Rodolpho Motta Lima*
- Direto da Redação
A Educrafo,
organização não governamental que se tornou conhecida na luta pelo
estabelecimento de cotas raciais para o ingresso às Universidades públicas
brasileiras, acaba de entrar com uma ação junto ao Ministério Público do Rio de
Janeiro contra alguns conhecidos clubes da elite da zona sul carioca –
Paissandu e Caiçaras – que, no dizer daquela ong, estariam praticando
discriminação de ordem racial e social ao proibirem a entrada em suas
dependências de babás não uniformizadas. Essa determinação dos clubes estaria
em confronto com o Estatuto da Igualdade Racial e feriria a Constituição
Federal , que estabelece os princípios da igualdade e da não discriminação.
Segundo as
administrações dos clubes envolvidos – que confirmam o procedimento apontado -
, a medida permite a identificação das babás que, não desfrutando da condição
de sócias, podem assim ser “facilmente identificadas”. Como argumentos
levantados por algumas pessoas que defendem a restrição está o fato de que essa
identificação imediata permite que se localize claramente as babás na hipótese
de um acidente ou de uma necessidade urgente manifestada pelas crianças. Mas há
também, é claro, a razão embutida: a identificação também propicia impedir que
as babás desfrutem de serviços e atividades inerentes ao corpo social.
Interessante
registrar que os clubes em questão põem ao dispor dos seus sócios um número
determinados de cartões para convidados. As famílias que usam os serviços das
babás, porém, não as credenciam através desses cartões, que as dispensariam do
uso obrigatório do uniforme.
Depoimentos de
diretores desses dois clubes – e de outros que, parece, usam a mesma prática –
mencionam que a medida é apenas uma providência que envolve “apresentação e
padronização”, e que muitas categorias profissionais distinguem os seus membros
dos demais com o uso de uniformes, o que jamais poderia ser configurado como
discriminação.
Razões positivas
para o uso de uniformes podem ser encontradas em muitas situações, Membros de
corporações militares e do políciamento público, profissionais da área médica,
estudantes, entre muitos outros exemplos. No caso dos estudantes, além de
razões de economia, o uniforme inibe a ostentação de uns diante de. outros, com
grifes e coisas do gênero, e acaba conferindo ao grupo um saudável sentimento
de pertencimento. Mas esse não é o caso das babás nesses clubes, onde a veste
tipifica uma posição social e pretende apregoar , ao contrário, o nao
pertencimento, algo do tipo “ponha-se no seu lugar’...
A luta contra
preconceitos sociais ou raciais é antiga em nosso país, e tem mesmo que passar
por todas essas etapas. O preconceito traz em si a ideia que alguns acalentam
de serem “diferentes para melhor” em relação a outros. Durante muito tempo
marcou os elevadores dos edifícios da elite, com distinções entre os que seriam
“sociais” ou “de serviço”. Mas aparece volta e meia em episódios que revivem a
postura segregacionista. Essa questão das babás é apenas mais uma questão nesse
elenco perverso de exclusões.
Lembro, aqui, o
caso dos moradores de um bairro de ricos em São Paulo, que resolveram protestar
e pedir providências às autoridades contra a presença vizinha de “gente
diferenciada” – moradores de uma favela próxima - que estaria pondo em risco a
sua liberdade de ir e vir. Ou seja, ao invés de combaterem a exclusão e
propugnarem por medidas que elevem o padrão social das pessoas, defendem para
si a manutenção de privilégios que os tornem imunes ao contato com a pobreza.
Voltando às babás,
mesmo quando as patroas não as “uniformizam” , pois essa não é necessariamente
uma exigência profissional , ainda assim os clubes impõem esse procedimento
padrão que, certamente, conta com o apoio da maioria dos sócios.
Esse caso – que envolve
mulheres predominantemente negras e de baixa condição social - ganha conotação
de emblemático porque, inevitavelmente, nos faz pensar em um passado não muito
remoto , das mucamas e amas de leite negras e pobres que serviam às famílias
brancas, substituindo os seios das sinhás e indignamente usadas pelos senhores,
em um estágio muito pouco digno de nossa construção social. A comparação pode
parecer exagerada (e creio mesmo que, felizmente, o é), mas não há duvida que
existe um fio a ligar os dois momentos. Menos mal que, ao que tudo indica,
essas babás que levam as crianças aos clubes, às escolas, as babás que dão
banho nos filhos alheios, alimentam-nos e suprem diversos cuidados de mães,
essas babás parecem estar desempenhando, uma atividade em extinção. E chegará o
dia, quem sabe, em que – superando décadas de desigualdade - estarão
ostentando, com orgulho, as mesmas vestes despadronizadas e de marca das
madames de hoje.
Nota do
editor. A ilustração acima é da autoria de Renan Motta Lima.
* Advogado formado
pela UFRJ-RJ (antiga Universidade de Brasil) e professor de Língua Portuguesa
do Rio de Janeiro, formado pela UERJ , com atividade em diversas instituições
do Rio de Janeiro. Com militância política nos anos da ditadura,
particularmente no movimento estudantil. Funcionário aposentado do Banco do
Brasil.
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