segunda-feira, 27 de maio de 2013

Portugal: CÁ SE VAI ANDANDO COM A CABEÇA ENTRE AS ORELHAS



Tomás Vasques – Jornal i, opinião

É comum dizer-se que, depois desta crise, nada voltará a ser como era. Esperemos que não, sobretudo na exigência de mais democracia

Em cada semana que passa, o regime agoniza às mãos dos seus protagonistas mais relevantes. A falta de respeito pelos cidadãos que os elegeram e pelas mais elementares regras da democracia é tal que já ninguém os respeita. Nas ruas, a turba maltratada e espezinhada grita “gatunos” e “ladrões”; nos salões, a meia-voz, diz-se de tudo - os mais conciliadores não vão além do “incompetentes”, mas já chegam aos jornais desabafos mais acutilantes, como “palhaço” e outros. A situação a que chegámos não é para menos do que isso, e já pairam no ar alguns traços da agonia da I República.

A semana passada começou com uma desastrada, se não mesmo patética, reunião do conselho de Estado, convocada pelo senhor Presidente da República, para “ouvir a opinião” dos seus conselheiros sobre o difícil momento em que a troika de credores que nos governa sairá de cena, o que, pelo andar da carruagem, não se sabe quando acontecerá. A reunião estava tão bem preparada, e o desprezo pelos seus intervenientes, em particular, e pelos portugueses, em geral, foi tal que, antes de começar, já tinha sido elaborado um comunicado com as conclusões do que lá seria dito. É claro que estas “premonições” normalmente dão borrasca e, desta vez, a Nossa Senhora de Fátima não esteve disponível para dar uma mãozinha. A maioria dos conselheiros acabou por ignorar o despropositado tema da reunião e falar sobre o que Cavaco Silva não queria ouvir – o descalabro da situação presente - e que não constava nas conclusões antecipadamente redigidas. Expor, assim, ao ridículo o “mais alto cargo da nação” já é muito mau, mas pior ainda é tratar os portugueses como atrasados mentais e parodiar a democracia.

Na quarta-feira foi a vez de Vítor Gaspar meter mais um prego no caixão do regime. O inenarrável ministro das Finanças, já conhecido como o representante que os nossos credores indicaram para o governo, foi a Berlim, de baraço ao pescoço, em nome deste governo, pedir autorização ao senhor Schäuble para começar a utilizar a palavra “crescimento” em vez de “austeridade”. Deve ter explicado que nada ia mudar na sua política, que nem um cêntimo a menos deixaria de sugar, conforme as instruções que recebera, mas era necessário engodar os nativos que se mostram cada vez mais avessos à palavra “austeridade”. Obtida a autorização, com o devido espezinhar da nossa soberania e dignidade democrática, chegou a Lisboa e apresentou-se ao lado do ministro da Economia a anunciar a chegada do “momento do investimento”. Ele, Vítor Gaspar, sabe melhor do que ninguém que o anunciado crédito fiscal ao investimento tem o mesmo valor facial do que o comunicado final do último conselho de Estado - é nulo. O presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal, João Vieira Lopes, denunciou de imediato, em poucas palavras, o embuste: “estas medidas estão desenquadradas das necessidades das empresas”. É a hipocrisia destas declarações solenes, vazias e sem consequências úteis para a economia e o emprego, produzidas pelos protagonistas do regime, que minam a confiança dos portugueses nas virtudes da democracia.

Na sexta-feira, no debate quinzenal no parlamento, o primeiro-ministro, obtida a autorização dos alemães para falar em “crescimento”, sem o menor pudor, desorientado, disse tudo o que lhe veio à cabeça. “Este é o momento de viragem” – disse. Ou, dirigindo-se a António José Seguro: “Estamos a fazer parte do seu discurso”. Tudo isto é conversa fiada para enganar incautos. O que aí vem são mais cortes e cortes nos rendimentos do trabalho, nas pensões dos reformados e pensionistas, transferências de despesas do Estado para os cidadãos, despedimentos na função pública. Nada se alterou na política de saque e empobrecimento. A autorização que lhe foi concedida por Schäuble só lhes permite a alteração do discurso. A decadência da economia, o empobrecimento dos portugueses e a consequente agonia do regime vai continuar.

É comum dizer-se que, depois desta crise, nada voltará a ser como era. Esperemos que não, sobretudo na exigência de mais democracia, mais transparência, mais fiscalização e participação dos cidadãos.

Jurista, escreve à segunda-feira

Coro das Velhas –vídeo, Sérgio Godinho (Cá se vai andando com a cabeça entre as orelhas)

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