Sérgio Soares – i online
O presidente da República de Cabo Verde inicia hoje uma visita de Estado a Portugal. A Lisboa vai pedir que não reduza o nível da cooperação.
Pela primeira vez um chefe de Estado estrangeiro participou nas cerimónias oficiais do Dia de Portugal. Jorge Carlos Fonseca, o presidente da República de Cabo Verde, é hoje agraciado pelo seu homólogo português com a Grã Cruz da Ordem de Cristo. Ao i, explicou a dificuldade de coabitação em Cabo Verde (o governo é de outra cor) e falou das relações com “o aliado ímpar”.
Senhor presidente, que balanço faz destes primeiros nove meses do seu mandato presidencial?
Foram nove meses de exercício de uma função de moderação do sistema político, de fiel da balança no sistema de poderes, numa experiência que é totalmente nova na democracia em Cabo Verde. Pela primeira vez temos um presidente que provém de uma área política que não é a do governo. Tenho feito um acompanhamento muito activo e crítico da governação chamando a atenção para questões fundamentais da vida nacional, nomeadamente dossiers importantes como a necessidade de crescimento da economia, do desemprego, do sistema de justiça, e do próprio funcionamento da justiça em Cabo Verde. Por outro lado, já consegui visitar 16 dos 22 municípios do país onde mantive contactos com a população e com os jovens por forma a conhecer os seus problemas para os ajudar a resolver em co-operação com o governo. Creio que, no essencial, essa função de moderação e o exercício dessa magistratura de influência tem sido sentida claramente em Cabo Verde. De vez em quando, isso também tem suscitado algumas reacções, talvez pela falta de hábito desse tipo de relações de coabitação entre o presidente e o governo, mas suponho que a grande maioria dos cabo-verdianos avalia positivamente o exercício da minha função presidencial.
Grande parte do diagnóstico das situações que afectam Cabo Verde são as mesmas que tinha levantado durante a campanha presidencial…
É verdade!
Mudou alguma coisa entretanto neste período?
Os problemas já tinham sido diagnosticados. No que se refere à segurança, talvez tenha havido uma melhoria ou outra… mas no geral ainda temos de criar as condições para reduzir os níveis de insegurança. Também do ponto de vista dos problemas da justiça e da sua eficácia, verifica-se que as queixas que existiam ainda existem.
Mas há coincidências felizes... Defendi na na campanha eleitoral a criação de um fundo de risco para o financiamento do ensino superior e tive o prazer de ver o governo anunciar há três dias a criação desse fundo. Tenho tido exemplos semelhantes noutros sectores e obtido reacções positivas do ponto de vista da governação. O que quer dizer que, de alguma forma, a minha magistratura de influência tem surtido algum efeito.
Não tem sido muito difícil esta coexistência institucional com o governo?
Tem sido, mais ou menos, o que eu previa. É uma experiência nova de coabitação e é natural que sendo uma situação nova todos tenhamos de aprender, isto tanto da minha parte como da parte do governo. Não escondo que tenha havido por parte do partido que suporta o governo e do próprio primeiro-ministro chamadas de atenção para o que consideram ser um protagonismo excessivo do presidente da República, nomeadamente no campo externo. Mas creio que isso tem a ver com uma diferente compreensão dos poderes do presidente, sobretudo na área da política externa. Entendo que o que tenho feito é o que posso e devo fazer. É evidente que o presidente da República é quem, em primeira linha, representa o Estado. Independentemente de haver alguma praxis de divisão de poderes desse ponto de vista. Neste momento, quero exercer os meus poderes sem beliscar os poderes de outros órgãos de soberania ou do governo. Tenho procurado ser sempre leal nas minhas relações institucionais.
Parece ter existido da parte da população uma expectativa excessiva em relação aos poderes presidenciais… As pessoas pensam que o presidente governa...
Sim. Desde estudantes que me pedem bolsas de estudo, empregos, etc. Ainda há dias ouvi pelas notícias que o líder parlamentar do MPD, na oposição, pedia ao presidente que vetasse a lei que cria a taxa ecológica; são os sindicatos que pedem uma intervenção do presidente para que a concertação social possa atingir resultados positivos, são empresários que pedem que o presidente exerça a sua influência para que haja restituição atempada do IUR e do IVA …
Há quem diga que o presidente é o verdadeiro líder da oposição…
Fui acusado disso. Creio que é uma imputação excessiva e emotiva, talvez um pouco favorecida por estarmos em período de campanha eleitoral para as eleições autárquicas, que vão ser muito importantes. Mas não faz sentido que me vejam como líder da oposição, até porque, comparando com antecessores meus, eu sou o único presidente que não pertence há muitos anos a um partido político. A oposição tem um líder, o Dr. Carlos Veiga, que é o presidente do MPD. Três meses após a minha posse, um estudo de opinião mostrava que 69% dos cabo-verdianos confiavam na acção do presidente da República. Talvez isso leve a que a presidência seja vista como um alvo. Não sou o líder da oposição. Estou a liderar a nação cabo--verdiana como me compete no papel constitucional.
