quinta-feira, 7 de junho de 2012

O BOSQUE EM FLOR



Rui Peralta

Singapura: O modelo dos deslumbrados

Os consumidores do modelo

Se há uma coisa que irrita-me profundamente é o deslumbramento que as classes médias e médias altas africanas, as burguesias nacionais africanas e as nomenclaturas burocráticas africanas que estão no mercado desde finais de 80 e qua ainda não são burguesias, embora vivam segundo os padrões da alta burguesia, mas ainda não adquiriram os valores culturais da condição burguesa, sendo meros agentes exportadores de capitais e actividades afins (poderemos designá-los por “Cum Money Boys”), dizia eu sobre a minha irritação, é o deslumbramento que têm pelo modelo Singapura. É uma coisa que os deixa a pairar nos tapetes mágicos das mil e uma noites. Aliás qualquer medio burguês africano que se preze tem a sua vida geridas por 3 pilares: Ir a Singapura (em peregrinação, assim tipo como os islâmicos vão a Meca); Ir ao Dubai para fazer negócio e trazer uns carritos e umas coisitas para a mulher vender e tem os filhos a aprender mandarim (ninguém sabe ao certo muito bem para quê, pois primeiro: se os mandarins vermelhos da China fecharem as portas- como é costume das elites político-económicas chinesas que sempre que a coisa parece que vai ser o centro do mundo, fica-se pelo Imperio do Meio - lá andaram os papás a queimar os neurónios das criancinhas para o boneco; segundo: os chineses também falam inglês, pelo menos aqueles que interessam para os negócios, ou para casar).

Mas será que captaram o significado de Singapura?

O modelo

O sucesso de Singapura nestes últimos 47 anos (independente desde 1965, fazia parte do Imperio Britânico) é indiscutível. Há 50 anos atrás a ilha era dividida em dois segmentos: De um lado os elegantes bairros europeus, com os seus quarteirões floridos, os seus jardins e do outro um amontoado imundo e malcheiroso de barracas onde a população de Malaios, Chineses e Indianos se acotovelavam por espaço para respirar.

Para além da sua posição comercial estratégica, Singapura não tinha mais nada. Não tinha terra suficiente, a maioria da população vivia do que o mar dava, não havia recursos minerais, nem grandes áreas florestais, nem rios…A maioria do povo vivia em péssimas condições, numa vida de dor e de infâmia. 50 anos depois o PIB per capita ronda os 50 mil USD (contra umas poucas centenas em 1960), é considerada a economia mais competitiva, o melhor local para os negócios, o maior porto marítimo, o melhor aeroporto internacional e o melhor país asiático para trabalhar, viver e passar férias.

O Ministro de Estado para o Comercio, Industria e Desenvolvimento Nacional, Lee Yi Shyan, refere: “ O sucesso de Singapura é devido a um planeamento meticuloso (…) ” e prossegue por aí fora sobre os fundadores, a visão dos fundadores, etc., mas o essencial do discurso do ministro Lee Yi Shyan é mesmo aquele “planeamento meticuloso”. Vamos então ver como foi e como é.

Um pouco de História

Parece que os primeiros sinais de ocupação do território remontam ao século II da era cristã e era um posto fronteiriço do império da Sumatra Srivijaya, denominado Temasek, Entre o século XVI e o século XIX, fez parte do sultanato de Johor. Em 1819 Thomas Stanford Raffles, considerado fundador de Singapura, chegou á ilha e assinou um tratado com o Sultão Hussein Shah, que comprometia a Companhia Britânica das Índias Orientais a desenvolver a parte sul da ilha, como posto comercial. Cinco anos depois toda a ilha tornar-se-ia uma possessão britânica, devido a novo tratado entre o Sultão e a Companhia, que transferiu a manutenção da ordem e da segurança para esta.

A quando da chegada de Raffles, em 1819 viviam cerca de mil almas nesta ilha, sendo a maioria de origem malaia e um punhado de chineses. Meio século depois, Singapura tinha perto de 100 mil habitantes, vindos da Malásia, Índia e China, para trabalharem nas plantações de borracha e nas minas de metal prateado. Os seus descendentes constituiriam a grande maioria da população de Singapura.

