As 100 empresas
mais importantes do Reino Unido tem mais de 8 mil subsidiárias em paraísos
fiscais. Os bancos são os usuários mais prolíficos destes circuitos da evasão
fiscal global, mas ao seu lado operam também multinacionais manufatureiras,
telefônicas, energéticas, de turismo, supermercados e bebidas. Segundo o
informe da ONG ActionAid, essas empresas tem umas 311 subsidiárias no Brasil e
uma forte presença em todo o mundo em desenvolvimento. Por Marcelo Justo, de
Londres.
Marcelo Justo - Carta Maior
Londres - As
100 empresas mais importantes do Reino Unido, aglutinadas em torno do famoso
índice das bolsas de valores FTSE100, tem mais de 8 mil subsidiárias em
paraísos fiscais. Os bancos são os usuários mais prolíficos destes circuitos da
evasão fiscal global, mas ao seu lado operam também multinacionais
manufatureiras, telefônicas, energéticas, de turismo, supermercados e bebidas.
Segundo o informe da ONG ActionAid, as FTSE100 tem umas 311
subsidiárias no Brasil e uma forte presença em todo o mundo em desenvolvimento.
O informe da ActionAid questiona a suposta vontade política do governo
britânico para combater o uso de paraísos fiscais. Na reunião de ministros de
Finanças do G8, no sábado passado, o do Reino Unido, George Osborne, indicou
que era “fundamental que as empresas e os indivíduos paguem o que lhes
corresponde de impostos”. A realidade é que sob o nariz do ministro, 98 das 100
empresas do FTSE100 tem subsidiárias em paraísos fiscais e dez delas tem sua
sede central em um destes locais, um claro sinal de que não mudou muita coisa
desde que, em 2009, o G20 anunciou “o fim dos paraísos fiscais”.
Hoje a magnitude da crise é tal que não bastam anúncios barulhentos e promessas
grandiloquentes, como as feitas pelo então presidente francês, Nicolas Sarkozy,
que se comprometeu a nada mais nada menos do que “refundar o capitalismo”. Na
reunião de ministros de finanças da União Europeia (UE) de abril, nove países –
Espanha, Reino Unido, Itália, França, Alemanha, Polônia, Holanda, Bélgica e
Romênia – aderiram a um projeto piloto de intercâmbio automático de informação
bancária sobre os dados dos não residentes, algo que permitirá fiscalizar a
evasão de impostos de multimilionários. Mas segundo Chris Jordan, um dos
responsáveis pelo informe da ActionAid, este instrumento, reclamado durante
muito tempo pelas organizações não governamentais, é apenas a ponta do iceberg.
“Este modelo de intercâmbio automático se baseia em um mecanismo adota pelos
Estados Unidos e o problema é que ainda não se sabe bem a sua abrangência. A
mecânica dos paraísos fiscais é tão complexa que pode haver buracos negros
pelos quais escorrem a maioria dos grandes sonegadores, incluindo as multinacionais
e os bancos”, disse Jordan à Carta Maior.
As contradições britânicas
Em junho, o Reino Unido presidirá a cúpula do G8 e o primeiro ministro David
Cameron indicou que a sonegação fiscal e o segredo das contas “offshore”
estarão no centro da agenda. Nicholas Shaxson, autor de “Treasury Islands”
(Ilhas do Tesouro), um exaustivo estudo dos paraísos fiscais, acha que as
contradições britânicas em torno do tema são claras. “Por um lado, o governo
está pressionado pelos seus problemas fiscais e uma economia que acaba de sair
de uma dupla recessão, mas não da estagnação. Por outro, é um centro financeiro
que se beneficia enormemente da existência dos paraísos fiscais”, disse à Carta
Maior.
As 100 empresas do FTSE tem umas 1685 subsidiárias em territórios dependentes
da coroa britânica e conhecidos paraísos fiscais como Jersey, Ilhas Virgens
britânicas, Ilhas Caiman, Bermuda e Gibraltar. Nas Bahamas, há 115 mil empresas
para os 307 mil habitantes das ilhas. Nas Ilhas Jersey, a proporção é
igualmente exorbitante: 33 mil empresas para 91 mil habitantes. O próprio
presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, exemplificou o problema em mais de
uma ocasião com a Ugland House, um edifício situado em outra dependência
britânica, as Ilhas Caiman, que abriga mais de 18 mil companhias.
A mecânica da evasão e sonegação fiscal varia de acordo com o sujeito –
indivíduo, banco, multinacional – mas o objetivo é o mesmo. No caso das
corporações, as subsidiárias em paraísos fiscais servem para distorcer a
estrutura de preços internos das empresas, um mecanismo de longo alcance já
que, segundo a OCDE, 60% do comércio internacional ocorre entre multinacionais.
“Suponhamos que uma empresa multinacional opera em um país X com um imposto
corporativo de 30%. A empresa pagará menos impostos quanto menos lucros tiver.
De maneira que contratará a preços inflacionados serviços legais ou financeiros
ou de promoção de suas próprias subsidiárias instaladas em distintos paraísos
fiscais onde pagam muito menos impostos”, explicou à Carta Maior John
Christensen, diretor de Tax Justice International.
Este mecanismo tem um forte impacto nos países em desenvolvimento. As FTSE 100
tem 311 subsidiárias no Brasil que vão do campo da mineração e do petróleo ao
de alimentos, artigos para o lar e seguros. “Isso não prova que necessariamente
haja evasão fiscal. Mas sim que estas empresas têm uma estrutura internacional
tal que podem com toda facilidade mover seus lucros por meio dos paraísos
fiscais praticando uma dupla evasão de impostos, tanto no Reino Unido como no
Brasil”, explica Jordan.
O realismo mágico dos paraísos
Empresas internacionais de serviços como Google ou Starbucks se viram obrigadas
a reconhecer que praticamente não pagavam impostos no Reino unido. O
especialista em economia comparada da Universidade de Cambridge, o chileno José
Gabriel Palma, explicou à Carta Maior o mecanismo usado.
“Starbucks não paga impostos sobre seus rendimentos porque, segundo dizem, “não
tem lucros contábeis”. E não tem porque suas empresas locais, de propriedade e
administração de Starbucks, pagam uma empresa de Starbucks fora do país uma
quantidade sideral pelo direito de usar o nome Starbucks. Ou seja, Starbucks
paga a Starbucks pelo uso do nome Starbucks. E na legislação tributária
neoliberal desse país, isso é perfeitamente legal. É realismo mágico contábil.
A meu juízo, Gabriel Garcia Márquez deveria ter sido consultor de empresas de
contabilidade”, indicou Palma.
No passado, a opacidade financeira era complementar à opacidade midiática:
ninguém falava do tema. A crise econômica colocou o foco sobre a estrutura
fiscal dos países. Na cúpula de 22 de maio da União Europeia, a evasão de
impostos será um dos eixos da agenda. Algo similar ocorrerá com a cúpula do G8
em junho e com a do G20 em setembro.
Assim como a Tax Justice International, a Action Aid assinala que mudar as
coisas não é complicado, mas requer vontade política. “Tudo o que se necessita
é de transparência. Deve haver um registro público dos paraísos fiscais para
saber quem são os donos reais das empresas registradas. As multinacionais
também deveriam publicar suas contas em cada lugar onde operam porque isso
permitiria detectar facilmente a evasão fiscal”, indicou Jordan à Carta Maior.
Tradução: Marco Aurélio Weissheimer
Fotos: Lista das dez principais empresas do Reino Unido que utilizam
paraísos fiscais
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