A crise internacional afecta Cabo Verde?
Afecta, afecta. A crise já afecta Cabo Verde há alguns anos. Aliás, isto tem tido tradução nalguma contenção orçamental, e reflexos também nalguma crise no sector imobiliário e turístico. Por sinal, o sector do turismo tem tido um bom desempenho nos últimos tempos em virtude de circunstâncias muito conjunturais. Cabo Verde tem aproveitado, e bem, o facto de alguns destinos turísticos viverem uma grande instabilidade política e o país tem sabido aproveitar essas oportunidades. Mas, neste momento, temos um desemprego acentuado que atinge principalmente as camadas mais jovens da população e há dificuldades no financiamento da economia cabo-verdiana. Mas ainda resta saber até onde se vai sentir o impacto dessa crise. Somos um país com características próprias. Somos um pequeno estado insular que aposta sobretudo em serviços e, talvez por isso, poderemos, não digo driblar a crise, mas enfrentá-la até que cheguem melhores tempos. Mas é evidente que a crise financeira internacional afecta também a nossa cooperação. Estou em visita a Portugal, e no diálogo que vou ter com o Presidente da República e com o primeiro-ministro tenciono dizer-lhes que – sendo possível, apesar dos momentos difíceis que Portugal atravessa – no próximo Programa Indicativo de Cooperação (PIC), o volume e dimensão da cooperação não seja reduzido de forma relevante. E vou pedir-lhes que se possa manter a ajuda que Portugal dá a nível orçamental.
É possível melhorar ainda mais o padrão de cooperação entre os dois países?
Sim. Mas evidentemente há dificuldades. As linhas de crédito concedidas por Portugal para o programa Casa para Todos continuam a funcionar…mas a nível do PIC haverá redução. O que nós queremos conseguir é que essa redução não seja muito forte.
Mas, sobretudo, vamos fazer o discurso de que há todo um conjunto de razões para que Portugal tenha uma relação privilegiada com Cabo Verde, não só pela cultura, pela História comum, pela afectividade, por sermos um país muito próximo de Portugal, mas também porque podemos ser muito úteis a Portugal nas relações com outros países, nomeadamente da África Ocidental.
Portanto, vale a pena apostar em Cabo Verde porque somos um aliado. Um aliado firme e seguro de Portugal. Creio que não há muitos aliados mais seguros do que Cabo Verde em relação a Portugal.
O que vai dizer ao seu homólogo, Cavaco Silva, e ao primeiro-ministro português?
O que lhes vou dizer é que temos todas as condições para termos uma relação bilateral de topo, e que apesar das nossas relações já serem muito boas, praticamente desde a independência, é possível atingirmos um patamar diferente, ainda mais elevado. Isto é, a ideia da parceria estratégica deve ser cada vez mais efectiva. Ao primeiro-ministro Passos Coelho também direi isso, mas direi ainda que é importante que na próxima cimeira entre Portugal e Cabo Verde, na Cidade da Praia, no segundo semestre deste ano, para além do PIC, da ajuda orçamental, do apoio português ao processo da parceria especial entre Cabo Verde e a União Europeia, seja retomado um grupo paritário para tratar da agenda da emigração.
O que pretende alcançar exactamente com isso?
Pretendo que seja dada relevância aos problemas da integração dos cabo-verdianos na sociedade portuguesa e dos portugueses em Cabo Verde, apesar de terem dimensões diferentes. Os problemas da integração, do acesso ao ensino, à habitação social, ao crédito...são problemas vários que a nossa comunidade enfrenta em Portugal. A ideia é que esses problemas se tornem parte da agenda de cooperação entre os dois países. Interessa a Portugal que tenhamos uma comunidade estabilizada e isso também interessa a Cabo Verde.
Talvez, em sinal de reconhecimento, tenha sido convidado a participar nas cerimónias oficiais do Dia de Portugal, algo inédito nestas cerimónias…
Não sei se foi a primeira vez. De qualquer maneira, foi uma honra e um privilégio. A minha visita de Estado decorre nos dias 11 e 12 e fui convidado a participar antes nas cerimónias oficiais do 10 de Junho. Também aproveitei para visitar a comunidade cabo-verdiana que vive nos arredores da Grande Lisboa porque cabe ao presidente da República ligar o país à sua diáspora.
Como encara esta sua primeira visita oficial a Portugal?
As visitas oficiais a Portugal, para um presidente de Cabo Verde, são sempre um momento especial, tendo em conta que as relações bilaterais já atingiram um nível ímpar.
No decurso da sua visita tem efectuado vários contactos com a comunidade cabo-verdiana...
É verdade. E vou também ter a oportunidade de agraciar com a principal condecoração nacional uma grande figura da cultura cabo-verdiana, o cantor Bana.
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