Durante a II Guerra Mundial, os japoneses invadiram a Malásia, culminando essa invasão na grande batalha de Singapura, que levou á derrota dos ingleses em Fevereiro de 1942. O Exercito imperial nipónico cometeu diversos massacres contra as populações chinesas sendo o mais mortífero o massacre de Sook Ching, que ceifaram entre 5 mil a 25 mil vidas. Após a rendição japonesa a Inglaterra retoma, em Setembro de 1945, a posse do território.

A primeira eleição geral foi em 1955, ganha pela força política independentista, a Frente Trabalhista (LF), liderada por David Marshall. A LF exigia a autodeterminação, mas quando a sua delegação veio de Londres, onde se tinha dirigido para encetar as negociações, David Marshall resignou e foi substituído por Lim Yem Hock, partidário de um governo regional, autónomo, deixando as pastas da defesa e das relações exteriores, para os ingleses.

Quatro anos depois as eleições foram ganhas, por uma grande maioria, pelo Partido de Accão Popular (PAP). Singapura tornou-se um estado com governo próprio, integrado na Commonwealth, com Lee Kuan Yew, como primeiro-ministro. O Governador Sir William Allmond Codrington Good continuou em funções até 1965, ano em que Yusof bin Ishak tornou-se no primeiro presidente de Singapura.

A década de 50 foi marcada por uma rebelião liderada pelos comunistas (inseridos na altura no Partido Comunista dos Mares do Sul e mais tarde no Partido Comunista Malaio), suportada maioritariamente pela comunidade de origem chinesa. A rebelião só terminaria, completamente, na década de 70.

Em Agosto de 1963 Singapura declarou a independência e juntou-se á Malásia, Sabah e Sarawak, formando a Federação da Malásia, como resultado do referendo de 1962. A razão principal dos dirigentes de Singapura em juntarem-se á Malásia, era o combate á rebelião comunista, pois não acreditavam no papel dos ingleses durante a rebelião nem que estes estivessem interessados em enviar tropas para terminar com a mesma. Mas os desentendimentos entre a Malásia e Singapura não tardaram a surgir e agravaram-se ao ponto de a população de começarem a manifestar-se de forma violenta contra a população de origem malaia. Em 1965 o Parlamento da Malásia expulsa Singapura, por unanimidade.

Singapura proclama a independência como Republica de Singapura, em 9 de Agosto de 1965, com Yusof bin Ishak como presidente e Lee Kuan Yew como primeiro-ministro. A todos os que estavam presentes nessa data em Singapura foi oferecida a nacionalidade. Em 1967 Singapura foi auxiliada pela ASEAN no combate á rebelião comunista e em 1970 juntou-se ao Não-Alinhados.

Vinte anos depois, em 1990, o primeiro-ministro Lee foi finalmente substituído, por Goh Choc Tong, que governou até 2004, ano em que foi substituído por Lee Hsien Loong, o filho mais velho de Lee Kuan Yew.

O regime

Singapura define-se como um regime parlamentar, de camara única. A sua constituição define a democracia representativa como sistema político da Republica. O poder executivo é competência do Gabinete, liderado pelo primeiro-ministro e pelo presidente da Républica. Este é eleito pelo voto popular directo e pode exercer o veto em circunstâncias bem determinadas, embora na grande maioria das vezes o PR seja uma figura de decoração. O Parlamento é a sede do poder legislativo. O PAP, detém a maioria dos assentos parlamentares desde 1959, mas nas eleições de 2011 o Partido dos Trabalhadores incrementou substancialmente a sua bancada parlamentar. O sistema legal de Singapura é baseado no Direito Anglo-saxónico, embora com algumas alterações no mecanismo de jurados.

É um sistema que aceita a pena de morte (para os casos de homicídio, certos níveis de tráfico de drogas e uso de armas de fogo e prevê castigos corporais para os casos de rapto, vandalismo, distúrbios e ofensas corporais.

Segundo a Amnistia Internacional Singapura detém o maior índice mundial de execuções (mais um índice onde estão em elevada posição). Para contrapor aos relatórios da AI, os empreendedores capitalistas globais (para os quais Singapura é um Paraíso na terra), fizeram publicar no Guia de 2008 para os negócios internacionais que Singapura, juntamente com Hong Kong (?) têm o melhor sistema judicial da Ásia (?????), posição que foi reforçada dois anos depois pelo World Justice Project Rule of Law Índex, para rejubilo dos defensores teológicos do Estado de Direito e do governo da Lei.

