Carvalho da Silva* | Jornal de Notícias, opinião
Esta semana foi rejeitada na Assembleia da República a moção de confiança apresentada pelo Governo e, no próximo dia 18 de maio, teremos de novo eleições. Mais do que uma situação circunstancial, temos em mãos uma potencial crise de confiança na democracia à escala nacional, que se justapõe a uma outra, bem manifesta, de escala global. Muito há a fazer para que os resultados não venham a ser desastrosos.
Atividades incompatíveis com o exercício de funções públicas, em particular naquelas de maior responsabilidade, levam as pessoas a desconfiar e desacreditar na democracia. O debate político, em grande medida, vai sendo feito entre ruído e ruínas, longe dos problemas da maior parte das pessoas, e carente de grandes ideias orientadas para a prosperidade partilhada e para o progresso.
As instituições definham. Tardam em revelar capacidade de se revitalizarem de forma afirmativa. A confiança dos cidadãos em serviços públicos fundamentais - na saúde, na justiça, na educação - está perigosamente degradada. Isso é fruto de um desinvestimento prolongado ao longo das últimas décadas e de campanhas permanentes contra a sua existência, com qualidade e com caráter universal e solidário. Os custos da habitação são criminosamente altos, bloqueando a organização de vida dos jovens. O trabalho e a proteção social, ancoradouros de direitos humanos e de fatores de realização das pessoas, nos planos individual e coletivo, têm sido maltratados. Os salários (e também as pensões de reforma) continuam muito baixos. As instituições centrais que os ancoram, como é o caso da contratação coletiva, estão fragilizadas.
No quadro internacional, também a confiança entre estados e nas instituições que regem as suas relações - nomeadamente o Direito Internacional - atravessam um período de enorme turbulência. Enquanto as facas dos “grandes líderes” se afiam, é fácil antecipar que será na pele dos mais frágeis que as lâminas se farão sentir. A velha lógica económica por detrás da guerra é hoje declarada sem reservas nem vergonha.
Esta semana, discutiu-se um hipotético cessar-fogo entre Rússia e Ucrânia, mas os dedos teimam em não largar o gatilho. E a União Europeia avança para um enorme esforço de rearmamento, ao arrepio de “sagradas” regras orçamentais: afinal estas são apenas simples escolhas políticas. A rigidez das regras impõe-se quando tratamos da promoção da coesão social e da modernização do tecido socioeconómico, mas deixa-se cair para atender a outras prioridades. Num caso “não pode ser”, no outro “tem de ser”.
As eleições de 18 de maio exigem forte sentido de responsabilidade. Sermos exigentes com o debate político e com os seus protagonistas, reclamando o confronto de ideias e exigindo políticas capazes de nos devolver a confiança num futuro próspero e justo. Depois, façamos do voto uma oportunidade para reconstruir a confiança na democracia.
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