Tomás Vasques –
Jornal i, opinião
É comum dizer-se
que, depois desta crise, nada voltará a ser como era. Esperemos que não,
sobretudo na exigência de mais democracia
Em cada semana que
passa, o regime agoniza às mãos dos seus protagonistas mais relevantes. A falta
de respeito pelos cidadãos que os elegeram e pelas mais elementares regras da
democracia é tal que já ninguém os respeita. Nas ruas, a turba maltratada e
espezinhada grita “gatunos” e “ladrões”; nos salões, a meia-voz, diz-se de tudo
- os mais conciliadores não vão além do “incompetentes”, mas já chegam aos
jornais desabafos mais acutilantes, como “palhaço” e outros. A situação a que
chegámos não é para menos do que isso, e já pairam no ar alguns traços da
agonia da I República.
A semana passada
começou com uma desastrada, se não mesmo patética, reunião do conselho de
Estado, convocada pelo senhor Presidente da República, para “ouvir a opinião”
dos seus conselheiros sobre o difícil momento em que a troika de credores que
nos governa sairá de cena, o que, pelo andar da carruagem, não se sabe quando
acontecerá. A reunião estava tão bem preparada, e o desprezo pelos seus
intervenientes, em particular, e pelos portugueses, em geral, foi tal que,
antes de começar, já tinha sido elaborado um comunicado com as conclusões do
que lá seria dito. É claro que estas “premonições” normalmente dão borrasca e,
desta vez, a Nossa Senhora de Fátima não esteve disponível para dar uma
mãozinha. A maioria dos conselheiros acabou por ignorar o despropositado tema
da reunião e falar sobre o que Cavaco Silva não queria ouvir – o descalabro da
situação presente - e que não constava nas conclusões antecipadamente
redigidas. Expor, assim, ao ridículo o “mais alto cargo da nação” já é muito
mau, mas pior ainda é tratar os portugueses como atrasados mentais e parodiar a
democracia.
Na quarta-feira foi
a vez de Vítor Gaspar meter mais um prego no caixão do regime. O inenarrável
ministro das Finanças, já conhecido como o representante que os nossos credores
indicaram para o governo, foi a Berlim, de baraço ao pescoço, em nome deste
governo, pedir autorização ao senhor Schäuble para começar a utilizar a palavra
“crescimento” em vez de “austeridade”. Deve ter explicado que nada ia mudar na
sua política, que nem um cêntimo a menos deixaria de sugar, conforme as
instruções que recebera, mas era necessário engodar os nativos que se mostram
cada vez mais avessos à palavra “austeridade”. Obtida a autorização, com o
devido espezinhar da nossa soberania e dignidade democrática, chegou a Lisboa e
apresentou-se ao lado do ministro da Economia a anunciar a chegada do “momento
do investimento”. Ele, Vítor Gaspar, sabe melhor do que ninguém que o anunciado
crédito fiscal ao investimento tem o mesmo valor facial do que o comunicado
final do último conselho de Estado - é nulo. O presidente da Confederação do
Comércio e Serviços de Portugal, João Vieira Lopes, denunciou de imediato, em
poucas palavras, o embuste: “estas medidas estão desenquadradas das
necessidades das empresas”. É a hipocrisia destas declarações solenes, vazias e
sem consequências úteis para a economia e o emprego, produzidas pelos
protagonistas do regime, que minam a confiança dos portugueses nas virtudes da
democracia.
Na sexta-feira, no
debate quinzenal no parlamento, o primeiro-ministro, obtida a autorização dos
alemães para falar em “crescimento”, sem o menor pudor, desorientado, disse
tudo o que lhe veio à cabeça. “Este é o momento de viragem” – disse. Ou,
dirigindo-se a António José Seguro: “Estamos a fazer parte do seu discurso”.
Tudo isto é conversa fiada para enganar incautos. O que aí vem são mais cortes
e cortes nos rendimentos do trabalho, nas pensões dos reformados e
pensionistas, transferências de despesas do Estado para os cidadãos,
despedimentos na função pública. Nada se alterou na política de saque e
empobrecimento. A autorização que lhe foi concedida por Schäuble só lhes
permite a alteração do discurso. A decadência da economia, o empobrecimento dos
portugueses e a consequente agonia do regime vai continuar.
É comum dizer-se
que, depois desta crise, nada voltará a ser como era. Esperemos que não,
sobretudo na exigência de mais democracia, mais transparência, mais
fiscalização e participação dos cidadãos.
Jurista, escreve à
segunda-feira
Coro das Velhas –vídeo, Sérgio Godinho (Cá se vai andando com a cabeça entre as orelhas)
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