quinta-feira, 12 de setembro de 2024

Papa em Timor-Leste: XIMENES BELO EM PALAVRAS INDIRETAS E TÉNUES DO PAPA

Em Timor-Leste, o Papa não falou do caso que mancha o herói nacional, mas pediu aos padres que não se sintam superiores ao povo

Papa esteve em Timor, onde a Igreja teve um papel vital na independência — mas o bispo Ximenes Belo, herói nacional, é suspeito de abusos. Francisco teve de gerir um complexo equilíbrio nos discursos.

Devido ao papel decisivo que teve no processo de independência de Timor-Leste, a Igreja Católica é profundamente admirada e reverenciada pelos timorenses — e a reverência traduz-se no modo como o clero é tratado. Como lembra o jornal Crux, os sacerdotes católicos são habitualmente tratados por Amu, ou “senhor”, e a sua autoridade e honorabilidade raramente é posta em causa.

E é aqui que entra a questão mais sensível da visita de Francisco a Timor-Leste: num país em que o clero é reverenciado, as vítimas de abusos sexuais tiveram nos últimos anos muitas dificuldades em fazer-se ouvir. Sobretudo quando a polémica incidiu sobre Ximenes Belo, um herói nacional que muitos timorenses se recusam a ver como possível criminoso.

"Não esqueçamos muitas crianças e adolescentes feridos na sua dignidade. Trata-se de um fenómeno que está a emergir no mundo inteiro. Todos somos chamados a agir de forma responsável para evitar qualquer tipo de abuso e garantir que as nossas crianças cresçam tranquilamente."

Sobre o tabu Ximenes Belo, apenas referências indiretas

A polémica em torno do bispo Carlos Ximenes Belo rebentou em 2022 nas páginas da imprensa holandesa, que trouxe a público testemunhos de alegadas vítimas de abusos sexuais que teriam sido cometidos pelo herói timorense durante os anos que passou como administrador apostólico de Díli. O caso remontaria a 2002, quando teria sido feita a primeira denúncia contra Ximenes Belo. As notícias conhecidas há dois anos levaram a uma releitura sobre o modo como o bispo deixou as suas funções em 2002.

Nesse ano, Ximenes Belo renunciou ao cargo de administrador apostólico de Díli e o Papa João Paulo II aceitou a renúncia — apesar de o bispo ter, à época, apenas 54 anos de idade, mais de vinte anos antes da idade com a qual habitualmente os bispos se reformam. A Igreja alegou, na altura, motivos de saúde para a saída de Ximenes Belo, que se fixou em Portugal. Durante cerca de duas décadas, o bispo timorense manteve uma agenda pública frequente, até à eclosão da polémica em 2022.

Depois da publicação das notícias sobre o caso, o Vaticano veio a público confirmar que tinha recebido as primeiras alegações sobre os comportamentos de Ximenes Belo em 2019 e que, no ano seguinte, tinha imposto um conjunto de sanções ao bispo, que incluíam limitações nos movimentos e no exercício das funções, uma proibição de contactos com menores e uma proibição de deslocações a Timor-Leste. As medidas seriam reforçadas em 2021. Quando a polémica rebentou, Ximenes Belo desapareceu para parte incerta, tendo saído da casa dos salesianos de Lisboa (onde morava) num carro da embaixada timorense em Portugal.

Mas, num país em que Ximenes Belo é reverenciado como herói nacional, as denúncias contra o bispo foram particularmente mal recebidas. Ao The New York Times, um antigo conselheiro governamental timorense, Josh Trindade, contou que um jornalista que tentou investigar as denúncias contra Ximenes Belo chegou a receber ameaças de morte — e a fúria coletiva em Timor-Leste não foi dirigida ao alegado abusador, mas às alegadas vítimas.

Ao mesmo jornal, o Presidente de Timor-Leste, José Ramos-Horta limitou-se a dizer que o caso já tinha sido “tratado há anos pelo Vaticano” e que, atualmente, Ximenes Belo “é ainda muito admirado pela maioria do povo por causa do seu papel no passado, pela sua coragem em dar abrigo às pessoas, em proteger as pessoas”.

Em antecipação à visita do Papa Francisco, o FONGTIL (Fórum das Organizações Não-Governamentais de Timor-Leste), que reúne mais de 400 organizações naquele país, escreveu uma carta aberta ao pontífice em que tocou no tema dos abusos, embora sem referir o nome de Ximenes Belo. Na carta, citada pelo 7Margens, as ONGs aplaudem “as recentes ações da Igreja para lidar com o abuso de mulheres e crianças, mesmo quando cometido por membros do clero”, mas também deixam um apelo: “Pedimos a Vossa Santidade que encoraje os líderes e o povo de Timor-Leste a tomar medidas mais eficazes para prevenir o abuso sexual e a violência doméstica.”

Mais perentória foi a ONG norte-americana Bishop Accountability, que se dedica à defesa das vítimas de abusos sexuais no contexto da Igreja Católica. Dias antes da visita do Papa Francisco, a ONG escreveu uma carta aberta ao cardeal Seán O’Malley, presidente da Comissão Pontifícia para a Proteção de Menores, pedindo-lhe que influenciasse o Papa Francisco no sentido de falar do assunto e de referir explicitamente o nome de Ximenes Belo.

Excertos retirados de OBSERVADOR

Na imagem: Ximenes Belo - Papa Francisco em Timor-Leste

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