segunda-feira, 29 de maio de 2023

Angola | MENTIRAS COM PERNA CURTA – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

O jornalista português Manuel Bessa Múrias estava em Luanda no dia 27 de Maio de 1977 a fazer reportagens para o semanário O Jornal. Na sequência do golpe do 25 de Novembro de 1975, vários militares do MFA estavam exilados em Luanda, entre eles o coronel Varela Gomes e o capitão Costa Martins que tinha sido ministro do Trabalho num dos governos provisórios. O médico Arménio Ferreira na época era uma espécie de embaixador de Angola em Portugal, conseguiu que lhe fosse emitido um visto. Foi o único jornalista estrangeiro a cobrir os acontecimentos em Luanda. Sorte de repórter.

Nas suas reportagens, Bessa Múrias descreve as barricadas dos golpistas nas ruas de Luanda. Homens armados até aos dentes não deixavam passar ninguém e obrigavam os luandenses a avançar para o Palácio da Cidade Alta. Os mais activos tinham montado uma barreira um pouco abaixo do Hotel Trópico. Quem andava na rua era encaminhado para a “manifestação” no Palácio da Cidade Alta. Nesse ponto ele fez entrevistas aos golpistas que estão publicadas nas páginas do extinto semanário O Jornal. 

A direcção do MPLA, o Ministério da Defesa e o Estado-Maior Geral das FAPLA emitiram comunicados onde os acontecimentos são descritos com todos os pormenores. Ainda estavam a decorrer operações para a contenção do golpe. Com base nesse material escrevi páginas e paginas no jornal Página Um.

Em 1976, Nito Alves fez um discurso na varanda do edifício do Governo Provincial de Luanda (na época Comissariado Provincial e antes Câmara Municipal). O ministro do interior apelou à morte aos militantes dos Comités Amílcar Cabral. Aos militantes da Revolta Activa. Aos militantes da Organização Comunista de Angola (OCA). Matem-nos! Denunciem-nos! Prendam-nos onde quer que se encontrem, berrava esganiçadamente  Nito Aves. Começou nesse momento a caça aos membros do Órgão Coordenador das Comissões Populares de Bairro, considerados pelos nitistas como traidores. Estava em marcha o desmantelamento das estruturas do Poder Popular. Em nome do combate à burguesia e aos esquerdistas.

Quem se opunha aos fraccionistas era burguês ou esquerdista. Lopo do Nascimento era burguês. Lúcio Lara era esquerdista. Carlos Rocha (Dilolwa) era esquerdista. Iko Carreira era burguês. Todos traidores da revolução! Ousei escrever e publicar um editorial no Diário de Luanda intitulado “Já Agora à Pedrada” no qual denunciei os desmandos de Nito Alves e da sua turma. Resultado: O Ministro da Informação demitiu-me da direcção do jornal. Fui substituído por Vergílio Frutuoso que sabia tanto de jornais como eu sei da existência de vida no último anel do planeta Júpiter. O novo director era assessorado pelo delegado da agência Novosti. Mais não digo de mim. 

Luciano Rocha foi demitido do jornal, ele também da direcção. Depois de muitas ameaças, sua irmã, revisora do jornal e professora primária, foi raptada por militares, atirada para cima de um viatura, levada para o Morro dos Veados e aí a violaram. Cenas destas aconteceram demasiadas vezes desde que Nito Aves chegou ao governo e começou a desmantelar as estruturas do Poder Popular que lhe faziam sombra. Desde o início de 1976 até ao dia 27 de Maio de 1977 os fraccionistas criaram um clima de terror em Luanda. Noutras cidades, não sei por isso não falo.

O Comandante de Coluna Eurico Gonçalves foi preso quando esta a convalescer de um ataque de filária, na casa do Comandante Tetembwa. Quando os golpistas invadiram a moradia, de madrugada, além dele, estava também uma mulher, oficial das FAPLA. Tenho um grande respeito por ela. Contou tudo o que aconteceu às autoridades competentes e nunca ninguém lhe arrancou uma palavra mais. Até hoje continua em silêncio. 

