Rui Peralta
Dos operários chineses á memória de Ben Bella
No dia 8 de Maio cerca de mil trabalhadores do calçado em Dongguan (importante cidade industrial da província de Guangdong, localizada no Delta do Rio das Pérolas), realizaram uma paragem de trabalho e manifestaram-se contra os planos de redução do seu premio mensal de 500 para 100 yenes. A direcção da empresa negou-se a dar explicações e recusou qualquer tipo de negociação. Os trabalhadores relataram o facto nos seus blogs e o China Labour Bulletin (CLB – www.clb.org.hk.) contactou os trabalhadores reproduzindo os seus comunicados.
O CLB é um grupo fundado em 1994 em Hong Kong, por um operário ferroviário, Han Dongfang e um académico que dedica a sua carreira ao estudo dos movimentos alternativos chineses após a revolução cultural, Robin Munro. Han Dongfang foi o principal organizador durante as jornadas de Tiananmen da Federação Autónoma de Trabalhadores de Pequim. Depois de terem publicado as reclamações dos trabalhadores, realizaram uma campanha de divulgação dos protestos que levou á presença na fábrica de vários repórteres. Para evitar descontentamentos, funcionários do governo local pressionaram a direcção da empresa em negociar com os trabalhadores, que voltaram ao trabalho depois dos seus prémios estarem garantidos.
O movimento grevista cresceu bastante nos últimos 6 meses, nos mais distintos sectores e abarcando uma ampla gama de reivindicações. No mês de Março deste ano um aumento repentino do preço do combustível provocou uma onda de protestos, paralisações e greves do sector dos transportes. Em Abril os operários fabris foram os protagonistas de um amplo movimento contra os baixos salários e os planos de relocalização, fusão, restruturação e redimensionamento das empresas. Em Nanjing, numa fábrica da multinacional sul coreana LG, os operários entraram em greve, reivindicando melhores condições de trabalho e contra os maus tratos infligidos pela gestão sul-coreana. A administração da empresa despediu os trabalhadores grevistas, mas o movimento alargou a outros sectores da fábrica, levando á completa paralisação da empresa e ocupação da mesma pelos trabalhadores, que montaram barricadas para enfrentar a polícia. As autoridades laborais chinesas e responsáveis locais do PCC reuniram-se com a administração sul-coreana e esta aceitou a realização de uma reunião com os trabalhadores e atender às queixas destes, mas os trabalhadores não desocuparam a fábrica até terem garantias de que os seus colegas despedidos fossem readmitidos.
O novo movimento de trabalhadores, em curso por toda a China, organiza-se em comissões de trabalhadores, independentes da confederação sindical oficial e das organizações do PCC, a quem acusam de colaboradores do patronato e das administrações. Criam redes de informação na internet e estabelecem estruturas coordenadoras de apoio e divulgação. Actualmente decorre uma campanha para a aprovação de normas de negociação colectiva o que, a ser implementado, representaria uma grande vitória para os trabalhadores, pois representaria o reconhecimento oficial das suas movimentações e permitiria criar estruturas autónomas a nível nacional, retirando muitas das reivindicações do isolamento e aumentando a capacidade reivindicativa dos trabalhadores.
Encontrei uma garrafa na praia. Observei com mais atenção e notei que estava selada, contendo algo no seu interior. Comecei a retirar-lhe o selo e depois a rolha e finalmente o seu conteúdo, um pergaminho intitulado “Ausência”. Por ser extenso vou descrevê-lo parte a parte. Começa assim:
“Sonhei com uma imagem tua (talvez espelhada na lua). Breve foi a clemência (acordei com o grito da ausência).
Um sonho interrompido...Foi o que foi! Quando acordamos no meio de um sonho restam os fragmentos, as imagens mudas, dispersas, a preto e branco...Mas a pele dela...Aquela pele castanha...A pele dela era castanha, mesmo no sonho a preto e branco…O castanho da pele dela naquela tela a preto e branco…Todos os sonhos são a preto e branco, mas o castanho da pele dela...
Acordar com um grito. Os que sentem a ausência ouvem os gritos dos ausentes.”
