Fernanda Câncio –
Diário de Notícias, opinião
São tantos os
exemplos de opacidade, desonestidade e simples falsidade no discurso deste
Governo que parece haver uma ausência generalizada de paciência para denunciar
todos (onde andarão os arautos da "verdade com V"? Ah, espera). Mas
alguns não podem passar em claro. Como este de invocar a equidade entre
gerações para ajustar as pensões já a ser pagas, usando o mesmo argumento para
igualar o subsídio dos desempregados mais velhos aos dos mais novos.
Temos aqui um
pequeno problema de lógica, não? Defender uma reponderação das pensões em
pagamento de acordo com as regras atuais de sustentabilidade não é compaginável
com tratar por igual desempregados com uma carreira contributiva de 30 anos e
quem desconta há um. Não se pode dizer, como diz Passos, que muitos
pensionistas não descontaram o suficiente para o que recebem e ignorar que os
desempregados mais velhos descontaram muito mais que os novos.
Mas o Governo não
põe as orelhas de burro sozinho. O relatório do FMI e o da OCDE incorrem na
mesma contradição - o FMI chega mesmo a propor que o subsídio de desemprego
seja igual para todos (419 euros) ao mesmo tempo que se choca com a disparidade
entre as pensões da CGA e as do regime geral. E se o trabalho da OCDE é mais
honesto que o embuste do FMI (não era difícil), não deixa de enfermar dos
mesmos problemas de base: primeiro, aceitar como óbvio que é preciso cortar
mais, sem sequer estabelecer a base dessa necessidade - como se esta fosse
inquestionável. Depois, trabalha com base na informação fornecida pelo Executivo,
sem cuidar de saber se é verdadeira. Por exemplo: diz a OCDE que à redução do
valor do subsídio de desemprego, à imposição de uma redução de 10% após seis
meses de prestação e ao encurtar do seu período máximo (de que gozavam os mais
velhos) correspondeu um alargamento a sectores até então sem proteção, como os
profissionais por conta própria e a recibos verdes. Na verdade, os
profissionais liberais e empresários que fiquem sem retribuição só poderão - se
puderem - aceder ao subsídio a partir de 2015, enquanto os cortes nos subsídios
dos desempregados mais velhos estão em vigor desde 2012.
Ao assim proceder,
a OCDE está a funcionar como um instrumento de propaganda do Governo. E a quem,
como o secretário de Estado Pedro Lomba, afirma que se trata de uma instituição
acima de qualquer suspeita, recordemos o que o cronista do mesmo nome escreveu
em dezembro de 2010, a
propósito de um estudo da OCDE: "mais do que demonstrar a teoria de uma
conspiração que pode não ter existido, interessa-nos dispor dos elementos que
permitam formar uma opinião esclarecida. Em democracia devemos desconfiar dos
governos em geral e em Portugal tudo recomenda que desconfiemos a dobrar.
Cumpramos a nossa obrigação democrática de desconfiar. De todos os governos, e
deste muito em particular." A equidade também é isto.
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