terça-feira, 8 de novembro de 2011

"Cenário para taxação de transações financeiras nunca foi tão favorável quanto agora"




ENTREVISTA - IGNACIO RAMONET

João Novaes, Brasília Opera Mundi

No fim da década de 1990, enquanto os governos e a opinião pública mundial defendiam em uníssono os princípios mais extremos do liberalismo, um jornalista espanhol radicado na França ousou desafiar esses conceitos.

Diretor da tradicional revista Le Monde Diplomatique desde 1991 (cargo que ocupou até 2008), esteve na linha de frente do ativismo altermundialista. Um editorial seu de 1997, influiu na criação do grupo anticapitalista ATTAC (Associação pela Taxação de Transações Financeiras por Ajuda aos Cidadãos), cujo objetivo de cobrar um imposto no mundo das finanças foi duramente atacado na época.

O mundo dá voltas. Nessa sexta-feira (04/11), o encontro de cúpula do G20, grupo das maiores economias do planetas, passou a considerar seriamente a hipótese, como mais uma alternativa à crise financeira que atingiu o primeiro mundo desde 2008. Outras ideias que Ramonet criticava, como a opção da centro-esquerda europeia em seguir pela terceira via, uma coabitação entre a social-democracia com o neoliberalismo, também estão cada vez mais em pauta, e uma nova alternativa política começa a ser encontrada na América Latina.

Em passagem pelo Brasil, onde participou do 1º Encontro Mundial dos Blogueiros, em Foz do Iguaçu, e de um debate promovido pela Alba (Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América) na Universidade de Brasília, Ramonet concedeu uma entrevista exclusiva ao Opera Mundi, no qual abordou apalavra mais em moda no mundo contemporâneo: crise.

Longe de se restringir à economia, Ramonet mostra que o mundo também passa por um vazio de ideias e uma transformação sem precedentes na maneira de se comunicar, deixando o jornalismo tradicional sem rumo – o que não é necessariamente uma mudança positiva.

O sr. acredita que a social-democracia, após optar pela Terceira Via e o neoliberalismo no fim do século XX se encontra em crise de identidade? Como fazer para que seus partidos voltem a ser uma real alternativa política na Europa?

Não há dúvida que isso ocorre. A grave crise econômica e social a qual vive a Europa deve-se, em parte, ao fato de que não haver uma verdadeira alternativa à política econômica que rege o continente nos últimos 30 anos.

Isso ocorre porque a social-democracia se converteu à tese neoliberal, que consiste em dizer que, em matéria de Economia, não há outra alternativa possível: o mercado e os investidores privados antes de tudo. O Estado não tem nada a dizer e a deixa completamente nas mãos do setor privado. Pode haver alguma diferença em questão de moral, liberdades, expansão (da União Europeia), certos aspectos do Estado de bem-estar social, etc. Mas na Economia não se mexe.

Com essa atitude, chegamos à crise atual sem qualquer solução. E note que foram os países governados pelos social-democratas que se encontram em situação mais grave na Europa: Giorgos Papandreou, na Grécia, do Pasok (Partido Socialista Pan-helênico) e atual presidente da Internacional Socialista, José Luis Zapatero, na Espanha (Partido Socialista Operário Espanhol) e até recentemente perder a eleição, José Sócrates, em Portugal (Partido Socialista).

No meu ponto de vista, a social-democracia precisa ser refundada e se questionar. Assim como fizeram no passado Tony Blair (ex-premiê britânico pelo Partido Trabalhista) e Gerhard Schröder (ex-chanceler alemão pelo Partido Social-Democrata), que foram os teóricos dessa tese da Terceira Via, ou seja, imitar a direita na Economia e ser diferente no resto. Hoje temos que sair dessa alternativa. E muitos socialistas concordam que é preciso sair dessa prisão intelectual.

E esses socialistas já começaram a se organizar em torno de um movimento ou ainda estão perdidos?

Não vejo um movimento organizado nesse sentido. Nem houve qualquer menção na última reunião da Internacional Socialista realizada em Madri, onde o próprio (ex-presidente brasileiro) Lula participou.

Mas é importante lembrar que a social-democracia latino-americana foi também partidária do neoliberalismo. E isso começou a mudar a partir da Venezuela. E por que? Porque o dirigente social-democrata mais importante da região no início dos anos 1990, Carlos Andrés Pérez, adotou uma terapia do choque, que provocou uma explosão social no país a partir de 1989. Como conseqüência, surgiu uma forte oposição pela qual Hugo Chávez foi eleito democraticamente, defendendo que as propostas da social-democracia não eram mais válidas.

Podemos dizer que a integração da América Latina deveria seguir os mesmos passos percorridos pela UE (União Europeia) ou deve escolher seu próprio caminho?