Ausentes… Ahmed Ben Bella, ausentou-se da vida. Com 95 anos já não chegou a assistir ao quinquagésimo aniversário da independência da Argélia. Nasceu em Maghnia, junto á fronteira com Marrocos, em 1916, filho de camponeses marroquinos que ali instalaram-se. Fez o serviço militar no exército francês, em Marselha, onde jogou futebol no Olympique. Pertenceu ao Quinto Regimento de Fuzileiros Marroquinos, combatendo na campanha de Itália, sendo citados por quatro vezes por mérito militar na Batalha de Monte Cassino e condecorado por De Gaulle.
Após o final da II Guerra Ben Bella milita no Partido do Povo Argelino e foi um dos fundadores do braço armado (a OS, Organização Especial), do Movimento pela Liberdade Democrática. Aprisionado pelo exército francês, no decurso de uma operação de expropriação levada a cabo pela OS no Correio Central de Oran, evade-se 2 anos depois e refugia-se no Cairo, onde coordena as acções da OS, participando activamente no 1 de Novembro de 1954, data de início da insurreição argelina contra a ocupação francesa. Em 22 de Outubro de 1956 comanda o primeiro acto de pirataria aérea cometido na Europa. Consegue refúgio em Marrocos mas foi detido pelos serviços secretos franceses quando partia para Tunes, com outros altos dirigentes argelinos.
Na prisão francesa foi um dos dirigentes mais activos da FLN e participou na constituição do GPRA, Governo Provisório da Republica da Argélia, que iniciou as conversações com De Gaulle e que culminaram com os Acordos de Evian, em 18 de Março de 1962, que consagraram a independência argelina. Ben Bella é libertado e propõe a criação de uma força expedicionária de 100 mil homens para combater a ocupação israelita, mas as lutas internas no seio da FLN, levam-no a substituir o presidente do GPRA, Mohamed Boudiaf, contando a sua nomeação com o apoio de Houari Boumedienne, comandante do Exercito do Oeste.
De 1962 foi Presidente da Republica, cargo que acumulou com o de Secretário-General da FLN, Ministro do Interior e Ministro das Relações Exteriores, até 1965, ano em que foi deposto por Boumedienne o seu velho aliado. Aprisionado durante 14 anos, sem nunca ter sido submetido a tribunal, foi libertado em 1990 pelo presidente Chadli Benejedid, exilando-se na Suíça. Só voltaria a Argélia em 2000 onde fundou o Movimento pela Democracia e dedicou-se a questões ambientais. Partidário da reconciliação nacional, participou nas negociações entre a FLN e a FIS e foi-lhe prestada uma homenagem nacional pelo seu papel na luta de libertação nacional.
Durante a presidência de Ben Bella, Argélia e Cuba tiveram estreitas relações de cooperação. Ben Bella conhecia bem Raul, Fidel e Che (Quando nos anos 90 foi exilado na Suíça, Ben Bella escreveu sobre o Che: “Sim, só a Revolução pode fazer do Homem um ser luminoso.” Conheceu o Che em 1962, durante a crise dos misseis. Depois, em 1963, o exercito argelino teve de fazer frente a uma invasão marroquina. O Egipto de Nasser (outro seu grande amigo) enviou cobertura aérea e Cuba um batalhão de 22 blindados e várias centenas de combatentes, sob o comando de Efigénio Ameijeiras, veterano do Granma. Em 1965 a Argélia foi palco da Conferencia Afro-asiática, acto em que Ben Bella participou activamente e onde conviveu mais estreitamente com o Che e outros revolucionários. Na sua cela argelina, durante os 14 anos de prisão, uma foto do Che, pendurada na parede, acompanhava a sua solidão (“Naquela foto eu encontrava a esperança” – escreveu pouco antes da usa morte).
A 11 de Abril de 2012, África perdeu um dos últimos combatentes vivos da luta anticolonial e um dos fundadores da OUA. As cerimónias fúnebres foram realizadas durante dois dias, na Praça dos Mártires e o seu corpo transportado e enterrado no cemitério de El Alia, onde repousam os heróis da libertação da Argélia.
Fontes
A Decade of Change: The Workers´ Movement in China 2000-2010 http://www.clb.org.hk
Paco Pena; Ahmed Ben Bella, un gigante de la revolution; www.puntofinal.cl
New African, nr. 516, May 2012
Punto Final; nr 758, Mayo 2012
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