Santiago, duas regiões; restantes
ilhas, uma região: Uma visão inadequada que choca com a obrigação da não
discriminação entre as ilhas
A coesão nacional passa pela
igualdade de tratamento das ilhas enquanto constituintes do todo.
Ricardino Neves* | opinião
1.A questão do território na
Regionalização
Num momento em que o debate sobre
a Regionalização em Cabo Verde se vai aprofundando emerge a necessidade da
discussão fria e descomplexada, diria sem tabus, dum aspecto importante: o
território sobre o qual deverá a Região exercer as suas competências.
Sendo o MPD o partido do Governo
impulsionador desta reforma do Estado, ao se ler os discursos iniciais aquando
da sua assunção do poder, poderíamos ficar tranquilos quanto a essa matéria.
O Primeiro Ministro
Dr. José Ulisses Correia e Silva na Cerimónia de Empossamento do actual Governo
de Cabo Verde a 22 de Abril de 2016 dizia: “Avançaremos com a regionalização
para dotar as nossas ilhas de um modelo de governação baseado numa estratégia de
desenvolvimento que aborda a ilha em todas as suas dimensões: economia,
infraestruturas, ambiente, educação, formação, saúde. Cada ilha, uma economia
que se interliga no todo nacional e em conexão com o mundo, não só através dos
transportes, mas através do conhecimento, do domínio de línguas e das
Tecnologias de Comunicação e Informação. É nesta perspectiva que vemos o
desenvolvimento de todas as nossas ilhas”.
Toda a formulação teórica do MPD
do conceito Regionalização se fundamenta na ideia de Ilha Região. Chegada a
hora da formulação concreta, o MPD vem com a proposta de atribuir à Ilha de
Santiago a condição particular de ser uma ilha, mas ter duas regiões.
Essa visão cinicamente
centralizadora por quem afirma ter um discurso descentralizador, de tratar Santiago
como caso especial à parte, sem qualquer base fundamentada, traduz em minha
opinião a passagem dum atestado de menoridade mental a todos os cabo-verdianos
de boa vontade.
Uma primeira critica a essa
abordagem territorial consta num artigo publicado no Jornal A Nação, a
5 de Março de 2016, intitulado “Alguns pecados do MPD no seu caminho rumo a
Regionalização“. Esse “pecado” foi por mim designado de “Dualidade de critério
na delimitação geográfica da Região”.
Dois anos depois, com o debate
mais amadurecido importa voltar ao tema e contribuir positivamente para que não
se incorra num erro de abordagem cujas consequências não serão favoráveis nem
para a ILHA de SANTIAGO, nem para Cabo Verde no seu todo.
2. A Centralização – um mal
que atinge todas as ilhas, Santiago incluído
Julgo que quando se quer fazer a
análise da realidade do Cabo Verde actual estaremos quase todos de acordo,
porque realidade indesmentível, no seguinte:
a) O desenvolvimento centralizado
na Cidade da Praia tem como consequência um oásis de relativa
prosperidade e uma envolvente de relativa pobreza na sua cintura urbana
periférica e nos restantes concelhos da Ilha de Santiago
b) Ilhas mais distantes estão em
progressiva desertificação pela diminuição da sua população (Santo Antão, São
Nicolau, Fogo, Brava, Maio)
c) Ilhas como Sal e Boa Vista com
soluções de desenvolvimento centradas não nos recursos do Estado
mas no turismo e investimento privado estão com problemas estruturais
limitativos desse desenvolvimento (falta de água, energia,
habitação, saneamento básico, insegurança)
d) Ilha de S.Vicente reclama de
oportunidades de desenvolvimento.
Assim sendo, a centralização pode
ser assumida como causadora de algum bem (crescimento, oportunidades
crescentes para alguns sectores da populaçäo, etc)mas também de muitos males
(desemprego crescente, insegurança, bairros degradados, insuficiente habitação,
saneamento básico, etc,).
Desde a Independência, temos 42
de anos de tentativa de construir uma Cidade da Praia que satisfaça a todos nós
caboverdeanos. Contudo, tal esforço não tem resultado.
Não parece assim
razoável continuar a insistir na mesma solução, de concentrar mais e mais
recursos na Cidade da Praia e por extensão na Ilha de Santiago, uma vez que a
história provou que isso não resolve por si a situação, antes pelo contrario,
tem conduzido à manutenção ou ao agravamento dos
problemas referidos.
A solução é outra, como se pode
deduzir pelo Programa do Governo do MPD: Governação da ilha com objectivos e
metas partilhados para o crescimento económico, para o emprego, para
o aumento do rendimento, para a redução da pobreza e para a melhoria dos
indicadores da saúde, da educação e do bem estar da população.
Assim pensando, Santiago só deve
ser uma Região, como todas as Ilhas de Cabo Verde.
3. Não ao modelo partidário
para a organização do Estado
Que os partidos tenham organizado
a sua estrutura organizativa em áreas geográficas distintas, em
Norte e Sul, ou em Urbano e Rural, é uma questão particular deles até pela
natural adequação da sua organização aos seus recursos humanos e materiais.
