terça-feira, 6 de março de 2018

Xanana | ONU "foi além do seu mandato" e fez "recomendações mais favoráveis" à posição australiana


Xanana critica posição de comissão da ONU sobre campo de gás Greater Sunrise

Díli, 06 mar (Lusa) -- O ex-Presidente timorense Xanana Gusmão considerou que as posições de Timor-Leste, da Austrália e das petrolíferas sobre o desenvolvimento do campo de gás Greater Sunrise, no Mar de Timor, praticamente não se alteraram durante as negociações dos últimos meses.

Numa carta remetida à Comissão de Conciliação e divulgada hoje na íntegra por uma jornalista da rádio australiana ABC, o líder das negociações pela parte timorense, mostra que apesar das alternativas apresentadas por Timor-Leste, incluindo cedendo mais receitas à Austrália, o desenvolvimento do campo continua num impasse.

Xanana nota que, desde o início, considerou "irrealista" a possibilidade de um acordo, em particular devido à "imaturidade técnica dos dois conceitos" de desenvolvimento: a opção de um gasoduto para Timor-Leste (TLNG) ou para Darwin, na Austrália (DLNG).

Por isso, diz, findos vários meses de negociações, "a única opção é o compromisso para completar essas falhas e fazer o trabalho necessário para construir as duas opções a um nível que permita que um conceito seja escolhido, o mais rapidamente possível", segundo as melhores práticas internacionais.

Na carta, datada de 28 de fevereiro e ao longo de oito páginas, Xanana Gusmão tece duras críticas à posição da Comissão de Conciliação sobre esta matéria - agradecendo por outro lado o seu empenho em conseguir que os dois países chegassem a acordo sobre o tratado de fronteiras marítimas.

Críticas em que acusa a comissão de ter ido além do seu mandato e de ter feito recomendações mais favoráveis ao DLNG.

Em concreto, Xanana Gusmão refere-se a dois documentos preparados pela comissão relativos ao desenvolvimento do Greater Sunrise.

"Ficámos desapontados ao ver a direção que a Comissão adotou na sua análise. Em vez de trabalhar de forma igual e equilibrada nos dois conceitos de desenvolvimento, os esforços da Comissão focaram-se mais em construir o conceito do DLGN (gasoduto para Darwin) em detrimento do TLNG (gasoduto para Timor-Leste)", escreve Xanana Gusmão.

"Seja como for que os enquadremos [os documentos], além de conterem sérias falhas e erros técnicos e económicos fundamentais, não são uma simples recomendação mas em vez disso uma clara posição parcial, desenhada para pressionar Timor-Leste a decidir a favor do conceito de desenvolvimento do DLNG", explica.

"A Comissão revelou uma generosidade pouco comum ao permitir a si própria pensar em nome do povo de Timor-Leste. Infelizmente, as suposições abstratas sobre o que estaria nos melhores interesses do nosso povo mostra uma avaliação particularmente superficial dos potenciais benefícios para a população de Timor-Leste", considera.

Ironizando, Xanana Gusmão aplaude o que diz ser a "atitude audaciosa e magnânima da Comissão", considerando que traduz "uma postura capitalista que é muito comum nos países desenvolvidos: Timor-Leste tem que aprender que estas políticas e comportamentos são o motor da economia mundial".

Por isso, sustenta, a posição de Timor-Leste mantém que "o conceito de TLNG continua a ser a única opção em cima da mesa que trará benefícios socioeconómicos transformadores" para o país.

É a resposta de Timor-Leste, considera, ao que foi a pressão exercida pela Austrália e pelas petrolíferas, que pretendiam manter o acordo atual.

Parte da pressão, refere Xanana Gusmão, deveu-se à ideia, vendida pelas petrolíferas, de uma "janela de oportunidade" para a opção do DLNG que deixaria de estar disponível para o Sunrise quando o poço Caldita/Barossa começasse a ser explorado e o gás canalizado para a cidade australiana.

Xanana acusa a 'joint venture' de "manipular o processo" para garantir que o regime em vigor atualmente se mantém, recordando que antes do novo tratado a partilha de recursos era de "20,1% para a Zona Conjunta de Desenvolvimento Petrolífero" - dividida entre os dois países e "79,9% em águas que a Austrália reivindicava".

Xanana Gusmão lamenta ainda que o contributo timorense não tenha sido "considerado relevante na preparação dos documentos" finais do processo".

A divulgação da carta surge horas antes de Timor-Leste e a Austrália assinarem em Nova Iorque o tratado histórico que delimitará as fronteiras entre os dois países.

Xanana Gusmão cancelou à última hora e ainda sem explicação oficial a sua esperada participação na cerimónia de Nova Iorque. Em vez disso viajou para a Serra Leoa.

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