sexta-feira, 13 de julho de 2012

MEDICAMENTOS, MUITO DINHEIRO, FRAUDES INFINITAS




Nos EUA, novos escândalos expõem comportamento antiético dos laboratórios e revelam: multas por fraudes já estão incluídas no preço dos remédios

Terry Macalister - Tradução: Daniela Frabasile – Outras Palavras

A GlaxoSmithKline (GSK), maior grupo farmacêutico inglês, vendeu anti-depressivos nos Estados Unidos para uso não-aprovado em crianças, escondendo evidências importantes do órgão regulador, o Food and Drug Administration (FDA), que relacionam o produto a diabetes, e oferecendo entretenimento aos médicos dispostos a promover seus remédios.

O problema veio à tona por conta de auditorias internas, gerou uma multa de 3 bilhões de dólares e amplia a sucessão de casos com empresas farmacêuticas — o que leva os críticos a argumentar que esses problemas são endêmicos no setor.

No mês passado, a Abbott Laboratories foi forçada a pagar multa de 1,6 bilhão de dólares, por propagandas referentes ao tratamento antipsicótico Depakote. O valor total das multas a empresas farmacêuticas soma mais de US$ 20 bilhões, nos últimos vinte anos.

Mas o caso da GlaxoSmithKline criou dúvidas até mesmo nos mais ferrenhos defensores da indústria. Promotores descobriram que a empresa estava distribuindo mais de meio milhão de dólares ao ano para que seus representantes locais de vendas oferecessem aos médicos aulas regulares de golfe, viagens de pesca e entradas para jogos de basquete — enquanto argumentavam sobre o uso da droga antidepressiva Paxil em crianças. A campanha de vendas envolvia também ajuda para publicar artigos na revista de medicina que estampou artigo com evidências erradas de um teste clínico.

Enquanto isso, a empresa também estava sendo acusada de vender a droga Wellbutrin para disfunção sexual e perda de peso, mesmo tendo obtido consentimento oficial da FDA apenas para tratar de depressão. Alguns dos representantes de vendas dessas drogas estavam declaradamente descrevendo o Wellburtrin como “a pílula de felicidade, magreza e tesão”.

No caso de um terceiro medicamento, Avandia, a empresa não relatou ao FDA que alguns de seus estudos indicavam preocupações em relação a doenças de coração. Alguns cŕiticos pedem há quatro anos que a droga seja banida, mas apenas em 2010 as restrições foram levadas em conta e a comercialização interrompida.

Que ocorreu com os fraudadores?

O GlaksoSmithKline concordou em pagar uma multa de 3 bilhões de dólares para eliminar as acusações dos governos federal e estadual norte-americanos relacionadas a atividades ilegais nos últimos dez anos. É a maior multa desse tipo já aplicada, mas não parecem existir planos para processar executivos, ou outras pessoas em posição de poder, na época em que os fatos ocorreram. No período coberto pela multa, a empresa era chefiada por Frenchman Jean-Pierre Garnier. Por contrato, ele teria direito a uma recompensa equivalente a US$ 34 milhões, o que enfureceu os acionistas e causou uma revolta histórica de investidores.

Em resposta às revelações da semana passada, a empresa farmacêutica disse que havia mudado a forma de pagamento do pessoal de vendas, eliminando metas individuais.

Sir Andrew Witty, gerente-executivo da GlaksoSmithKline, afirmou que o acordo solucionou “questões antigas e difíceis para a empresa”, acrescentando: “quero expressar nosso arrependimento e reiterar que temos que aprender com os erros que cometemos”.

Alguns críticos apontam que outros executivos acusados de saber diretamente das irregularidades continuam em suas funções, embora em outras empresas.

O ouvidor Greg Thorpe primeiro alertou a empresa (em 2001) sobre oferecer entretenimento aos médicos e sobre a cultura de colocar os lucros acima da ética. Ele relatou suas preocupações a David Stout, que era o chefe das operações do conglomerado nos Estados Unidos, e a Bob Ingram, diretor de operações da GSK. Quando foi demitido da empresa, levou seu caso aos reguladores, que passaram quase dez anos investigando as denúncias.

Stout, que desprezou os alertas, tornou-se diretor não-executivo de outra empresa farmacêutica londrina, a Shire, e Ingram é presidente da empresa de biotecnologia Elan.

A imagem pública negativa das empresas

O relatório de responsabilidade corporativa da GSK tem mais de cem páginas, e detalha suas promessas para melhorar o acesso ao serviço de saúde no mundo em desenvolvimento e diminuir as emissões de carbono. O gerente-executivo Witty insiste: “acreditamos fortemente que operar de forma responsável e ética é essencial para o sucesso de nossos negócios”. Mas depois do caso da semana passada, restam poucas dúvidas de que as grandes empresas farmacêuticas são as campeãs de mau procedimento, talvez acima das indústrias bélicas, que estiveram no centro dos holofotes durante os últimos cem anos.

Alguns apontam para um padrão de comportamento estabelecido muito antes das revelações atuais. Eliot Spitzer, que, como procurador-geral de Nova York, processou a GSK há oito anos, por práticas parecidas, disse ao New York Times que empresas como a GlaksoSmithKline parecem incorrigíveis. “Estamos aprendendo que dinheiro [ou seja, as multas] não impede a conduta ilegal por parte destas companhias. A única coisa que irá funcionar, na minha opinião, é que diretores executivos sejam forçados a se demitir e que se estabeleça sua culpabilidade individual”.

Sidney Wolfe, médico e responsável pelos direitos do consumidor, no setor de pesquisa de saúde da organização norte-americana Public Citizen, vai além: “Até que penalidades mais significativas e a possibilidade de prisão para os presidentes de tais empresas sejam comuns, as companhias irão continuar fraudando o governo e colocando a vida de pacientes em perigo”.

Apesar do enorme valor da multa, US$ 3 bilhões é muito menos que os lucros provenientes dos medicamentos. O Avandia vendeu US$ 10,4 bilhões; o Paxil, 11,6 bilhões; as vendas de Wellburtrin foram de 5,9 bilhões, durante o período coberto pelo acordo, segundo a organização IMS Health, que fornece informações para o setor farmacêutico.

O fato de os lucros de medicamentos líderes em vendas superarem, em muito, as multas impostas caso as irregularidades sejam descobertas significa que as contravenções são esperadas, diz Wolfe. Sua conclusão é que, para os grandes grupos farmacêuticos, “o crime compensa”.

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