FABIOLA MUNHOZ – CARTA MAIOR
"Você vê hoje nas maiores cidades da Grécia muita gente consumindo. Mas, essas pessoas são de fora, de países que estão em melhor situação. O povo grego já não sai tanto de casa, guarda dinheiro para se precaver dos efeitos da crise financeira”, contou Christina Pelopida, jovem moradora de um pequeno povoado grego. Ela admitiu que a qualidade de vida da população ainda não sofreu grandes modificações. “As decisões que os políticos estão tomando agora, essas sim nos afetarão. E não estamos de acordo. O povo grego já não confia nos seus representantes, afirmou.” A reportagem é de Fabíola Munhoz.
Num momento em que a atual democracia se põe a perigo por políticas socioeconômicas submetidas aos efeitos da crise financeira, eis que chego a Grécia, o local onde o termo que dá nome a esse regime político se cunhou e se criou, com base em ideias de liberdade e participação cidadã.
Assim que desembarquei em terras gregas, no último dia 14 de agosto, pude conhecer a segunda maior cidade do país, chamada Thessaloniki que, embora bem menor que a capital, é reconhecida como local de relevância econômica pela atividade turística que mantém, apesar da recessão hoje alastrada pelas nações periféricas da zona do euro.
Isso pude constatar nos bares e restaurantes charmosos que esse município acolhedor, de grande beleza natural e arquitetônica, oferece. Os estabelecimentos estavam sempre cheio de pessoas elegantes, educadas e bem-humoradas que, em nada, davam sinais reveladores de qualquer rastro deixado pelo estouro da bolha consumista iniciado em 2008.
Por outro lado, pelas ruas, via-se vez ou outra algum imigrante africano vendendo bolsas e pulseiras. Rachid, originário da Jamaica, que pretendia juntar dinheiro para voltar a seu país, com a venda do artesanato que produzia a partir de lãs coloridas, era só um exemplo.
Também contrastavam com o bom nível de vida observado na limpeza e na organização do entorno, alguns pedintes de todas as idades, que se acercavam aos bares para pedir qualquer trocado, apelando à caridade alheia com olhos de abandono ou apresentações musicais, como era o caso de um menino com cerca de dez anos de idade, que tocava uma música tipicamente grega num pequeno acordeão.
Além disso, embora com uma presença considerável de pessoas dispostas à diversão e ao gozo das boas coisas da vida, para as quais se exige dinheiro, Thessaloniki era demasiadamente tranqüila para um local turístico, em pleno verão do hemisfério Norte. Isso, especialmente quando se compara tal cenário ao de cidades, como Barcelona e Roma, onde mesmo agora, fim de férias europeias, falta espaço para tanto visitante.
Talvez a explicação para essa relativa diminuição do interesse turístico pela Grécia se deva ao receio de que possíveis greves afetem a oferta de serviços públicos do país, como o de transportes, desde que, em 29 de junho deste ano, o Congresso grego aprovou medidas de austeridade orçamentária exigidas por Parlamento Europeu, Banco Central Europeu (BCE) e Fundo Monetário Internacional (FMI), em contrapartida à concessão da quinta parte de um plano de resgate financeiro à economia helênica, no valor de 12 bilhões de euros.
Em tal ocasião, a Praça Sintagma, ponto de manifestações populares por sua localização estratégica, à frente do Parlamento grego, encheu-se de pessoas contrárias a essas medidas exigidas pelo comando da União Europeia. A ratificação do novo plano, que previa aumento de impostos, limite de gastos sociais e privatização de empresas públicas, foi acompanhada de choques violentos entre manifestantes e Polícia, que repercutiram na mídia internacional, com um saldo de 148 feridos.
Nos dias seguintes ao embate, jornais anunciaram que, tanto o governo grego, como representantes do setor industrial da Grécia expressavam temor de que os distúrbios e greves recentes pudessem afetar as atividades turísticas no país. Fazia conexões mentais entre essas notícias e as imagens observadas em Thessalonik, durante a viagem de trem que me levaria dessa cidade a Atenas, quando tive o prazer de conhecer Christina Pelopida, jovem moradora de um pequeno povoado grego, que trabalha na capital e disse estar prestes a terminar seus estudos para tornar-se policial.
