sexta-feira, 12 de abril de 2013

Roménia: DANIEL MORAR, O INCORRUPTÍVEL




REVISTA 22, BUCARESTE – Presseurop – imagem AFP

Em vez de aceitar um cargo honorífico, o antigo chefe anticorrupção preferiu bater com a porta da instituição judiciária e denunciar a ingerência dos políticos na nomeação dos magistrados. Uma prática que contribui para atrasar a entrada da Roménia no espaço Schengen.


A saída de Daniel Morar do cargo de primeiro vice-procurador-geral do Supremo Tribunal de Cassação e Justiça, a 5 de abril, enervou muita gente. Mas o que mais os irritou não foi a saída, em si – que, de facto, agradou a muitos – mas a maneira como foi feita: denunciando publicamente as combinações entre o Presidente Traian Băsescu [direita] e o primeiro-ministro Victor Ponta [centro-esquerda] sobre as nomeações dos procuradores-gerais [para o Supremo Tribunal e para a Direção Nacional Anticorrupção-DNA]. A maioria esperava que ele se calasse e engolisse o acordo Ponta-Băsescu, sobretudo depois de o Presidente o ter nomeado para o cargo de juiz do Tribunal Constitucional.

Mas Morar, antigo chefe da DNA, considera que não deve nada a ninguém e que é livre de cumprir as suas funções até ao fim. O “homem de Băsescu", como lhe chamam os seus detratores, começou a sua carreira a opor-se judicialmente ao Presidente, [na época, ministro dos Transportes] por causa do escândalo que ficou conhecido como “A Frota” [e que se refere aos casos de presumível corrupção durante a privatização da frota de barcos mercantes romena nos anos de 1990] e acaba-a, igualmente, com posições antagonistas na esfera política. Deixou o sistema depois de cerca de oito anos de investigações provando, até ao último instante, que é tal e qual como o descrevem: um procurador puro-sangue.

Austero e devoto ao trabalho

Conheci Daniel Morar antes de ele tomar as rédeas da DNA. A ministra da Justiça, Monica Macovei, telefonou-me, em 2005, pedindo-me que me encontrasse com a pessoa que ela estava a pensar propor para a liderança da Procuradoria Nacional Anticorrupção que, na altura, ainda não se chamava DNA. Aceitei.

Lembro-me, apenas, de que ele falava pouco e de maneira formal, com um forte sotaque de Cluj [cidade do noroeste do país] e de que o seu rosto estava estranhamente pálido. Não me lembro de mais pormenores, mas sei o que respondi a Macovei quando a ministra me perguntou o que é que eu pensava sobre ele. Por um lado agradado e por outro descontente, disse-lhe: “Ele é capaz de te mandar prender, se alguma vez te apanhar a infligir a lei”. Este nativo da Transilvânia, na casa dos quarenta anos, de aparência frágil, arvorava sempre um ar grave. Emanava dele uma força estranha e tinha uma maneira abrupta de dizer as frases. O seu olhar era perscrutador, a sua conversa franca.

Mais tarde, quando se tornou o chefe da DNA, o embaixador americano em Bucareste, Mark Gitenstein, expressou publicamente a admiração que tinha por ele. Antigo advogado, Gitenstein contou, durante uma visita efetuada pelo procurador-geral do estado do Delaware, Beau Biden (o filho do vice-presidente dos Estados Unidos), que os representantes do Departamento de Estado não poupavam elogios a este “procurador puro-sangue”. O embaixador chamava-lhe, por seu lado, o “procurador por definição”. Penso que é a melhor descrição. Morar incarna a austeridade do procurador totalmente devotado ao seu trabalho.

A posição de comuns mortais

No início de 2013, a sentença que condenou à prisão o antigo primeiro-ministro Adrian Năstase — sob a tutela de quem os grandes inquéritos eram não só inimagináveis como, além do mais, os procuradores muito destemidos eram destituídos, para dar o exemplo — quebrou o mito da impunidade, profundamente enraizado no imaginário político romeno, gerando uma onda de pânico. A DNA de Morar remexeu em todas as camadas da sociedade romena atingida pela corrupção: Governo, parlamento, administração local, justiça, política, alfândegas, desporto. Em muitos casos, foram destruídas redes de corrupção tentaculares, como aconteceu com o dossiê das alfândegas.

A Roménia teve muito poucas personagens luminosas, capazes de mudar mentalidades e sistemas, de preservarem intacta a sua integridade. Daniel Morar conta-se entre elas. O poder político, seja ele qual for, cometerá uma vez mais o “erro” de deixar ao acaso as rédeas de um tal contrapoder e de permitir a pessoas livres de o exercerem, como fez com Morar? Muito pouco provável: muitos empresários, políticos com grandes ambições e outras personalidades influentes puderam constatar que, sem redes de corrupção, sem gente de confiança nos lugares-chave dentro da justiça, nada lhes garante a impunidade. Para eles, a presença de homens como Morar à frente dos procuradores anticorrupção rebaixa-os à posição de comuns mortais.

Falta de mecanismos de controlo

Os diplomatas ocidentais, em Washington, em Londres, depressa chegaram à conclusão de que o processo de nomeação dos novos procuradores-gerais [através de um acordo político] deve ser apoiado sem equívocos, para que chegue ao fim o interregno que dura desde há um ano. Mas é um erro grave acreditar que o nome de quem dirige uma instituição na Roménia não tem importância. Esse raciocínio tipicamente ocidental funciona nas democracias já rodadas. A Roménia tem falta de mecanismos de verificação e de controlo que possam equilibrar o sistema e garantir o funcionamento independente de quem conduz as instituições. Se, à frente das instituições-chave estiver gente capaz, com uma vontade reformista, as coisas avançam. Caso contrário, tudo volta ao que era. Após 23 anos de democracia não conseguimos chegar a alguma coisa mais séria? Infelizmente, não.

Com procuradores medíocres ou fracos, os europeus do ocidente perceberão muito depressa onde está o erro. Da mesma maneira, durante muito tempo, as derrapagens de Budapeste foram tratadas com indulgência, até ao momento atual, em que já não há remédio possível. Assim, há muito que a Hungria ultrapassou a linha vermelha da democracia.

Entretanto, a Comissão Europeia anunciou que não alterou a sua opinião, sobre as lacunas de Bucareste em matéria de corrupção, manifestada no último relatório do Mecanismo de Cooperação e Verificação [com vista à adesão ao Espaço Schengen], sobre a necessidade de um processo de seleção transparente dos novos procuradores-gerais.

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