Acho há lições que podem ser tiradas. Quando Lula esteve em Paris para receber o título de Doutor Honoris Causa no Instituto de Ciências Políticas, ele disse que a União Europeia é um “patrimônio democrático da humanidade”. E tem razão.

A União Europeia é uma construção muito interessante porque, nos dois últimos séculos, o continente era sinônimo de um campo de batalha. Era onde as guerras ocorriam, as duas guerras mundiais, a Revolução Russa, o Holocausto, todos os grandes horrores da humanidade se passavam lá. Mas depois da construção da UE, tornou-se talvez a mais pacífica. E isso foi uma conquista muito importante.

Mas, sob o ponto de vista econômico, decisões como o abandono da soberania dos Estados-membros nos colocaram à véspera de uma catástrofe.

Os latino-americanos devem, certamente, avançar nos aspectos da integração. A região ficará mais forte e influente se conseguir se articular. Mas não acho que devam adotar uma moeda única. Talvez partir para a solução de uma moeda comum, como a Alba (Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América) com o Sucre. É um sistema de compensação: você paga com uma moeda que na prática não existe, mas que permite saber o valor do produto, sem precisar recorrer ao dólar, euro ou outra moeda estrangeira. Era assim na Europa antes do Euro, com o sistema monetário europeu. E é viável.

De outra parte, a integração política deve ser feita com prudência. Avançar reduzindo ao máximo as diferenças entre os países, mas ter em conta as realidades dos povos e das nações, que na região possuem uma história mais recente (do que a Europa). Deve-se tentar conservar os benefícios da integração e rejeitar o que não deu certo. E a experiência europeia pode ser um exemplo muito útil para os latino-americanos nesse sentido.

Acredita que a adoção de taxas para transações econômicas, como a Taxa Tobin, há tantos anos defendida pelo Sr., se encontram atualmente em um cenário mais propício do que o passado?

Nunca foi tão favorável. Quando eu defendi publicamente a ideia pela primeira vez, em 1997, diziam que era uma loucura, uma utopia. Todos os países recusaram.

Mas, a partir do momento em que a crise iniciada em 2008 se agravou, de pouco a pouco vemos muitos economistas e chefes de Estado que defendem essa cobrança. O próprio Parlamento Europeu pediu sua criação. Sarkozy a defende em toda reunião. Merkel também. Só o Reino Unido é contra.

Mas eles preferem que seja uma medida temporária, com prazo de validade.

Sarkozy a quer agora, como a quis em 2008, mas os mercados não deixaram.Agora ele voltou com a ideia, porque todos estão sem dinheiro para pagar as dívidas soberanas. Com um imposto dessa natureza, a Europa teria a cada ano cerca de 150 bilhões de dólares. Teríamos resolvido o problema da dívida grega. Permitiria criar um fundo de ajuda financeira para eles. Eu defendia um fundo de ajuda aos países em desenvolvimento, mas só para os europeus deve servir.

Quando compramos um produto qualquer, todos pagamos um imposto por ele. Até uma garrafa d’água tem seu valor agregado. Ao mesmo tempo, quando se compra dez bilhões de euros, não se paga nada. Isso não é normal. Por isso a Taxa Tobin é um assunto mais do que atual. Ela também criaria um freio no mercado de câmbio.

Nunca precisamos tanto criar essa taxa, nem nunca estivemos tão prontos.

Mas há quem queira impedi-la. Afinal, do que vive o Reino Unido? Nem de matéria-prima nem de indústria, mas do mercado financeiro. Seu grande produto é a Bolsa. Os britânicos são contra ela, mas isso é problema deles. Eles não estão na zona Euro, portanto esse imposto pode ser aplicado somente à região.

Os Estados Unidos também não gostam da ideia, pois tem uma tradição liberal. Na Europa, quem obtém algum lucro com o dinheiro aplicado em ações paga uma pequena taxa,de valor insuficiente. Já um operário que trabalha em uma linha de montagem paga muito mais impostos do que alguém que vive de ações. Mas pelo menos esse capital é taxado na Europa. Só que nos EUA, não se paga nada. Tudo o que você ganhar na Bolsa é taxa zero! É outra cultura.

Em sua participação no 1º Encontro Mundial dos Blogueiros, em Foz de Iguaçu no último fim de semana, o sr. disse que as mudanças provocadas pelo surgimento das novas mídias sociais criava um cenário “entre a luz e a sombra”. Por que essa disparidade?