"Você vê hoje nas maiores cidades da Grécia muita gente consumindo. Mas, essas pessoas são de fora, de países que estão em melhor situação. O povo grego já não sai tanto de casa, guarda dinheiro para se precaver dos efeitos da crise financeira”, contou. No entanto, ela admitiu que a qualidade de vida da população ainda não sofreu grandes modificações e que a crise sobre a qual tanto se fala hoje não é sentida concretamente, mas apenas temida, diante das informações divulgadas pela mídia que justificam os recortes sociais postos em prática pelo governo grego.
“As decisões que os políticos estão tomando agora, essas sim nos afetarão. E não estamos de acordo. O povo grego já não confia nos seus representantes”, afirmou Christina, pedindo que eu tomasse cuidado, caso passasse pela Praça Sintagma de Atenas, onde, segundo ela, são comuns as situações de conflito e violência.
Porém, quando, de fato, pus os pés diante do Parlamento helênico, no início da tarde do dia 16 de agosto, só encontrei muita calmaria. Nem sinal do acampamento de jovens montado na praça mais importante de Atenas durante a última semana do mês de junho. Tampouco se viam cartazes com mensagens de indignação, e menos ainda se percebia a presença de qualquer aglomerado de manifestantes.
Notava-se, somente, a existência de dois policiais observando o entorno, de um canto da praça, enquanto alguns cidadãos dispersos, se reuniam pelos bancos com o semblante despretensioso de quem discute um tema banal ou simplesmente aguarda a passagem do tempo, distraindo-se com a movimentação da rua. Aquele ambiente causou certa dose de estranhamento a mim, acostumada que estava a receber informações sobre o impacto avassalador da crise financeira na Grécia e o descontentamento da população do país diante desse cenário.
Também desencaixado me parecia o volume de produtos e consumidores, visíveis no centro antigo de Atenas, enquanto na região próxima à estação de metrô Omonia, chegava-se a ver pessoas se prostituindo ou dormindo pelas ruas. Por todos os bares e restaurantes existentes na zona adstrita à famosa Acrópole, que eram muitos e estavam sempre lotados, continuava o espetáculo já observado em Thessalonik, de imigrantes e gregos vendendo badulaques ou mendigando.
Após tudo isso constatar, voltei no dia 17 de agosto, pela noite, à Praça Sintagma. Foi então que observei a realização de uma Assembleia de cidadãos, aos moldes das reuniões populares organizadas pelo 15-M espanhol.
Dezenas de pessoas ocupavam o local pacificamente, sentadas em círculo, com um microfone no centro. Ali, a cada instante, um cidadão diferente tomava a palavra para expor suas reclamações e pontos de vista, ouvidos com atenção e silêncio pelos demais presentes. Ao lado, três policiais observavam a reunião com tranqüilidade e discrição, até porque não havia ali o mínimo motivo para justificar qualquer postura diferente.
No dia seguinte, parti de Atenas rumo a Barcelona, onde me deparei com a Praça Catalunha, segundo símbolo da efervescência do movimento 15-M, depois da Porta do Sol, em Madri, interditada em grande parte do seu espaço, para reformas, segundo um cartaz exposto no seu centro. Em época de cortes sociais devido à crise, muito estranho que haja dinheiro para obras numa praça que, aos olhos dos transeuntes, parecia muito bem conservada.
É nesse cenário de entraves à mobilização popular que hoje (30/8) o Parlamento espanhol analisa uma proposta de reforma constitucional que prevê a limitação do déficit orçamentário do país a até 0,40% do PIB. O Parlamento Europeu elogiou a medida, enquanto equipes da União Europeia, do Banco Central Europeu e do Fundo Monetário Internacional, desde o início da semana passada, examinam as contas gregas para acompanhar o cumprimento das medidas de saneamento da economia do país.
Do resultado da avaliação depende a liberação de uma ajuda de 8 bilhões de euros à Grécia, a sexta parte do primeiro plano de resgate ao país no valor total de 110 bilhões de euros. Segundo a Agência de Notícias EFE, os analistas do bloco do euro vão conferir o progresso de Atenas na redução do déficit, o andamento dos processos de privatização, a reestruturação do sistema bancário e financeiro helênico, os cortes e fusões de entidades públicas nacionais, e as reformas vinculadas com a administração e o Estado. Essa análise estava prevista para terminar formalmente ontem (29/8), mas o resultado, se já existe, ainda não foi divulgado.
