Paulo Gaião – Expresso, opinião, em Blogues
"Um canal da RTP talvez deva ser privatizado mas talvez seja conveniente manter um no serviço público", disse Cavaco Silva em 22 de Dezembro de 2001 numa entrevista à RTP ao jornalista Vitor Gonçalves, actual director-adjunto da estação pública. Um modelo oposto ao defendido hoje pelo governo através de António Borges.
Passaram mais de dez anos mas o mais certo é tratar-se de uma ideia consolidada do actual Presidente da República sobre a RTP e não se ter alterado até hoje. Deverá ser vendido e não concessionado um canal aos privados. O serviço público de televisão deverá ser exercido através de exploração directa, por via de um canal próprio, e não através de um espaço concessionado.
A entrevista de Cavaco já tinha a crise financeira como pano de fundo. Guterres acabara de se demitir e Cavaco escrevera em 2000 e 2001 vários artigos nos jornais em que acusava os últimos executivos socialistas de despesismo, que só tinha alimentado "desperdícios" e não se traduzia numa "melhoria dos serviços públicos prestados à população".
Ainda para mais as condições financeiras da RTP melhoraram muito em relação a 2001, já que a estação foi saneada nos anos seguintes, processo iniciado por Durão Barroso e Nuno Morais Sarmento.
A hipótese de Cavaco Silva se opor ao modelo do governo para a RTP - extinção da RTP 2 e concessão da RTP1 a privados -- é, assim, muito provável.
Se o Presidente mostrar a sua oposição antes de o modelo assumir a forma de diploma, "mata" este à nascença já que Passos Coelho deixa de ter condições políticas para o apresentar.
Se Cavaco resguardar a sua posição e mantiver o silêncio, o mais provável é enviar o diploma para o Tribunal Constitucional, até pelas divergências que o modelo do governo para a RTP tem suscitado entre constitucionalistas. Mas mesmo que o Tribunal Constitucional não se pronuncie pela inconstitucionalidade, Cavaco pode sempre vetar politicamente o diploma.
Aconteça o que acontecer, esta batalha do governo com a RTP, era perfeitamente dispensável e parece só favorecer António José Seguro. Este desafiou Cavaco a intervir, talvez contando com a posição favorável do Presidente da República na matéria e anunciou que quando o PS for governo vai criar um canal público de televisão.
Há muitos portugueses contra os gastos da RTP, em salários e mordomias, para fazer exactamente o que fazem os privados, contratando estrelas da informação ou do entretenimento a peso de ouro.
Há muitos portugueses que não percebem que se fale nos 140 milhões de euros da taxa do audiovisual na factura de electricidade como se eles caíssem do céu e não saíssem do seu bolso.
Há muitos portugueses que sabem que lhes deitam areia para os olhos quando se fala nos lucros potenciais de um futuro concessionário da atual RTP mas não está fixada a renda que este pagará e entrará nos cofres do Estado.
Mas, na actual situação financeira, o medo pode falar mais alto. O fim da RTP pode ser visto como um perigoso precedente para o fecho de outros serviços públicos noutros sectores e despedimento de funcionários. O que deverá levar muitos portugueses com empregos no Estado a rejeitar a ideia do governo fechar a RTP com receio que mais tarde ou mais cedo sejam eles os afectados. Não tardará que o PS passe o PSD nas sondagens...
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