Por um lado, as mídias sociais são um fenômeno altamente positivo. É uma possibilidade de os cidadãos intervirem em debates que antes só eram restritos a quem a grande mídia quisesse. Quem quiser se expressar pode contar com essa possibilidade. Antes, era muito mais difícil. Era necessário encontrar um veículo ou uma rádio que te convidasse, etc. Hoje isso mudou.

Não havia nem o mesmo espaço para tanto.

Sim, hoje é diferente. Globalmente, a internet é uma ferramenta de fácil utilização e barata. Mesmo que se necessite comprar um mínimo de equipamento, é possível gerir um veículo com recursos cada vez mais reduzidos. Trata-se de uma reviravolta considerável e que pode ser considerado altamente positiva. Essa é o lado da “luz”.

Há, no entanto, o lado “sombrio”. Também não podemos simplesmente acreditar que essa transformação na maneira de se comunicar ocorra sem que novas corporações sejam as grandes beneficiadas. Entre as principais temos o Facebook, o Twitter, o Google.

Às vezes não nos damos conta que, toda vez que utilizamos essas novas mídias, estamos tornando essas corporações cada vez mais lucrativas. Você pode ligar para um amigo para planejar a “grande revolução anti-capitalista”. Para a empresa de telefonia poço importa, está ótimo, ela lucra com a sua chamada.

Também não devemos acreditar que, ao conseguirmos oferecer a possibilidade de qualquer pessoa expressar sua opinião, que chegamos à era da democratização da comunicação. Sim, ela está mais acessível, mas os cidadãos produzem nem são fonte dessas informações. Eles participam, na realidade, nos comentários.

Em terceiro lugar, deve-se considerar que todo esse sistema é vigiado. Quando você se exprime através das novas mídias sociais ou por novas tecnologias de informação, está entregando informações que poderão ser rastreadas.

Há tanto aspectos positivos quanto negativos. Em Foz do Iguaçu, embora estivéssemos em um encontro de blogueiros progressistas, lembrei a todos que há colegas de todas as características políticas: progressistas e conservadores; revolucionários e reacionários. O fato de ser um blogueiro não faz de você necessariamente num rebelde.

Claro, o que ocorreu na Tunísia e no Egito foi muito positivo. Porém, pelo mundo, nem sempre é assim. É um sistema de dupla face.

O senhor acredita que o jornalismo tradicional se encontra em crise em razão dessa nova dinâmica e da ação de internautas independentes que o sr. chama de "webatores"?

Acredito que o jornalismo vive atualmente sua crise mais grave. Sempre foi difícil fazer o bom jornalismo, nunca foi moleza. Também nunca tivemos uma “era de ouro” na profissão, um tempo em que fosse maravilhoso ser jornalista, que se trabalhasse sem arranjar problemas com empresas e políticos. Jamais.

Mas essa crise é sem precedentes, especialmente para a imprensa escrita. Por uma simples razão: estamos numa faze de transformação do ecossistema midiático, e causa um problema de identidade.

Se todo mundo faz jornalismo, se todos os "webatores" fazem jornalismo, em que o jornalista faz diferença, no que ele é especial? Por exemplo, o que diferencia um repórter de um grande jornal brasileiro de um blogueiro? Não há tanta diferença. E é muito possível que determinado blogueiro alcance um público muito maior e genérico do que um jornalista ligado a um veículo tradicional.

E essa crise de identidade não é só do jornalista, mas também de sua profissão. Porque veículos como o Wikileaks mostraram que o jornalismo tradicional não funciona. Que o jornalista tradicional não esteve à altura de descobrir uma informação de conteúdo sigiloso que, por sua vez, o Wikileaks foi capaz de revelar.

É uma crise sob muitos aspectos, também como os grandes grupos de comunicação. Nunca na história em tão pouco tempo, tivemos tantos jornais fechando, ou pelo menos decidindo encerrar suas atividades na versão em papel. Aqui tivemos o Jornal do Brasil, mas nos Estados Unidos são dezenas e dezenas: 120 jornais já fecharam, entre eles muitos tradicionais, fundados no século XIX, de histórias centenárias.

A mudança desse ecossistema provoca a extinção de uma forma de jornalismo. Assim como o fim do Período Jurássico provocou pó fim dos dinossauros.

Essa nova era da informação e da mídia contribuiu para mudanças sociais em alguns países? O sr. já citou a influência deles na queda dos regimes da Tunísia e Egito. Mas e na América Latina, em especial nos casos da Venezuela e do Equador?

Na América Latina, nem tanto.

Em relação a esses dois países, ocorre um outro fenômeno muito importante: uma guerra entre a mídia local e o governo. E isso também ocorre na Bolívia e na Argentina. Mas não se trata de uma guerra entre as novas mídias contra as antigas, onde cada uma ficaria de um lado.

