Mário Augusto
Jakobskind* – Direto da Redação
Engana-se quem
pensa que já se conhecem todos os fatos relacionados com o golpe civil militar
de 1964 que derrubou o Presidente constitucional João Goulart. Nos últimos
meses, graças ao trabalho das Comissões da Verdade, sejam estaduais ou a
Nacional, muito fato novo vem sendo divulgado.
Mas um fato desta
semana, protagonizado por João Vicente Goulart, ao ouvir uma denúncia do então
Major do Exército Erimá Pinheiro Moreira, poderá mudar o entendimento de muita
gente sobre a ocorrência mais negativa da história recente brasileira. O alerta
tem endereço certo, ou seja, aqueles que ainda imaginam terem os golpistas
civis e militares agido por idealismo ou algo do gênero.
O Major
farmacêutico em questão, hoje anistiado como Coronel, servia em São Paulo em 31
de março de 1964 sob as ordens do então comandante II Exército, General Amaury
Kruel (foto). Na manhã daquele dia, Kruel dizia em alto e bom som que
resistiria aos golpistas, mas em pouco tempo mudou de posição. E qual foi o
motivo de o general, que era amigo do Presidente Jango Goulart, ter mudado de
posição assim tão de repente, não mais que de repente?
Mineiro de
Alvinópolis, Erimá Moreira, hoje com 94 anos, e há muito com o fato ocorrido
naquele dia trágico atravessado na garganta, decidiu contar em detalhes o que
aconteceu. O militar, que era também proprietário de um laboratório
farmacêutico e posteriormente convidado a assumir a direção de um hospital, foi
procurado por Kruel no hospital. Naquele encontro, o general garantiu ao major
que Jango não seria derrubado e que o II Exército garantiria a vida do
Presidente da República.
Pois bem, as 2 da
tarde Erimá foi procurado por um emissário de Kruel de nome Ascoli de Oliveira
dizendo que o general queria se reunir com um pessoal fora das dependências do
II Exército. Erimá indicou então o espaço do laboratório localizado na esquina
da Avenida Aclimação, local que hoje é a sede de uma escola particular de São
Paulo. Pouco tempo depois apareceu o próprio comandante do II Exército, que
antes de se dirigir a uma sala onde receberia os visitantes pediu ao então
major que aguardasse a chegada do grupo.
Erimá Moreira ficou
aguardando até que apareceram quatro pessoas, um deles o presidente interino da
Federação das Indústrias de São Paulo (FIESP), de nome Raphael de Souza
Noschese, este já conhecido do major. Três dos visitantes carregavam duas
maletas grandes cada um. Erimá, por questão de segurança, porque temia que
pudessem estar carregando explosivos ou armas, mandou abrir as maletas e viu
uma grande quantidade de notas de dólares. Terminada a reunião foi pedida que a
equipe do major levasse as maletas até o porta-malas do carro de Amaury Kruel,
o que foi feito.
De manhã cedo, por
volta das 6,30 da manhã, Erimá Moreira conta que mais ou menos uma hora e meia
depois da chegada no laboratório ligou o rádio de pilha para ouvir o discurso
do comandante do II Exército. Moreira disse que levou um susto quando ouviu
Kruel dizer que se “o Presidente da República não demitisse os comunistas do
governo ficaria ao lado da “revolução”.
Erimá Moreira então
associou o que tinha acontecido no dia anterior com a mudança de postura do
Kruel e falou para si mesmo: “pelo amor de Deus será que ajudei o Kruel a
derrubar o Presidente da República?”
Ainda ouvindo o
discurso de Kruel, conta Erimá, chegaram uns praças para avisar que tinha uma
reunião marcada com o general no QG do II Exército.
Na reunião, vários
militares, alguns comandantes de unidades, eram perguntados se apoiavam Kruel.
“Eu não aceitei e pedi para ser transferido”.
Indignado, Erimá
Moreira dirigiu-se a um coronel do staff do comandante do II Exército para
perguntar se o general Kruel não tinha recebido todo aquele dinheiro para garantir
a vida do Presidente. “Me transfiram daqui, que com o Kruel no comando eu não
fico”.
“Aí então –
prossegue Erimá Moreira – me colocaram de férias para eu esfriar a cabeça. Na
volta das férias, depois de um mês, fiquei sabendo pelo jornal que o Kruel havia
me cassado”.
A partir de então o
Major e a família passaram maus momentos com os vizinhos dizendo à minha mulher
que era casada com um comunista. “Naquela época, quem fosse preso ou cassado
era considerado comunista”.
“Algum tempo depois
contei esta história que estou contando agora ao General Carlos Luis Guedes,
meu amigo desde quando servimos em unidades militares em São João del Rey. Fiz
um relatório por escrito e com firma reconhecida. O General Guedes tirou xerox
e levou o relato para a mesa do Kruel. Em menos de 24 horas o Kruel pediu para
ira para a Reserva. Fiquei sabendo que com o milhão de dólares que recebeu do
governo dos Estados Unidos comprou duas fazendas na Bahia”.
Ao finalizar o
relato, o hoje Coronel Erimá Moreira mostrou-se aliviado e ao ser perguntado se
autorizava a divulgação desse depoimento, ele respondeu que “não tinha problema
nenhum”.
Nesse sentido,
sugerimos aos editores de todas as mídias que procurem o Coronel Erimá Pinheiro
Moreira para ouvir dele próprio o que foi contado neste espaço. Sugerimos em
especial aos editores de O Globo, periódico que recentemente fez uma
autocrítica por ter apoiado o golpe de 64, que elaborem matéria com o militar
que reside em São Paulo.
*É correspondente no
Brasil do semanário uruguaio Brecha. Foi colaborador do Pasquim, repórter da
Folha de São Paulo e editor internacional da Tribuna da Imprensa. Integra o
Conselho Editorial do seminário Brasil de Fato. É autor, entre outros livros,
de América que não está na mídia, Dossiê Tim Lopes - Fantástico/IBOPE
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