segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Portugal: EIS O PRIMEIRO-MINISTRO SOMBRA

 


Manuel Tavares – Jornal de Notícias, opinião
 
O futuro a Deus pertence, mas não duvido de que tem um lugar reservado para António Costa. O discurso do atual presidente da Câmara de Lisboa no 5 de Outubro, diante do presidente da República, fez regressar o melhor que a política nos pode dar em termos de ideias e de alternativa democrática. Tudo o que o PS precisa para se afirmar num quadro de crise social, económica e política que atingiu já o bloco de poder.
 
Há anos, muitos anos, que António Costa exibe um pensamento profundo sobre o chamado socialismo democrático e a sua aplicação prática, a social-democracia redistributiva.
 
Circunstâncias várias, políticas e eleitorais do PS, mas também solidariedades que nunca traiu, fizeram com que o atual presidente da Câmara de Lisboa estivesse na função em que está. Ainda bem para Lisboa, mas o país pode não poder esperar.
 
Tirando os atos simbólicos que o patriarca Mário Soares vai tomando em defesa de alguns formalismos esquecidos do regime que ajudou a fundar, no PS, como diz o povo, têm sido mais as vozes do que as nozes. Por isso, o discurso de ontem do presidente de Câmara de Lisboa foi um grande regresso à política prática e praticável. Um daqueles momentos raros em que os portugueses ficam diante de uma alternativa, no caso cientes de que, tendo de honrar as nossas dívidas, o podemos fazer sem algumas das catástrofes sociais ditadas pelos sucessivos pacotes de austeridade fabricados no Excel do nosso ministro das Finanças.
 
Após a colossal e apartidária manifestação de 15 de setembro, após um Conselho de Estado que declarou ser necessário encontrar futuro para os sacrifícios de hoje, após uma inédita rejeição dos patrões para usarem o dinheiro dos trabalhadores em seu benefício através de uma nova composição da taxa social única, o sistema político parecia bloqueado entre a complexa e porventura insolúvel equação de uma eventual remodelação governamental, a recusa do presidente da República em criar condições para poder vir a ser formado um Governo da sua própria iniciativa e um PS que, não conseguindo unir a Esquerda, estava acantonado na posição de aguardar que o Executivo se decompusesse.
 
Foi, por isso, de grande oportunidade que António Costa nos viesse falar como se fosse o primeiro-ministro de um Governo sombra do PS. E, nessa medida, abrir uma nova frente na questão de saber quem poderá liderar a Esquerda.
 
Que este relevante facto político tenha nascido no dia em que decorreu o chamado Congresso das Alternativas, que agrupa muita da cidadania à esquerda do PS, é apenas uma das coincidências que os grandes políticos conseguem programar. Com razões simples como esta: não queremos ser os bons alunos chineses da Europa.
 

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