A Freedom House nos seus reportórios anuais considera Singapura parcialmente livre (?) e o Economist no seu Democracy Índex considera Singapura um regime hibrido (?). A Transparência Internacional considera que Singapura é um dos países do mundo com menor índice de corrupção.

Em Singapura o Public Order Act de 2009, obriga á permissão das autoridades policiais para a realização de manifestações, comícios, meetings, assembleias ou reuniões na rua. Sem a permissão da polícia são ilegais. Por sua vez o direito de reunião em espaços fechados está garantido por lei, não necessitando de qualquer autorização. No entanto há um local em Singapura onde é permitido realizar manifestações e reuniões, assembleias, comícios, etc., sem autorização o Speakers Corner, feito á imagem do Hyde Park London, de Inglaterra. No entanto a população evita o Speakers Corner, pois encontra-se rodeado de sistemas de CCTV.

Geografia física e humana

Singapura é composta por 63 ilhas sendo a ilha principal, a ilha de Singapura, também conhecida por Pulau Ujong. A urbanização eliminou grande parte da área florestal, sendo a Reserva Natural de Bukit Timah a ultima floresta significativa, embora existam mais de 300 parques e 4 reservas naturais. O facto de o país ser conhecido por Cidade Jardim é devido às inúmeras árvores plantadas e á imensa quantidade de superfície relvada. O clima é tropical, sem estações distintas, com uma temperatura uniforme, entre os 23 e os 32 graus centígrados, muito húmido e chuvoso.

Em 2011 a população estava estimada em 5,18 milhões de habitantes, sendo 3,25 milhões (63%), cidadãos nacionais e o restante residentes permanentes ou trabalhadores estrangeiros. 33% dos nacionais nasceram no estrangeiro. O desemprego em 2011 rondava os 2% e nunca passou dos 4% desde 2000.

A maioria da população é budista e o país tem 4 línguas oficiais: o inglês, o chinês, o malaio e o tâmil, sendo o inglês a língua usada da administração publica, escolas e negócios.

Economia

Hoje Singapura constitui uma economia capitalista muito desenvolvida, com alicerce histórico no entreposto comercial. Com Hong Kong, Coreia do Sul e Taiwan foi um dos 4 Tigres Asiáticos. É o décimo quarto maior exportador do mundo e o décimo quinto importador. É actualmente o único pais asiático a obter AAA nos rankings de credito das 3 maiores agencias: Standard & Poors, Moodys e a Fitch.

No seu território operam mais de 7 mil corporações multinacionais, dos USA, Japão e EU, para além de 1500 da China e outras tantas da India. A sua moeda é o dólar de Singapura, intermutável com o dólar do Brunei. A saúde económica de Singapura depende em muito das exportações e do processamento dos bens importados, em particular no sector industrial, que constituiu 27% do PIB em 2010 e que inclui o sector da electrónica, petróleo refinado, química, engenharia mecânica e ciências biomédicas. Apesar das suas pequenas dimensões é uma economia diversificada, estratégia que o governo considera vital para o seu crescimento e estabilidade. O turismo é outra grande fonte de receitas, depois do jogo, que é legalmente permitido em dois casinos. O turismo de saúde tem sido uma das apostas nos últimos 5 anos.

Quarto centro financeiro mundial, segundo maior mercado do jogo, um dos três maiores em processos de refinação e indústria transformadora, o maior produtor de equipamento de perfuração do sector petrolífero e o maior reparador de navios. O porto é um dos 5 mais utilizados a nível mundial e é o quarto maior centro cambial, depois de Londres, New York e Tóquio.

Conclusão

Singapura é uma economia capitalista em grande estágio de desenvolvimento. É, com certeza, um importante laboratório onde muitas questões poderão ser questionadas e parcialmente solucionadas. Mas convém lembrar as suas especificidades culturais de cidade-estado-mercado e que em África nenhuma forma de colonialismo idêntica teve lugar (excepto o Zanzibar, mas num modelo menos completo, em termos de administração colonial). A reter, pela sua importância: o plano, a aposta na educação, a gestão dos recursos e a (re) apropriação dos mesmos. Talvez sejam factores que as elites africanas comecem a levar em conta, após a realização do segundo Fórum de Negócios África-Singapura, em Agosto deste ano. A ver vamos.

Fontes
African Business, nr. 386, May 2012

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