Félix Ribeiro - Público
Sentença do
Tribunal de Justiça da União Europeia decreta que lei hipotecária em Espanha
viola a protecção do consumidor. Governo tem nova lei preparada.
A lei hipotecária
espanhola que regula os despejos é “abusiva” e “ilegal”, de acordo com a
sentença do Tribunal de Justiça da União Europeia conhecida nesta quinta-feira.
O tribunal argumenta que a lei espanhola é “ilegal” por violar a directiva
europeia de 1993 que estabelece a protecção do consumidor e “abusiva” por não
considerar o desequilíbrio de forças entre as instituições de crédito e quem
entra em incumprimento.
Mesmo que um
despejado, em Espanha, conteste as cláusulas dos empréstimos à habitação,
alegando que estas, por alguma razão, são abusivas, os processos de despejo não
se interrompem. De acordo com o El País, esta foi a principal razão do
veredicto desta quinta-feira do tribunal europeu. A directiva europeia de 1993
determina que a execução de um despejo só pode acontecer depois de ser
conhecida a sentença de um tribunal sobre as alegadas cláusulas abusivas
denunciadas pelo despejado.
Nos casos em que é provada
que uma cláusula do empréstimo é, de facto, abusiva, o contraente do empréstimo
receberá uma indemnização do banco, explica o El País. No entanto, mesmo que o
abuso seja provado, o despejo já está executado. A sentença do Tribunal de
Justiça da União Europeia dirige-se também a este aspecto, afirmando que uma
indemnização num caso de despejo é “incompleta e insuficiente”.
Mas o Tribunal de
Justiça da União Europeia declara também que a lei hipotecária espanhola é
abusiva. Isto porque não tem em consideração o “importante desequilíbrio” de
forças entre o banco que ordena o despejo e o contribuinte que pediu o
empréstimo.
Governo espanhol
tem nova lei preparada
A jurisprudência
criada pela sentença do tribunal europeu estende-se a toda a União Europeia. No
entanto, os Estados-membros não são obrigados a alterar a sua lei hipotecária,
caso esta viole os mesmos princípios que o tribunal europeu identificou na
sentença conhecida nesta quinta-feira.
Em Espanha, porém,
o Governo já tem preparada uma nova lei dos despejos, que será em breve
apresentada ao Parlamento espanhol. Os deputados e responsáveis do Partido
Popular e do Governo estavam, inclusivamente, à espera da sentença do tribunal
europeu. De acordo com o El País, o Governo liderado por Mariano Rajoy quer ter
em conta as recomendações do Tribunal de Justiça da União Europeia antes de
apresentar a forma final da nova lei hipotecária.
Os casos de
despejos têm-se multiplicado vertiginosamente em Espanha, desde que a taxa de
desemprego espanhola disparou nos anos que seguiram ao eclodir da crise
económica, em 2008.
O movimento popular
criado para dar resposta ao crescente número de despejos, o Stop Desahucios,
apresentou já três propostas para incorporarem a nova lei: parar com todos os
despejos, permitir o pagamento retroactivo de prestações em atraso e, terceiro
ponto, criar uma bolsa de habitações sociais para albergar os afectados pelos
despejos.
As propostas
contavam com 1,5 milhões de assinaturas a 6 de Março. Para além do mais, os
principais partidos de oposição em Espanha anunciaram já o apoio a estas três
medidas e prometeram criar legislação para as ampliar.
A lei de Mohamed
Aziz
Não haveria
sentença nesta quinta-feira sem Mohamed Aziz, um marroquino que foi despejado
em Barcelona e que está na origem da queixa ao Tribunal de Justiça da União
Europeia. Mohamed celebrou um contrato de empréstimo à habitação em 2007, que
cedo deixou de ser capaz de pagar. O Caixabank - banco ao qual foi pedido o
empréstimo - accionou a lei hipotecária espanhola, que, por sua vez, decretou o
seu despejo, a 20 de Janeiro de 2011, escreve o El País.
A ordem de despejo
avançou acompanhada de uma exigência: Mohamed Aziz teria de pagar a totalidade
do empréstimo ao Caixabank e ainda uma taxa de 18% pelo atraso nas prestações. Isto
tudo, apesar de Mohamed ter alegado que uma cláusula do empréstimo contraído no
Caixabank era abusiva por não lhe ter permitido contestar o despejo.
O caso de Mohamed
Aziz foi parar às mãos do advogado catalão José María Seijo, que apresentou o
processo ao Tribunal de Justiça da União Europeia. O advogado de Barcelona
argumentou que a lei hipotecária espanhola violava as directivas europeias, já
que não impede os processos de despejo de avançarem, mesmo quando são
contestadas cláusulas dos empréstimos à habitação. O caso era tão exemplar que
colocou o Governo de Mariano Rajoy à espera da sentença.
O El País, que
acompanhou o processo de Aziz, visitou nesta quinta-feira o marroquino e o seu
advogado catalão. A data de publicação do veredicto era já conhecida e, quando
finalmente foi anunciada, Mohamed recebeu o veredicto com estranheza. O
marroquino perguntou ao advogado: “O que quer isto dizer?” “Hombre, significa
que ganhámos”, respondeu José María Seijo, a “chorar desconsoladamente”,
escreve o El País.
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