Marta F. Reis –
Jornal i
Parlamento debate
nova lei das terapias não convencionais. Proposta do governo deverá ser
corrigida na especialidade
Em vésperas da
aprovação da nova lei que passa para o Estado a total regulação das medicinas
alternativas, associações e deputados confiam que o principal ponto de
discórdia deverá ser ultrapassado quando o projecto baixar à especialidade.
Aquilo que seria uma alternativa consensual, a criação de ordens profissionais,
está fora de questão. A troika não consente.
A proposta de lei
do governo, que deu entrada no parlamento em Novembro, é debatida hoje no
parlamento e deverá ser aprovada pela maioria no plenário. Prevê que as
profissões de acupunctor, fitoterapeuta, homeopata, naturopata, osteopata e
quiroprático passem a estar dependentes de curso superior e de uma cédula
profissional emitida pela Administração Central do Sistema de Saúde, organismo
do Ministério da Saúde. Neste momento, apenas uma profissão na saúde é regulada
desta forma. O acesso à profissão de técnico de diagnóstico e terapêutica,
também dependente de formação superior, exige título profissional emitido pela
ACSS.
Nas últimas semanas
as associações contestaram este cenário junto dos deputados, por entenderem que
contraria o princípio de “autonomia técnica e deontológica” previsto na lei
aprovada em 2003 para o sector e que nunca chegou a ter uma regulamentação
aprovada, embora existisse um prazo legal de 180 dias para que isso
acontecesse. Ontem, após uma reunião com deputados do PSD e PS, era certo no
sector que a proposta seria aprovada como está na generalidade, mas há margem
de todos os partidos para rectificações quando baixar à especialidade, entre
elas o envolvimento das associações na credenciação e regulação disciplinar dos
respectivos profissionais, como acontece com médicos, enfermeiros, psicólogos
ou nutricionistas. Ainda assim, saiu destas últimas conversações uma surpresa,
disse ao i Pedro Choy, presidente da Associação Portuguesa dos
Profissionais de Acupunctura. “O mais natural era que fossem constituídas
ordens para cada uma destas profissões mas segundo o que nos foi dito pelos
partidos membros do governo é que a troika não o permite.” Laura Esperança,
deputada do PSD, confirmou ao i esta proibição da troika, sublinhando
contudo que, por este mesmo motivo, está em vias de ser promulgada uma nova lei
da associações públicas profissionais. Se for esse o rumo da discussão na
especialidade poderá ser uma solução, admitiu.
“Estou confiante de
que a lei pode ser modificada”, disse Pedro Choy. O especialista em medicina
tradicional chinesa lamentou que nas últimas duas décadas a regulamentação do
sector tenha estado sob uma forte pressão do lóbi médico, que acusa de ter estado
por detrás do facto da medicina chinesa não surgir ao lado das seis disciplinas
consagradas na legislação. “É hipócrita, mas a única razão é ter a palavra
medicina. Portugal é o único país do mundo onde se fala de terapias não
convencionais e não de medicinas.”
Para já, contudo, a
perspectiva da constituição de associações públicas profissionais que possam
ter um papel na regulação é um caminho encarado com optimismo perante a
surpresa que foi a nova proposta de lei do governo, que o sector considera
ofensiva ao incluir disposições como não poderem “alegar falsamente que os
actos que praticam são capazes de curar doenças.” Além de Choy também Manuel
Branco, da Associação Portuguesa de Naturopatia, defende a solução das novas
associações como razoável. “Somos uma associação com 31 anos. Sempre tivemos as
nossas cédulas profissionais não estatais. Não temos culpa da inércia do
Estado.” Manuel Branco acusa o governo de nos últimos meses ter ignorado o
sector por nunca ter consultado a comissão nomeada pelo Estado para a
regulamentação das terapias não convencionais. Em todo o processo de elaboração
da nova proposta, que saiu da Direcção-Geral de Saúde, esta comissão nunca foi
consultada. “Enviei emails ao primeiro-ministro e ao ministro da Saúde e nunca
tive resposta”, disse o naturopata. Embora para já a posição seja de
expectativa, o descontentamento promete escalar.
Noémia Rodrigues,
da Associação Portuguesa de Fitoterapia Clássica, admitiu ao i que estão
a ponderar um processo contra o Estado pela violação da lei de 2003. Manuel
Branco disse que a hipótese de fazerem o mesmo ainda não está excluída e
admitiu ter conhecimento de outra associação que se prepara para levar fazer o
mesmo.
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