Os aldrabões, os falsificadores, os provocadores, nunca se esqueçam que essa mulher existe. E nunca se esqueçam que existem os depoimentos escritos dos membros da direcção política e militar do golpe. Nunca se esqueçam que o inquérito de José Eduardo dos Santos existe. E é mentira, não foi inconclusivo. Pelo contrário, foi apurado que existia fraccionismo no seio da direcção do MPLA. Os fraccionistas eram Nito Alves e José Van-Dúnem. Nunca se esqueçam.

Justino Pinto de Andrade, intriguista de profissão (é disso que vive em grande…) disse a um pasquim asqueroso português (Observador) que militantes do MPLA prenderam Lúcio Lara no “bureau” do partido em Brazzaville, ano de 1972. É verdade. O racismo ditou o comportamento dos revoltosos. É verdade. Mas depois entra em desvario. Diz que os revoltosos queriam afastar Agostinho Neto por ser casado com uma branca. E quando Neto lhes disse que assim saía da liderança porque não queria nada com racistas, eles responderam: Pode sair, já temos outro para o seu lugar, o camarada José Eduardo dos Santos.

Este episódio aconteceu quando Justino Pinto de Andrade estava preso. Mas ele conta como se tivesse vivido todos os pormenores. Já era mentiroso antes de aderir à UNITA. Agora é mentiroso profissional.

Agostinho Neto casou com uma portuguesa, morena. José Eduardo dos Santos casou com uma soviética, loira. Estes aldrabões nem as pensam! Mas com o deputado da UNITA não vou perder tempo. Tenho de me ocupar de um tal Miguel Francisco (Michel) que se serviu do Club K (capoeira da UNITA e arma de arremesso o do Miala) para muitas aldrabices, provocações e ataques racistas a dirigentes e militantes mestiços ou brancos do MPLA. 

Este tinha 19 anos em 1975. Disse à Voz da América (Media favorito de João Lourenço) que “no dia 16 de Novembro de 1974 alistei-me no exército porque tinha uma vontade imensa de contribuir para a liberdade do nosso país”. Cuidado com as aldrabices. Nessa altura só existiam as FAPLA, o braço armado do MPLA. Quer dizer: Só entravam nas FAPLA os militantes do movimento. Isso de exército só aconteceu em 1992.

O “Michel” diz que é um sobrevivente do 27 de Maio. Eu também sou mas não vivo disso nem escrevo aldrabices como ele e os seus compinchas. Não vou perder muito tempo com este aldrabão. Mas tenho que fazer uma correcção. Nos seus delírios diz que o 27 de Maio foi uma “manifestação”. Perder tempo com este falsário é mesmo um castigo. Mas tem que ser. O provocador a soldo diz que o 27 de Maio foi preparado por brancos e mestiços do MPLA! Para matarem dirigentes e militantes negros de altíssimo nível.

Tirando o racismo que caracteriza esta tropa de choque tenho de reagir à qualificação dos membros da direcção política e militar do golpe. Monstro Imortal foi o cérebro do golpe. Muito bom politicamente. Nito Alves oportunista e impostor. Sem dimensão intelectual. Sem formação média e muito menos superior. Sem profissão. Racista. Papagaio de umas larachas políticas que lhe meteram na cabeça. Valia zero. Bakalof igualmente mas ainda mais básico. José Van-Dúnem estudante e depois soldado atirador de cavalaria. Pouco mais do que isto. Um miúdo armado em homem. Sita Vales oportunista e manipuladora. Papagueava umas coisas de política, importadas da União Soviética. Não sabia nada de nada. As segundas linhas eram ainda piores.