Há o risco de que a conclusão dessa auditoria se apresente como outro argumento de pressão para novos recortes de direitos sociais e manutenção do povo grego como refém dos interesses de instituições financeiras, que atualmente são as únicas a decidir os rumos de populações inteiras, num continente que se crê regido por democracia.
Assim que desembarquei em terras gregas, no último dia 14 de agosto, pude conhecer a segunda maior cidade do país, chamada Thessaloniki que, embora bem menor que a capital, é reconhecida como local de relevância econômica pela atividade turística que mantém, apesar da recessão hoje alastrada pelas nações periféricas da zona do euro.
Isso pude constatar nos bares e restaurantes charmosos que esse município acolhedor, de grande beleza natural e arquitetônica, oferece. Os estabelecimentos estavam sempre cheio de pessoas elegantes, educadas e bem-humoradas que, em nada, davam sinais reveladores de qualquer rastro deixado pelo estouro da bolha consumista iniciado em 2008.
Por outro lado, pelas ruas, via-se vez ou outra algum imigrante africano vendendo bolsas e pulseiras. Rachid, originário da Jamaica, que pretendia juntar dinheiro para voltar a seu país, com a venda do artesanato que produzia a partir de lãs coloridas, era só um exemplo.
Também contrastavam com o bom nível de vida observado na limpeza e na organização do entorno, alguns pedintes de todas as idades, que se acercavam aos bares para pedir qualquer trocado, apelando à caridade alheia com olhos de abandono ou apresentações musicais, como era o caso de um menino com cerca de dez anos de idade, que tocava uma música tipicamente grega num pequeno acordeão.
Além disso, embora com uma presença considerável de pessoas dispostas à diversão e ao gozo das boas coisas da vida, para as quais se exige dinheiro, Thessaloniki era demasiadamente tranqüila para um local turístico, em pleno verão do hemisfério Norte. Isso, especialmente quando se compara tal cenário ao de cidades, como Barcelona e Roma, onde mesmo agora, fim de férias europeias, falta espaço para tanto visitante.
Talvez a explicação para essa relativa diminuição do interesse turístico pela Grécia se deva ao receio de que possíveis greves afetem a oferta de serviços públicos do país, como o de transportes, desde que, em 29 de junho deste ano, o Congresso grego aprovou medidas de austeridade orçamentária exigidas por Parlamento Europeu, Banco Central Europeu (BCE) e Fundo Monetário Internacional (FMI), em contrapartida à concessão da quinta parte de um plano de resgate financeiro à economia helênica, no valor de 12 bilhões de euros.
Em tal ocasião, a Praça Sintagma, ponto de manifestações populares por sua localização estratégica, à frente do Parlamento grego, encheu-se de pessoas contrárias a essas medidas exigidas pelo comando da União Europeia. A ratificação do novo plano, que previa aumento de impostos, limite de gastos sociais e privatização de empresas públicas, foi acompanhada de choques violentos entre manifestantes e Polícia, que repercutiram na mídia internacional, com um saldo de 148 feridos.
Nos dias seguintes ao embate, jornais anunciaram que, tanto o governo grego, como representantes do setor industrial da Grécia expressavam temor de que os distúrbios e greves recentes pudessem afetar as atividades turísticas no país. Fazia conexões mentais entre essas notícias e as imagens observadas em Thessalonik, durante a viagem de trem que me levaria dessa cidade a Atenas, quando tive o prazer de conhecer Christina Pelopida, jovem moradora de um pequeno povoado grego, que trabalha na capital e disse estar prestes a terminar seus estudos para tornar-se policial.
"Você vê hoje nas maiores cidades da Grécia muita gente consumindo. Mas, essas pessoas são de fora, de países que estão em melhor situação. O povo grego já não sai tanto de casa, guarda dinheiro para se precaver dos efeitos da crise financeira”, contou. No entanto, ela admitiu que a qualidade de vida da população ainda não sofreu grandes modificações e que a crise sobre a qual tanto se fala hoje não é sentida concretamente, mas apenas temida, diante das informações divulgadas pela mídia que justificam os recortes sociais postos em prática pelo governo grego.