O que realmente importa é a vontade desses Estados em constituir um sistema midiático mais equilibrado. Antes, esses sistemas eram quase exclusivamente privados. Agora tentam criar uma coabitação entre o privado e o público. Essa é a razão do conflito. Na América Latina,os atores dessa nova comunicação se encontram na mídia comunitária. E são muito fortes nas rádios.

Os "webatores" latino-americanos, até o momento, não fizeram tanta diferença, não se uniram como uma força coletiva. Estão espalhados nos dois cantos, uns defendem os meios públicos, outros os privados.

E os serviços de informação pública nesses países, como as novas agências públicas de informação, são satisfatórios? Como assegurar a independência deles?

Não acho que as novas mídias criadas nos setores públicos desses países, como as rádios e redes de televisão, sejam perfeitas. Assim como as do setor privado nunca foram. Mas eles participam de uma vontade de equilibrar as mídias, de colocar à disposição do cidadão mídias que não sejam empresariais, garantidas pelo Estado. Com frequência, é o governo quem as comandas, mas elas normalmente têm a uma vocação independente.

Funciona da mesma maneira que a escola pública: ela é subvencionada pelo Estado, mas seus programas são destinados a todos. Os professores não estão a favor ou contra o governo. Eles estão a serviço da Educação e dos alunos. E é assim que as mídias públicas precisam ser encaradas.

E o caso específico de Cuba?

Bom, aí é totalmente diferente! Porque em Cuba lá não há pluralidade na mídia. Não existem jornais, rádios e televisões que exprimam um ponto de vista contrário ou hostil ao governo.

Isso não significa que lá não exista liberdade de expressão. Há muito espaço para debates e discussões.

Mas por quê não na mídia? Porque Cuba vive uma situação peculiar, por isso devemos considerá-la um caso à parte. Enquanto os Estados Unidos continuarem com uma posição de agressão, inclusive midiática, como por exemplo faz com a Rádio Martí, na Flórida [opositora radical do regime cubano financiada pelo governo norte-americano], política e econômica, Cuba será um país que tomará precauções para se defender.

Eu já publiquei um livro com uma entrevista de Fidel Castro, onde ele mesmo admite que não existe liberdade de imprensa em Cuba. Por quê? Porque, segundo ele, “nas circunstâncias em que nos encontramos, não podemos permitir que os inimigos venham a nos atacar e criticar”. Se as condições mudarem, ou seja, os EUA renunciarem ao embargo como já foi determinado pela ONU (Organização das Nações Unidas), então Cuba será um país completamente diferente.

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2 comentários:

Anónimo disse...

"Eu já publiquei um livro com uma entrevista de Fidel Castro, onde ele mesmo admite que não existe liberdade de imprensa em Cuba. Por quê? Porque, segundo ele, “nas circunstâncias em que nos encontramos, não podemos permitir que os inimigos venham a nos atacar e criticar”. Se as condições mudarem, ou seja, os EUA renunciarem ao embargo como já foi determinado pela ONU (Organização das Nações Unidas), então Cuba será um país completamente diferente."

Esta postagem é uma brincadeira, não é? Se em Angola não existe liberdade de imprensa, o presidente de lá é um tirano, mas se em Cuba não existe, é diferente, pois o Fidel têm "justificativas". Pois é, uns são ditadores, outros são "revolucionários", mesmo quando esses "revolucionários" liberam práticas capitalistas em Cuba.

Ah, o embargo é culpado por Cuba ter de importar até hortaliças.

Anónimo disse...

UM IMENSO DEBATE POR REALIZAR!

As mudanças no mundo obrigam a perspectivas de estratégia, que diariamente merecem ser reanalisadas e reequacionadas.

Cuba sempre defendeu de há pouco mais de 50 anos a esta parte, uma posição revolucionária de vanguarda e tem-se obrigado a seguir essa trilha no essencial do lado humano do seu empenho (o que é efectivamente uma excepção à escala global).

Até que ponto tem efectivamente funcionado a sua democracia participativa?... as actuais evoluções em Cuba respondem em grande parte a essa questão!

Mesmo assim, Cuba é obrigada, na presente conjuntura, a defender os princípios de sua revolução, senão a democracia participativa correrá riscos de sobrevivência!

Em Angola, depois da trajectória inicial, "defende-se o mercado" e por isso corre-se os riscos dos "mercados" mais vulneráveis porque inseguros: aqueles que têm abertos enormes espaços para ingerência e manipulação, interna e externa, apesar da cosmética da "democracia representativa" e da mais aparente que real multiplicidade das correntes de pensamento e acção.

Este é um tema que merecia ser muito mais debatido e aprofundado.

Martinho Júnior.

Luanda.

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