Folha 8 – Edição 1160
– 28 setembro 2013
Essa peregrina e
ingénua ideia de querer pôr, em Angola, os corruptos a lutar contra a corrupção
é digna de qualquer ditadura que se preze. E o caso. Faz parte dos livros e dos
pilares de todos os países, embora mais de uns do que de outros. Também nisto o
regime deles, que infelizmente nos obrigam a que seja de todos nós, está no
top.
Dizer, como faz o
regime, que o combate à corrupção em Angola apresenta resultados baixos apesar
da luta encetada, até tem piada, sobretudo para os que têm a barriga cheia.
Apesar dos "esforços" (sejamos benevolentes), traduzidos na produção
de legislação de um Parlamento esmagadoramente dominado pelo MPLA, muitas
dessas leis estão viciadas à nascença, com graves defeitos de concepção e
formatação, o que as torna, como está na génese dos seus feitores, ineficazes.
Aliás a ineficácia é fundamental para se ter boas leis que permitam ter bons
corruptos. Corruptos legalmente protegidos pelas leis e pelas práticas que
constituem o seu modo de vida, o seu status quo.
O combate
(desculpem o exagero do termo) à corrupção está enfraquecido, ou nem existe,
por uma série de deficiências estratégicas resultantes da opção, igualmente
estratégica, de tapar o sol com uma peneira de modo a que na rede sejam
apanhadas as petingas mas nunca os tubarões.
São de facto as
deficiências estratégicas que permitem e que estimulam a que, à boa maneira
mafiosa, a corrupção medre e domine um reino esclavagista que é dominado por novos
colonizadores que, como se sabe, não se limitaram - com a independência - a
copiar o que havia de pior nos seus antecessores. Conseguiram o feito de piorar
ainda mais o que já de si era mau.
Certo é que no
pós-independência, os diferentes (mas sempre iguais) governos do MPLA nunca
estabeleceram, objectivamente, uma política de combate à corrupção,
limitando-se apenas a enumerar um conjunto de considerandos vagos e de
intenções simbólicas para enganar o Povo e dar, para o exterior, a imagem
daquilo que não é - um país sério.
Mas do que é que
estávamos à espera? Que os corruptos lutassem contra a corrupção que, aliás, é
uma das suas mais importantes mais-valias? Por alguma coisa Angola tem um
Presidente da República, simultaneamente Presidente do MPLA e do Governo que
faz da mentira uma arma de destruição maciça.
As iniciativas
legislativas, formalmente típicas dos Estados de Direito, não têm travado a
corrupção, nem têm permitido o destaque desde fenómeno na comunicação social
(com excepção do Folha 8), nem têm alterado a percepção dos organismos
independentes sobre a incidência e extensão da corrupção na sociedade que
domina o nosso país.
É claro que aqui
também entra a fraca ou nula capacidade, tanto da comunicação social como da
sociedade civil, para acompanhar os processos de produção de legislação e
denunciar a má qualidade dos deputados e dos que ocupam cargos de
responsabilidade nas instituições públicas, a começar na Presidência da
República. Na nossa política, literalmente dominada pela máquina do regime do
MPLA, existe unia total irresponsabilidade dos eleitos face aos eleitores,
sendo as promessas de combate à corrupção uma mera forma de entreter um Povo
faminto e doente.
Somados, estes
factores resultam (como se isso interessasse a alguém) na falta de honestidade
para com os cidadãos e na ausência de sancionamento real das irregularidades
praticadas pelos políticos. Para acabar com esta realidade, os Estados
democráticos defende urna maior fiscalização da parte do Parlamento (também ele
o alfobre da corrupção) aos registos de interesses de deputados e membros do
Governo, bem como o alargamento do regime de incompatibilidades aos membros que
integram os gabinetes governamentais. E claro que isto não se aplica a um país
que, segunda o seu Presidente, foi obrigado a dizer que era uma democracia. De
vez em quando os angolanos, seja por via directa ou não, resolvem falar de
corrupção. Quase sempre, neste como em outros assuntos, apenas mudam as
moscas... O Povo cala e consente, a troco de um prato de fuba.
Nós os angolanos
somos, na generalidade e em teoria, contra a corrupção, mas no dia-a-dia
acabamos por pactuar com ela porque é preciso sobreviver. E entre ser impoluto
de barriga vazia e corrupto com ela cheia, venha o escolhido de Deus e...
escolha. Ao nível simbólico, abstracto, toda a gente condena a corrupção, mas
no nível estratégico, no quotidiano, as pessoas acabam por pactuar com a
corrupção, até nos casos mais graves, de suborno.
Não sabemos o que
se chamará ao facto de quando alguém se candidata a um emprego lhe perguntarem
se é do MPLA. Será corrupção? E quando dizem que "se fosse filiada no MPLA
teria mais possibilidades"? Ou quando se abrem concursos para cumprir a
lei e já se sabe à partida que quem vai ocupar o lugar é o afilhado do general
ou o primo do ministro?
A estrutura de
poder actual em Angola é, basicamente, a estrutura de poder de Oliveira
Sala7ar. É uma estrutura que, na sua génese, se mantém e asfixia todos os que
contra ela lutam. E enquanto assim for, e assim é desde 1975, os grandes
interesses ficam na mão do clã divino do querido líder. Afirmar que os
assustadores níveis de corrupção existentes em Angola superam tudo o que se
passa em África, conforme relatórios de organizações internacionais e nacionais
credíveis, é uma verdade que por ser tão visível se torna quase sempre
invisível.
Aliás, basta ver
como os políticos e as grandes empresas, portuguesas e muitas outras, investem
forte no clã Eduardo dos Santos corno forma de fazerem chorudos negócios... Até
com a venda limpa-neves para Luanda.
Com este cenário,
alguém se atreverá a dizer ao dono do poder angolano, José Eduardo dos Santos,
que é preciso acabar com a corrupção? Alguém se atreverá a dizer-lhe que ou
Angola acaba com a corrupção ou a corrupção acaba com Angola?
Cremos, contudo,
que a corrupção é de facto a Pedra Filosofal do nosso país. Isto porque,
sobejam os exemplos, é muito mais fácil negociar com regimes corruptos do que
com regimes democráticos e sérios.
Por alguma razão,
sendo Angola o sexto maior fornecedor petrolífero dos Estados Unidos da
América, ninguém verá a Administração Obama a olhar para os caixotes do lixo de
Luanda dos quais se alimentam muitos e muitos angolanos.
Sendo que o caminho
certo se define não em função da luta contra a corrupção mas, é claro, dos
interesses económicos, o regime só tem que continuar como está ou, se possível,
aumentar os níveis.
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