“As decisões que os políticos estão tomando agora, essas sim nos afetarão. E não estamos de acordo. O povo grego já não confia nos seus representantes”, afirmou Christina, pedindo que eu tomasse cuidado, caso passasse pela Praça Sintagma de Atenas, onde, segundo ela, são comuns as situações de conflito e violência.
Porém, quando, de fato, pus os pés diante do Parlamento helênico, no início da tarde do dia 16 de agosto, só encontrei muita calmaria. Nem sinal do acampamento de jovens montado na praça mais importante de Atenas durante a última semana do mês de junho. Tampouco se viam cartazes com mensagens de indignação, e menos ainda se percebia a presença de qualquer aglomerado de manifestantes.
Notava-se, somente, a existência de dois policiais observando o entorno, de um canto da praça, enquanto alguns cidadãos dispersos, se reuniam pelos bancos com o semblante despretensioso de quem discute um tema banal ou simplesmente aguarda a passagem do tempo, distraindo-se com a movimentação da rua. Aquele ambiente causou certa dose de estranhamento a mim, acostumada que estava a receber informações sobre o impacto avassalador da crise financeira na Grécia e o descontentamento da população do país diante desse cenário.
Também desencaixado me parecia o volume de produtos e consumidores, visíveis no centro antigo de Atenas, enquanto na região próxima à estação de metrô Omonia, chegava-se a ver pessoas se prostituindo ou dormindo pelas ruas. Por todos os bares e restaurantes existentes na zona adstrita à famosa Acrópole, que eram muitos e estavam sempre lotados, continuava o espetáculo já observado em Thessalonik, de imigrantes e gregos vendendo badulaques ou mendigando.
Após tudo isso constatar, voltei no dia 17 de agosto, pela noite, à Praça Sintagma. Foi então que observei a realização de uma Assembleia de cidadãos, aos moldes das reuniões populares organizadas pelo 15-M espanhol.
Dezenas de pessoas ocupavam o local pacificamente, sentadas em círculo, com um microfone no centro. Ali, a cada instante, um cidadão diferente tomava a palavra para expor suas reclamações e pontos de vista, ouvidos com atenção e silêncio pelos demais presentes. Ao lado, três policiais observavam a reunião com tranqüilidade e discrição, até porque não havia ali o mínimo motivo para justificar qualquer postura diferente.
No dia seguinte, parti de Atenas rumo a Barcelona, onde me deparei com a Praça Catalunha, segundo símbolo da efervescência do movimento 15-M, depois da Porta do Sol, em Madri, interditada em grande parte do seu espaço, para reformas, segundo um cartaz exposto no seu centro. Em época de cortes sociais devido à crise, muito estranho que haja dinheiro para obras numa praça que, aos olhos dos transeuntes, parecia muito bem conservada.
É nesse cenário de entraves à mobilização popular que hoje (30/8) o Parlamento espanhol analisa uma proposta de reforma constitucional que prevê a limitação do déficit orçamentário do país a até 0,40% do PIB. O Parlamento Europeu elogiou a medida, enquanto equipes da União Europeia, do Banco Central Europeu e do Fundo Monetário Internacional, desde o início da semana passada, examinam as contas gregas para acompanhar o cumprimento das medidas de saneamento da economia do país.
Do resultado da avaliação depende a liberação de uma ajuda de 8 bilhões de euros à Grécia, a sexta parte do primeiro plano de resgate ao país no valor total de 110 bilhões de euros. Segundo a Agência de Notícias EFE, os analistas do bloco do euro vão conferir o progresso de Atenas na redução do déficit, o andamento dos processos de privatização, a reestruturação do sistema bancário e financeiro helênico, os cortes e fusões de entidades públicas nacionais, e as reformas vinculadas com a administração e o Estado. Essa análise estava prevista para terminar formalmente ontem (29/8), mas o resultado, se já existe, ainda não foi divulgado.
Há o risco de que a conclusão dessa auditoria se apresente como outro argumento de pressão para novos recortes de direitos sociais e manutenção do povo grego como refém dos interesses de instituições financeiras, que atualmente são as únicas a decidir os rumos de populações inteiras, num continente que se crê regido por democracia.
Fotos: Fabíola Munhoz
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