das grandes empresas de tecnologia.
Trata-se de caso tão impactante,
e de repercussões midiáticas e políticas tão intensas, que não há alinda
elementos para fazer uma avaliação completa sobre todos os desdobramentos
possíveis. Como afirmou Giovanni
Buttarelli, supervisor de proteção de dados pessoais da União Europeia,
trata-se “do escândalo do século”, sendo que nós “só enxergamos a ponta do
iceberg”.
O The Guardian tem
reportado intensivamente sobre o caso. Vale lembrar que eles foram os
responsáveis por “soltar a bomba” do caso Facebook-Cambridge Analytica em um
brilhante trabalho de jornalismo investigativo – um trabalho à altura das históricas
reportagens sobre Edward Snowden e a NSA em 2013. Sem o trabalho
jornalístico liderado pelo jornal e as confissões
de Christopher Wylie, não teríamos clara consciência sobre a coleta
indevida de dados pessoais e as táticas sujas de manipulação eleitoral
realizadas pela Cambridge Analytica.
Com relação às consequências,
podemos elencar cinco aprendizados coletivos nesses últimos doze dias, após a
tempestade inicial que o caso provocou.
Primeiro: o abalo à
confiança do Facebook resultará em perdas de receita por investidores e
anunciantes. As ações do Facebook já diminuíram 18%,
em retração de 80 bilhões do seu valor de mercado. Nada indica que a
recuperação será rápida. Além disso, há
uma movimentação de saída de grandes anunciantes, como Unilever.
Segundo: a confiança do
usuário não será a mesma. Por mais que o
Facebook insista em “criar novas ferramentas” e tornar o controle dos
dados pessoais mais acessível para as pessoas, há um sentimento generalizado de
que a rede só opera com base na vigilância maciça. Além do movimento
#DeleteFacebook – considerado
ingênuo, por alguns –, há artistas
como Jeremy Darrel espalhando cartazes sobre “como sair da rede”.
Terceiro: o problema está na
estrutura de compartilhamento de dados e não na Cambridge Analytica. O anúncio
da empresa de Mark Zuckerberg de que o Facebook está
rompendo contrato com o grupo Experian – um dos maiores birôs de
crédito do mundo, que controla a Serasa no Brasil – mostra que o problema é
muito maior. O “caso Cambridge Analytica” abriu a porteira para uma discussão
sobre o modo como o Facebook permite o acesso aos dados de seus usuários e o
descontrole a que isso chegou.
Quarto: as atuais regras do
jogo não dão conta do recado. Pesquisadores importantes
como Nicholas Economides e Siva
Vaidhyanathan já alertaram que não é possível confiar no Facebook para
se autorregular (essa
mesma opinião é mantida por especialistas no Brasil). É preciso repensar a
regulação aplicável a essas empresas. Começar pela proteção de dados pessoais e
avançar para a regulação concorrencial. Quem sabe, forçar
WhassApp e Instagram a serem desmembrados do Facebook pelo direito antitruste.
Quinto aprendizado: é
preciso limitar a modulação eleitoral operada pela coleta ilegal de dados. Esse
alerta já havia sido feito por Tim Berners Lee em 2017: o modelo de negócios da
Cambridge Analytica representa o fim da democracia. É inadmissível que nossas
opiniões sejam manipuladas pela coleta de dados que desconhecemos, brincando
com nossos sentimentos e vontades políticas. No Brasil,
o Ministério Público abriu inquérito civil para averiguar quem havia contratado
os serviços da Cambridge Analytica. A investigação lança luz para um
problema maior: o modo como consultorias políticas contratam “data brokers”
para operar modelos de psicometria.
Há, ainda,
muito o que ocorrer. Estamos no meio de uma movimentação tectônica na interface
entre direito, tecnologia e política.
*Rafael A. F. Zanatta - Doutorando
pelo Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo. Mestre em
Direito pela Universidade de São Paulo. Mestre em Direito e Economia Política
pela Universidade de Turim. Líder do programa de Direitos Digitais do Idec --
Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor
Sem comentários:
Enviar um comentário