Carvalho da Silva – Jornal de Notícias, opinião
Como é possível, com que fundamentos e objetivos o primeiro-ministro (PM) afirmou esta semana que "os portugueses já não estão perante o abismo com que nos defrontámos há praticamente um ano atrás"? Passos Coelho, que já afirmou "só vamos sair da crise empobrecendo", surge contaminado pela "malvadez difusa" que caracteriza os contextos de profundas crises.
Uma análise rigorosa aos problemas com que se depara a União Europeia (UE) - onde estamos e de que dependemos em grande medida -, às duríssimas condições de vida e de trabalho dos portugueses e aos bloqueios estruturais da nossa economia só pode conduzir-nos, infelizmente, a conclusão oposta àquela.
Nestes últimos dias surgiram duras confirmações do caminho para o abismo que a UE está a percorrer. Há um ano, os países da UE em dificuldade eram três ou quatro, hoje são já a maior parte dos membros da Zona Euro. As estimativas económicas anunciadas para 2013 foram revistas em baixa e também para Portugal.
Espanha, nosso vizinho cuja economia nos influencia fortemente, está numa situação muito delicada e o governo clama por apoios contra a "entrada dos homens de preto". No dia 7, a agência Fitch desceu o seu rating em três níveis; as chantagens sobre este importante país vão prosseguir e os buracos não vão ser fáceis de tapar.
Joshka Fischer, ex-ministro alemão, afirmou recentemente que a Europa "está em chamas" e que a Sr.ª Merkel "anda a apagar o fogo com gasolina". Entretanto, a Agência Moody's baixou o rating de bancos alemães.
O egoísmo e a sobranceria exibida por setores económicos e políticos alemães agravam a situação dos países em maiores dificuldades, como é o caso de Portugal, e não vão resolver os problemas da Alemanha para o futuro.
Mário Draghi disse: "alguns dos problemas da Zona Euro" não têm origem na política monetária, mas sim na "falta de ação de outras instituições". Contudo, não se esperem soluções político-institucionais positivas com a atual relação de forças no plano político e com as orientações económicas e financeiras que se perspetivam.
Quando a Sr.ª Christine Lagarde diz "fechem os políticos numa sala até que concordem num plano", propondo-se ficar com as chaves da porta da sala, sabemos em que receitas de injustiças e exploração assentaria esse plano.
Paul Krugman, observando as orientações traçadas na última reunião do Conselho de Governadores do BCE, "gente que está numa situação confortável", diz que esta gente "é completamente louca face a tudo o que aprendemos nos últimos 80 anos. Mas estes tempos são de loucura, vestida em fatos chiques".
Por cá também temos os Srs. Borges & C.ª, nos seus fatos chiques, receitando as loucuras que empobrecem os portugueses.
A troika afirmou-se "preocupada" com a escalada do desemprego e, por isso, reclama mais flexibilização e desregulação do trabalho, mais cortes nos salários. Objetivamente propõe a eliminação da contratação coletiva sugerindo que em cada empresa os patrões estabeleçam o que "podem" pagar.
Esta ignóbil proposta é feita quando chegou ao presidente da República (PR), para promulgação, o texto da revisão do Código do Trabalho que ultrapassa a razoabilidade jurídico-constitucional e as condições necessárias para equilíbrios no funcionamento da sociedade. São inadmissíveis as alterações à organização do tempo do trabalho, aos regimes de cessação do contrato de trabalho e da contratação coletiva, à fiscalização e controlo do cumprimento das leis laborais. Será um escândalo se o PR o promulgar.
No último ano regredimos em todas as áreas do social e, esta semana, o que conhecemos de novas medidas na Saúde e no Ensino é um desastre. O desemprego é um drama nacional em crescendo. Todos os dias há uma família a pedir ajuda à Deco para pagar as contas da água, do gás e da eletricidade.
Portugal não é um oásis no abismo. Essa visão é delirante!
As palavras do PM de "reconhecimento e agradecimento aos portugueses" pelos sacrifícios feitos são, consciente ou inconscientemente, um exercício de malvadez. São os parabéns aos portugueses pela passividade com que se deixam explorar e enxovalhar.
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