O desastre aconteceu na cidade do Luena. Quando José Van-Dúnem foi expulso do comité central do MPLA cozinhou tudo para ser colocado no Leste. Levou com ele os seus companheiros de luta clandestina e outros que conheceu no campo de concentração de São Nicolau (Bentiaba) como é o caso de Gilberto Saraiva de Carvalho. Este era um quadro excepcional. Faz muita falta a Angola. Paulinho Cadavez, outro grande quadro. Faz muita falta. Juca Valentim tinha o seu feitio mas era muito melhor do que os dirigentes do golpe. Faz falta. Foram todos assassinados para vingar os comandantes do Leste, Dangereux e Bula Matadi. Os assassinados eram todos mestiços!

Gilberto Saraiva de Carvalho valia mais sozinho do que todos os membros da direcção política e militar do golpe. Sei disso por experiência pessoal. Era meu amigo. Um amigo para a eternidade. Não perdoo aos golpistas terem causado a morte de um grande angolano. De um grande Homem. De um militante extraordinário. 

O Tonet ganhou o estatuto de inimputável. Escreveu sobre o 27 de Maio e fala em 80.000 mortos. Mas só foram pedidas 4.000 certidões de óbito. E desses pedidos menos de 3.000 foram confirmados. Nem todos têm a ver com falecidos durante o golpe militar. O texto está construído em forma de perguntas. E ele desafia autores de livros recentemente publicados a responderem. Não respondem porque todas as perguntas são construídas sobre falsidades. Tudo inventado. Contra os mulatos.

A inimputabilidade de Tonet desta vez ultrapassou todas as marcas. Lança suspeitas sobre o Comandante Iko Carreira porque seu filho ainda criança foi estudar para Luanda, estando o pai na guerrilha. O caluniador não sabe mas a família Teles Carreira é luandense. E foi sempre muito respeitada, mesmo quando o filho Henrique (Iko) pôs em causa o regime colonialista e aderiu à luta armada dirigida pelo MPLA. Sua irmã Ana Maria foi estudante do Liceu Salvador Correia onde conclui o curso complementar. O filho de Iko Carreira, ainda criança foi estudar para Luanda porque tinha na capital avós, tios, tias e primos. Está dada a resposta.

Tonet lança graves calúnias sobre o Comandante Ingo (Benigno Vieira Lopes). Não lhe bastou ser atraído a uma cilada montada pela PIDE com agentes duplos, agora tem de enfrentar o banditismo mediático do Tonet. Após o 25 de Abril de 1974, o Comandante Ingo deu um contributo decisivo na defesa das populações indefesas dos musseques que eram atacadas diariamente pelos esquadrões da morte, criados pelos independentistas brancos. Não pode ser emporcalhado por um inimputável a soldo do poder instituído desde 2017.

Tonet afirma que o General Roberto Leal Monteiro (Ngongo) desertou da frente de Kifangondo no dia 10 de Novembro de 1975. Eu cheguei ao posto de comando às seis da manhã. Encontrei á o Gen eral Kianda e o General Dinho Martins. Depois chegou o General Ndalu com o General Ndozi e o General Ngongo. Os bombardeamentos a partir do Morro da Cal estavam duros. Mais prolongados do que nos dias anteriores. Depois o silêncio. Mas por pouco tempo. Menos de uma hora depois ouviu-se o roncar dos motores dos blindados zairenses. Os comandantes estavam todos na linha da diferente. Acusar um General das FAA de deserção é gravíssimo. Os difamados e desonrados são todos mestiços. Desde 2017 que começou a “imolação dos mulatos”. É o triunfo dos golpistas do 27 de Maio, 46 anos depois. Este ano, tirando os idiotas úteis Fuso e Reis, o “governo sombra” do chefe abriu a caça ao mulato.

Este ano, o 27 de Maio já teve comemorações com honras de Estado. Parabéns ao Presidente João Lourenço. Conseguiu com palavras o que não conseguiram os militares dos EUA, Reino Unido e França com a Operação Cobra (ou Operação Natal em Angola) que acabou por ser o golpe de estado militar. Eis o mobutismo sem Mobutu mas com toda a sua bestialidade ditatorial e a serpente do racismo. 

* Jornalista

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