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22, BUCARESTE – Presseurop – imagem AFP
Em vez de aceitar
um cargo honorífico, o antigo chefe anticorrupção preferiu bater com a porta da
instituição judiciária e denunciar a ingerência dos políticos na nomeação dos
magistrados. Uma prática que contribui para atrasar a entrada da Roménia no espaço
Schengen.
A saída de Daniel
Morar do cargo de primeiro vice-procurador-geral do Supremo Tribunal de
Cassação e Justiça, a 5 de abril, enervou muita gente. Mas o que mais os
irritou não foi a saída, em si – que, de facto, agradou a muitos – mas a
maneira como foi feita: denunciando publicamente as combinações entre o
Presidente Traian Băsescu [direita] e o primeiro-ministro Victor Ponta
[centro-esquerda] sobre as nomeações dos procuradores-gerais [para o Supremo
Tribunal e para a Direção Nacional Anticorrupção-DNA]. A maioria esperava que
ele se calasse e engolisse o acordo Ponta-Băsescu, sobretudo depois de o
Presidente o ter nomeado para o cargo de juiz do Tribunal Constitucional.
Mas Morar, antigo
chefe da DNA, considera que não deve nada a ninguém e
que é livre de cumprir as suas funções até ao fim. O “homem de Băsescu",
como lhe chamam os seus detratores, começou a sua carreira a opor-se
judicialmente ao Presidente, [na época, ministro dos Transportes] por causa do
escândalo que ficou conhecido como “A Frota” [e que se refere aos casos de
presumível corrupção durante a privatização da frota de barcos mercantes romena
nos anos de 1990] e acaba-a, igualmente, com posições antagonistas na esfera
política. Deixou o sistema depois de cerca de oito anos de investigações
provando, até ao último instante, que é tal e qual como o descrevem: um
procurador puro-sangue.
Austero e devoto ao
trabalho
Conheci Daniel
Morar antes de ele tomar as rédeas da DNA. A ministra da Justiça, Monica
Macovei, telefonou-me, em 2005, pedindo-me que me encontrasse com a pessoa
que ela estava a pensar propor para a liderança da Procuradoria Nacional
Anticorrupção que, na altura, ainda não se chamava DNA. Aceitei.
Lembro-me, apenas,
de que ele falava pouco e de maneira formal, com um forte sotaque de Cluj
[cidade do noroeste do país] e de que o seu rosto estava estranhamente pálido.
Não me lembro de mais pormenores, mas sei o que respondi a Macovei quando a
ministra me perguntou o que é que eu pensava sobre ele. Por um lado agradado e
por outro descontente, disse-lhe: “Ele é capaz de te mandar prender, se alguma
vez te apanhar a infligir a lei”. Este nativo da Transilvânia, na casa dos
quarenta anos, de aparência frágil, arvorava sempre um ar grave. Emanava dele
uma força estranha e tinha uma maneira abrupta de dizer as frases. O seu olhar
era perscrutador, a sua conversa franca.
Mais tarde, quando
se tornou o chefe da DNA, o embaixador americano em Bucareste, Mark Gitenstein,
expressou publicamente a admiração que tinha por ele. Antigo advogado,
Gitenstein contou, durante uma visita efetuada pelo procurador-geral do estado
do Delaware, Beau Biden (o filho do vice-presidente dos Estados Unidos), que os
representantes do Departamento de Estado não poupavam elogios a este
“procurador puro-sangue”. O embaixador chamava-lhe, por seu lado, o “procurador
por definição”. Penso que é a melhor descrição. Morar incarna a austeridade do
procurador totalmente devotado ao seu trabalho.
A posição de comuns
mortais
No início de 2013, a
sentença que condenou à prisão o antigo primeiro-ministro Adrian
Năstase — sob a tutela de quem os grandes inquéritos eram não só inimagináveis
como, além do mais, os procuradores muito destemidos eram destituídos, para dar
o exemplo — quebrou o mito da impunidade, profundamente enraizado no imaginário
político romeno, gerando uma onda de pânico. A DNA de Morar remexeu em todas as
camadas da sociedade romena atingida pela corrupção: Governo, parlamento,
administração local, justiça, política, alfândegas, desporto. Em muitos casos,
foram destruídas redes de corrupção tentaculares, como aconteceu com o dossiê
das alfândegas.
A Roménia teve
muito poucas personagens luminosas, capazes de mudar mentalidades e sistemas,
de preservarem intacta a sua integridade. Daniel Morar conta-se entre elas. O
poder político, seja ele qual for, cometerá uma vez mais o “erro” de deixar ao
acaso as rédeas de um tal contrapoder e de permitir a pessoas livres de o
exercerem, como fez com Morar? Muito pouco provável: muitos empresários,
políticos com grandes ambições e outras personalidades influentes puderam
constatar que, sem redes de corrupção, sem gente de confiança nos lugares-chave
dentro da justiça, nada lhes garante a impunidade. Para eles, a presença de
homens como Morar à frente dos procuradores anticorrupção rebaixa-os à posição
de comuns mortais.
Falta de mecanismos
de controlo
Os diplomatas
ocidentais, em Washington, em Londres, depressa chegaram à conclusão de que o
processo de nomeação dos novos procuradores-gerais [através de um acordo
político] deve ser apoiado sem equívocos, para que chegue ao fim o interregno
que dura desde há um ano. Mas é um erro grave acreditar que o nome de quem
dirige uma instituição na Roménia não tem importância. Esse raciocínio
tipicamente ocidental funciona nas democracias já rodadas. A
Roménia tem falta de mecanismos de verificação e de controlo que
possam equilibrar o sistema e garantir o funcionamento independente de quem
conduz as instituições. Se, à frente das instituições-chave estiver gente
capaz, com uma vontade reformista, as coisas avançam. Caso contrário, tudo
volta ao que era. Após 23 anos de democracia não conseguimos chegar a alguma
coisa mais séria? Infelizmente, não.
Com procuradores
medíocres ou fracos, os europeus do ocidente perceberão muito depressa onde
está o erro. Da mesma maneira, durante muito tempo, as
derrapagens de Budapeste foram tratadas com indulgência, até ao
momento atual, em que já não há remédio possível. Assim, há muito que a Hungria
ultrapassou a linha vermelha da democracia.
Entretanto, a
Comissão Europeia anunciou que não alterou a sua opinião, sobre as lacunas de
Bucareste em matéria de corrupção, manifestada no último relatório do Mecanismo
de Cooperação e Verificação [com vista à adesão ao Espaço Schengen], sobre a
necessidade de um processo
de seleção transparente dos novos procuradores-gerais.
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