Financial
Times, Londres – Presseurop – imagem AFP
A Espanha está a
atravessar uma crise económica devastadora e, como se isso não bastasse,
enfrenta também a hipótese de uma crise constitucional, depois de o líder
nacionalista Artur Mas, presidente da região autónoma da Catalunha, ter
convocado eleições antecipadas, de um modo geral consideradas como um plebiscito
sobre a independência. Perfil.
Mesmo em Espanha, é
raro o parlamento debater as razões da Guerra da Sucessão de Espanha,
vulgarmente interpretada como uma luta pelo equilíbrio de poderes na Europa de
começos do século XVIII. Não foi, como sublinharam esta semana os deputados
espanhóis, dirigindo-se aos seus homólogos catalães, uma guerra de secessão,
ainda que no seu termo a Catalunha, que apostara no lado perdedor, tenha sido
privada dos seus poderes de auto governação. A História está sempre viva em
Espanha.
O presidente da
Generalitat catalã, Artur Mas, acabara de sair de mãos vazias de uma reunião em
Madrid – na qual falhou completamente a negociação de um novo pacto orçamental
com o primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy. Como seria de esperar, Mas
disse que tinha sido desperdiçada uma "oportunidade histórica" de
garantir que a Catalunha poderia continuar a enquadrar-se confortavelmente na
Espanha plurinacional.
De regresso ao seu
parlamento em Barcelona, Artur Mas convocou eleições antecipadas que se
transformarão sem dúvida numa espécie de referendo sobre a secessão da
Catalunha de Espanha e – caso Madrid não tenha prestado atenção – Barcelona
aprovou a realização de um plebiscito específico sobre o direito à
autodeterminação da Catalunha. Uma crise constitucional plena, na qual está em
jogo a sobrevivência do Estado-nação espanhol com as suas fronteiras atuais,
irá agora colidir de frente com a crise da zona euro e com a crise orçamental.
Nesta disputa
familiar, os argumentos já são confusos e frequentemente tendenciosos, mas, à medida
que a política de identidade começa a levar a melhor sobre a discussão
racional, estão a tornar-se viscerais. No entanto, Artur Mas é um arauto
improvável do separatismo revolucionário.
Ambiguidade
filosófica
Até agora, sempre
pareceu ser um nacionalista típico da coligação Convergència i Unió (CiU), a
personificação da burguesia catalã e dos seus valores mercantis
tradicionalmente prudentes. A CiU tem dominado a Catalunha desde que o governo
local foi restabelecido, depois do fim da ditadura de Franco, em finais dos
anos 1970, e é um bom exemplo na política catalã pela sua ambiguidade
filosófica quanto à independência, e na cena espanhola por ser ambidextra em
termos políticos, aliando-se intermitentemente com a esquerda e com a direita
de Madrid.
Tal como Mariano
Rajoy, Artur Mas chegou ao poder à terceira tentativa, em 2010. Com um passado
tecnocrata, foi eleito com a promessa de obter um melhor acordo fiscal de
Madrid. No essencial, o governo catalão quer o direito de cobrar os seus
próprios impostos, uma coisa que os bascos já fazem. Com a autonomia fiscal no
centro do seu autogoverno, os bascos converteram a sua em tempos moribunda área
industrial num polo de engenharia que é agora a região mais próspera de
Espanha. Pelo contrário, a Catalunha decaiu nas tabelas de riqueza.
Com uma economia
com a dimensão da de Portugal, atingiu a dívida mais pesada de todas as
regiões. Funcionários e economistas catalães dizem que seriam solventes, se
tivessem um acordo semelhante ao dos bascos, que transferem até dez vezes menos
per capita do que eles para o bolo fiscal espanhol. A Catalunha, acrescentam,
entrega a Madrid cerca de 18 mil milhões de euros por ano, ou seja, 9% do
produto – um montante que excede os requisitos de transferência equitativa para
as regiões mais pobres, que muitos sistemas federais situam em cerca de metade
dessa percentagem.
Disciplinado e
católico devoto
Assim, ao mesmo
tempo que lança a marcha forçada para a soberania nacional, Artur Mas
encontra-se de chapéu estendido, à espera de um resgate orçamental de cinco mil
milhões de euros, de Mariano Rajoy. Se a questão fosse apenas dinheiro, o líder
catalão pareceria um pouco tolo.
Mas o sentimento
separatista que está agora a tentar canalizar começou a alastrar muito antes do
início da crise financeira. O clamor pela independência tornou-se predominante
depois de medidas de reforço da autonomia catalã, lançadas pelo Governo
socialista regional em 2006 e apoiadas pelos parlamentos espanhol e catalão,
terem sido revogadas pelo Tribunal Constitucional de Madrid. A estratégia do
pacto orçamental de Mas, que o Governo de centro-direita de Rajoy nunca iria
tolerar – parece agora mais um trampolim para um movimento mais vasto de
soberania. A sua amplitude foi revelada este mês a uma Espanha atónita, durante
a Diada – a comemoração da derrota da Catalunha em 1714 – quando mais de um
milhão de separatistas assumiram o controlo das ruas de Barcelona. Estará Artur
Mas a liderar ou a acompanhar este impulso aparentemente básico?
Austero,
disciplinado e católico devoto, Artur Mas, de 56 anos, frequentou o Liceu
Francês em Barcelona – o que lhe deu o gosto pela poesia simbolista e pelos
articulados subjacentes e sinuosos – antes de se formar em Economia. Não tem um
passado antifranquista e só aderiu à CiU em 1987, mas tornou-se rapidamente o
sucessor indicado de Jordi Pujol, que dirigiu a Generalitat entre 1980 e 2003.
Pujol simbolizava o catalanismo, que, ao contrário do separatismo, assentava na
cultura, na língua e na identidade histórica da Catalunha dentro dos limites do
Estado espanhol.
A depuração
constitucional do estatuto da autonomia reformado convenceu Artur Mas e Jordi
Pujol, o seu anterior mentor, de que a Catalunha tinha de seguir o seu próprio
caminho.
A História terá uma
palavra a dizer
"Artur Mas
sempre quis a independência mas a decisão [do Tribunal] de retirar a palavra
‘nação’ do estatuto foi a última gota", diz Edward Hugh, economista e há
muito residente na Catalunha. "A proposta de pacto orçamental era de facto
apenas uma maneira de juntar atrás de si setores mais vastos da sociedade
catalã. Depois veio a manifestação [Diada] e a descoberta de que setores
diversos da sociedade não estavam atrás de si mas à sua frente. Penso que foi
então que ele deu o salto: vê a História diante de si e quer tentar
agarrá-la."
Rajoy fará tudo
para assegurar que Mas não o consegue. Na quinta-feira, a número dois do seu
Governo, Soraya Sáenz de Santamaría, chamou a atenção para que só o Estado
espanhol pode legalmente convocar um referendo. "Não apenas existem
instrumentos legais e institucionais para impedir um referendo, como há aqui um
Governo disposto a utilizá-los", disse ameaçadoramente.
A História terá sem
dúvida uma palavra a dizer. Na sua investidura, Artur Mas disse: "Líderes
são pessoas que interpretam o significado de cada momento histórico e é dever
do governo não fechar as portas aos desejos do povo."
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