Manuel Tavares –
Jornal de Notícias, opinião
O futuro a Deus
pertence, mas não duvido de que tem um lugar reservado para António Costa. O
discurso do atual presidente da Câmara de Lisboa no 5 de Outubro, diante do
presidente da República, fez regressar o melhor que a política nos pode dar em
termos de ideias e de alternativa democrática. Tudo o que o PS precisa para se
afirmar num quadro de crise social, económica e política que atingiu já o bloco
de poder.
Há anos, muitos
anos, que António Costa exibe um pensamento profundo sobre o chamado socialismo
democrático e a sua aplicação prática, a social-democracia redistributiva.
Circunstâncias
várias, políticas e eleitorais do PS, mas também solidariedades que nunca
traiu, fizeram com que o atual presidente da Câmara de Lisboa estivesse na
função em que está. Ainda bem para Lisboa, mas o país pode não poder esperar.
Tirando os atos
simbólicos que o patriarca Mário Soares vai tomando em defesa de alguns
formalismos esquecidos do regime que ajudou a fundar, no PS, como diz o povo,
têm sido mais as vozes do que as nozes. Por isso, o discurso de ontem do
presidente de Câmara de Lisboa foi um grande regresso à política prática e
praticável. Um daqueles momentos raros em que os portugueses ficam diante de
uma alternativa, no caso cientes de que, tendo de honrar as nossas dívidas, o
podemos fazer sem algumas das catástrofes sociais ditadas pelos sucessivos
pacotes de austeridade fabricados no Excel do nosso ministro das Finanças.
Após a colossal e
apartidária manifestação de 15 de setembro, após um Conselho de Estado que
declarou ser necessário encontrar futuro para os sacrifícios de hoje, após uma
inédita rejeição dos patrões para usarem o dinheiro dos trabalhadores em seu
benefício através de uma nova composição da taxa social única, o sistema
político parecia bloqueado entre a complexa e porventura insolúvel equação de
uma eventual remodelação governamental, a recusa do presidente da República em
criar condições para poder vir a ser formado um Governo da sua própria
iniciativa e um PS que, não conseguindo unir a Esquerda, estava acantonado na
posição de aguardar que o Executivo se decompusesse.
Foi, por isso, de
grande oportunidade que António Costa nos viesse falar como se fosse o
primeiro-ministro de um Governo sombra do PS. E, nessa medida, abrir uma nova
frente na questão de saber quem poderá liderar a Esquerda.
Que este relevante
facto político tenha nascido no dia em que decorreu o chamado Congresso das Alternativas,
que agrupa muita da cidadania à esquerda do PS, é apenas uma das coincidências
que os grandes políticos conseguem programar. Com razões simples como esta: não
queremos ser os bons alunos chineses da Europa.
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