Quando se trata da organização do
Estado, a abordagem tem que ser necessariamente diferente até pelo carácter
mais abrangente da sua acção.
Mais, se esse critério (extensão
do território) fosse por si válido, lógico seria adoptá-lo para as ilhas com
relativa extensão territorial como Santo Antão (Santo Antão Norte,
Santo Antão Sul), Fogo. Em resumo, a extensão não se justifica como critério.
A Região é uma estrutura que tem basicamente
competências que lhe serão delegadas pelo Estado Central podendo ser
caracterizada basicamente como estrutura intraestadual. Tem muito pouco a ver
com competências supra municipais, daí nos parecer deslocado a
tentativa de colar a ideia de Região como estrutura onde há mais que um
Municipio. Nada impede a constituição de uma Região num território com um só
Município, como aliás são os casos das ilhas de S.Vicente, Sal, Boa Vista, Maio
e Brava na proposta em debate.
4.A percepção de que ESTRUTURA
ADMINISTRATIVA é garantia de recursos não deve ser modelo para a organização do
Estado
É natural a crença corrente
em Santiago de que estrutura administrativa garante a canalização, maior ou
menor, de recursos materiais mas também de recursos humanos.
A Cidade da Praia, a partir do
momento em que se assumiu como Capital do Estado independente de Cabo Verde é
um exemplo de crescimento “impulsionado” pela sua condição de capital.
Nela confluíram recursos
materiais mas também recursos humanos que permitiram constituir a necessária
“massa critica” capaz de possibilitar o equacionamento do seu funcionamento
enquanto cidade e a perspectivação do seu desenvolvimento.
Do mesmo modo, a criação de
Municípios em Santiago, para além de eventualmente corresponderem a anseios
localizados da população, resultou na canalização de “recursos” que saem do
orçamento global do Estado de Cabo Verde para essas localidades. Permitiu
também a fixação de quadros que de outro modo não seriam residentes no
Concelho.
Assim, a proposta de
criação de duas regiões poderá ter a ver com essa percepção traduzindo-se assim
num expediente de criar mais estrutura para assim obter mais recursos.
Só que, a organização do Estado
não deve ser moldada de modo a beneficiar particularmente esta ou aquela
parcela do território nacional, no nosso caso, esta ou aquela Ilha.
5.SANTIAGO é cá só PRAIA
Santiago não é só Praia, tem que
ser entendido como um todo maravilhoso como já cantava o artista
TONECAS MARTA. Uma abordagem integrada da Ilha impõe-se.
Devem os decisores políticos
pensar nos exemplos que proliferam por esse mundo fora. Quando num país a sua
capital assume uma dimensão causadora de certos problemas e
constrangimentos, tem-se desconcentrado esta, criando uma “outra
capital”, administrativa nuns casos, económica noutras, susceptível de fomentar
crescimento em outra áreas do Pais, aliviando a pressão na Capital.
Santiago, uma Região, com Capital
a definir pela Associação dos Municípios da Ilha bem que poderia ser
o equilíbrio necessário que a ILHA precisa.
Afinal, a Praia enquanto
Concelho “foi desembaraçado” da sua componente outrora designado de PRAIA RURAL
(agora Concelhos de São Domingos e Ribeira Grande de Santiago), ou seja, não
“olhou” para eles.
A Praia, cidade Capital do
Estado, não pode (ou não quis) assegurar aos restantes Concelhos de Santiago um
nível de desenvolvimento que os libertasse do nível de pobreza que
hoje ostentam.
Para a Cidade da Praia, ser
capital do País, já é estatuto suficiente.
Afinal, mantém toda a sua
actualidade, o diagnóstico do Dr. Ulisses Silva, a 25 de Novembro de 2011,
então Presidente da Câmara Municipal da Praia, na Conferência Internacional sobre
o Papel da Arquitectura no Desenvolvimento Sustentável, que decorreu na
Universidade Jean Piaget: Um dos factores condicionantes do desenvolvimento da
cidade da Praia daqui para frente tem que ser conter o seu crescimento com
políticas nacionais que criam condições de atractividade e de competitividade
nas outras cidades, nos outros concelhos, nas outras ilhas.
6. NÃO À INSTITUCIONALIZAÇÃO
DA DISCRIMINAÇÃO ENTRE AS ILHAS
Atribuir à Ilha de Santiago duas
Regiões, enquanto as restantes ilhas terão uma só Região, corresponde a
atribuir à Ilha uma condição particular, sem justificação aceitável e
enquanto tal, passível de produzir fatores de divisão político-institucional.
A coesão nacional passa pela
igualdade de tratamento das ilhas enquanto constituintes do todo.
Não é curial nem razoável
estabelecer no País a ideia de que uns serão mais que outros, que não importa o
princípio sacrossanto de igualdade de cada um e de todos que constitui valor
fundamental e base de unidade nacional.
Neste século vinte e
um e neste Cabo Verde não há lugar a APHARTEID, seja qual for a natureza que
ela possa revestir, porque contrário aos fundamentos da Nação.
Daí, a obrigação moral e política
de mudar essa perspetiva assegurando a igualdade de tratamento que se impõe
.Todos iguais, todos diferentes. Uma Ilha, uma Região.
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