JOSÉ LEITE PEREIRA, opinião – JORNAL DE NOTÍCIAS
Incomodou-me ler, esta semana, declarações de Otelo Saraiva de Carvalho dizendo que não voltaria a fazer o 25 de Abril se soubesse que o País estaria como está. Otelo há muito perdeu o lado romântico que o levou a colocar o País à frente dos interesses pessoais e quase todos nós, ao vê-lo, só por carinho conservamos a imagem de um homem de ar tímido mas decidido que comandou a revolução que libertou um povo de 48 anos de opressão, esquecendo muito do que de mau fez e deixou fazer no chamado Verão Quente, para não falarmos nas ditas FP-25, de má memória.
De uma maneira ou de outra, perdeu-se a inocência e a beleza daquele dia de há 37 anos. Mas ficou muita coisa. Ficou a liberdade. Ficou o desenvolvimento do Portugal profundo, ainda que muito desigual, é certo, e ficou uma maneira de viver melhor. Hoje, apesar de muita gente passar por dificuldades, vive-se melhor, escolhemos quem nos dirige e não há guerra, que sacrificava os nossos jovens e tolhia o futuro de povos que queriam ter o destino nas suas mãos.
Sabe-se o que não correu bem. Mas o saldo é positivo e é por isso que o 25 de Abril continua a merecer um Viva!, mesmo daqueles que nos lançaram medos e que tiveram a ilusão de que as grandes conquistas eram irreversíveis.
É por isso que se saúda a iniciativa que Cavaco Silva teve de juntar ex-Presidentes da República para falarem amanhã. Eanes, Soares e Sampaio, os nossos presidentes eleitos, juntam a sua voz à de Cavaco numa ocasião em que o País atravessa uma das suas maiores crises, em que está a hipotecar o seu futuro para pagar erros de um passado recente.
Todos estes homens viveram momentos de grande dificuldade à frente do País e o seu testemunho é por isso importante, porque é credível. Não cobrindo todo o espectro partidário, eles representa(ra)m uma larguíssima maioria da vontade expressa pelos portugueses, e seguramente farão ouvir a sua voz não para cavar cisões mas para unir em torno do que é essencial.
Dificilmente PCP e Bloco de Esquerda conseguirão ultrapassar as barreiras que levantaram ao longo dos anos para se juntar aos restantes partidos. No mínimo, é essencial que a base de apoio que os sustenta se aproxime de soluções maioritárias e que seja possível estabelecer consensos amplos, abrangendo partidos, mas também associações de trabalhadores e de patrões. Mas há também divisões que urgentemente devem ser ultrapassadas entre personalidades que pertencem a partidos cujo entendimento está na calha, nomeadamente entre José Sócrates e Passos Coelho. A uns e outros, os apelos do Presidente da República e dos ex-presidentes se deve dirigir amanhã com a certeza de que esta é certamente uma última oportunidade: os eleitores julgarão se vale a pena esperar pelos que nunca estão disponíveis para um consenso, do mesmo modo que não vale a pena contar com os que querem formar um consenso sob a condição de a liderança lhes pertencer.
PS - Em vésperas do 25 de Abril, numa altura de crise, vale a pena recordar homens que já nos deixaram e cujo contributo poderia ajudar o país. Recordo um militar - Ernesto Melo Antunes - e três civis - Adelino Amaro da Costa, Sá Carneiro e Salgado Zenha a quem Portugal muito deve e que muito úteis seriam numa altura em que é preciso unirmo-nos em torno de valores essenciais.
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