Baptista-Bastos –
Diário de Notícias, opinião
Um alvoroço de
artigos, crónicas, comentários, depoimentos acolheu o prefácio que o dr. Cavaco
apôs ao sétimo volume de Roteiros, singular colecção de trivialidades
pretendidamente políticas, e não, como o título sugere, itinerário turístico.
Quase todos os preopinantes manifestaram perplexidade porque o autor nada dizia
de novo. Estranha conclusão. O homem é o que é: um medíocre brunido, formal e
liso. Com penosa disposição li o texto, porque o alarido a tal me impelia. Os
habituais tropeços nas preposições, o confuso desalinho com as adversativas, e
a ausência total de qualquer ideia. O costume da banalidade, elevado à nobre
condição de "tema." Apenas me surpreendeu que tanta gente se
sobressaltasse com o chorrilho de bagatelas, e que alguma dessa gente
lobrigasse uma grave advertência ao Governo e uma crítica furtiva a Passos
Coelho. As vinte páginas do extraordinário texto são o retrato (haja Freud e a
nossa paciência!) da insólita personagem que nos coube na vida. Custa-me dizer
isto: mas o dr. Cavaco, o que diz e o que não diz, e não faz, estão longe de
poder ser levados a sério. Ele, os seus silêncios e as suas evasivas são cúmplices
do que nos acontece, desde que foi primeiro-ministro. E a impunidade de que
goza é paralela à imensa vaidade que não consegue dissimular com a exposta modéstia
grotescamente teatral.
O homem é
ressentido e rancoroso. O assento que fez com Sócrates e, antes disso, a cilada
que montou a Fernando Nogueira, para não aludir, entre outras mais, muitas
mais, ao desprezo disfarçado a Santana Lopes, mas suficientemente perceptível
para que o próprio percebesse e os outros pressentissem, são características de
uma índole embotada.Mesmo Pedro Passos Coelho, com quem teve algumas embirrações,
era este um convulsivo dirigente da "jota", mesmo esse tem de se
acautelar. E os esgares, feitos sorrisos, com que o dr. Cavaco, o recebe e
conversa são máscaras da mais vil duplicidade. Lembro aos distraídos a
afabilidade, quase doçura com que recebe Paulo Portas, o qual, quando director
de O Independente, conduziu sangrenta campanha jornalística contra o
cavaquismo, que levou ao descrédito da doutrina e à queda do seu mentor.
A pátria está de
pantanas, os jovens abandonam o país onde nasceram; os desempregados fazem
multidão; os velhos morrem sós, de fome e de miséria; os suicídios aumentam;
todos os ofícios e corporações são atravessados pelo despautério de uma política
assassina; e a figura que está em Belém demonstra-se incapaz de admitir
qualquer conteúdo dos assuntos correntes.
Disse, após mais de
um mês de reclusão, que vai ensinar os portugueses a conviver com a crise, e
que tem mais experiência política do que a maioria dos seus antecedentes.
Perante isto, creio que temos de redefinir a natureza das nossas decepções e os
modos de tornar eficazes o que nos indigna.
Por decisão
pessoal, o autor do texto não escreve segundo o Novo Acordo Ortográfico
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